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Ed. Três Estrelas, 2014 - 240 páginas: |
Em meados dos anos 1970, a música popular brasileira vive uma de suas mais radicais transformações. Um heterogêneo grupo de artistas desvia-se da tradição da mpb para abraçar a música pop, impulsionado pela crescente internacionalização da cultura jovem, a modernização da indústria do disco e a expansão maciça da tv no país. A cena musical é tomada por uma série de experimentações inéditas. As novidades não pararam aí e se estenderam até o início dos anos 1980 – com a explosão da discoteca, a fabricação de ídolos pelas gravadoras e a adesão de parte dos compositores da mpb “clássica” ao pop e ao mercado. Esse período até hoje menosprezado da cultura brasileira é o tema de Pavões misteriosos, do jornalista André Barcinski, que traz à tona uma série de revelações sobre a cena musical da época e seus personagens fascinantes.
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A revolução do pop ou o pop é a revolução
Mais uma vez um livro me escolheu para lê-lo. Bati o olho na capa, li o título e pronto, ele havia me escolhido. Foi simples assim. O livro em questão é Pavões misteriosos: 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil (Três Estrelas, 240 páginas) do jornalista pra lá de antenado André Barcinski. O título vinha de uma canção de Ednardo, completa incógnita para mim, o qual conhecia pelo título em questão e pela canção Terral e mais nada. E lá vamos nós desbravarmos o universo da música, arte que me encanta. Na capa Ney Matogrosso, Rita Lee, Raul Seixas, na contracapa Guilherme Arantes, Fagner e Ritchie. É apetitoso demais pra evitar.
Esta época é meio que um buraco negro para mim. Eu, adolescente frequentador de matinês das discotecas, tentando de toda a forma entrar à noite. Havia raríssimas vezes em que eu até conseguia e me gabava para os outros de minha idade. O que eles não sabiam era que ao entrar eu me sentia um ET, por ser novo demais era tratado como um “pato”, gíria da época para os muito tímidos que não pegavam ninguém, ficavam no zero a zero.
A “disco” era tremendamente hedonista: salvar o mundo pra quê? Vamos nos divertir e ponto. Mas e os artistas que vieram antes, que pavimentaram o caminho de quem entraria de cabeça no rock?
A liberdade criativa era levada ao pé da letra, os discos artesanais faziam as viúvas e viúvos da Jovem Guarda torcerem o nariz. Mas a Rádio FM vem surgindo, ela é a voz da nova juventude, combatente gigantesca das AM. os programas de auditório ganham corpo e novo formato e as novelas popularizam quem nelas adentra com uma canção. Há um realismo mágico nas canções da década de 70, capitaneadas por Gita (Raul Seixas), Pavão mysteriozo (Ednardo), Racional volumes 1-2-3 (Tim Maia) e A tábua de esmeralda (Jorge Ben, futuramente Benjor). Seria o contraponto, uma resposta poética à luta armada, aos anos de chumbo, à caretice da ditadura e sua censura.
Era preciso descobrir o segredo do sucesso e mesmo, as gravadoras brasileiras , sendo amadorísticas, formaram um grupo de estudo: os jornalistas Zuenir Ventura, Artur da Távola e Dorrit Harazin, produtores musicais como Nelson Motta, o escritor Rubem Fonseca e, pasmem, a psiquiatra Nise da Silveira, ela mesma, do filme ‘Nise – o coração da loucura’.
A passagem do amador para o profissional deixou marcas e é neste meio que os dinossauros do rock – Lobão, Marina Lima, Lulu Santos – vão sendo forjados. Há uma briga grande entre os maiores vendedores de disco entre épocas, eles que ainda o são: Roberto Carlos que havia migrado para um som romântico; Tonico e Tinoco, com seu som regional; Nelson Gonçalves, crooner remanescente que “emprestava” sua voz para alavancar canções; Rita Lee, que se reinventara e estava mais próximo do som que se faria na próxima década; Nelson Ned, o rei do coração partido e Xuxa, a rainha que se fez cantora.
Muita água rolaria debaixo desta ponte. A época não tem um som que a definiria e ainda por cima plagiar nem era assim um pecado tão capital.
Muita gente boa gravou com pseudônimo, cantando decoradinho sem saber nada de inglês, era moda no país. Fábio Jr. foi Mark Davis, Jessé foi Tony Stevens, Ivanilton de Souza virou Michael Sullivan e por aí vai. Os gringos falsos fizeram imenso sucesso e o mais famoso de todos foi Morris Albert, ou melhor, o carioca Alberto Kaiserman, que ganhou o concurso ‘O Homem mais bonito do Brasil’ no programa Flávio Cavalcanti. E qual a canção que o lançou ao estrelato? Nada mais, nada menos que ‘Feelings’.
O que dizer então do pessoal considerado brega, campeão de vendas, mas rejeitado pelos jovens sedentos de novidade? Odair José que gravava com músicos da banda Azymuth (excelentes músicos de estúdio e de shows) sofria com o defeito moral de ser tachado de cafona, vergonha popular. Daí chega com tudo um novo hitmaker, alguém como Leoni dos anos 80 ou Nando Reis dos anos 2000. Um cara que adoro e que sabia tudo de cor:
É claro que a ascensão de um cantor do porte de Guilherme Arantes acende uma luzinha nas gravadoras que começam a cortar custos e encher cofres. Surgem os ídolos realmente fabricados.
Olha só em que caldeirão estamos nos metendo. E tem muito mais. Eu ficaria horas aqui escrevendo um novo livro sobre todas as impressões e emoções que este livro me causou. É o retrato fiel de um tempo que vivi e que apenas senti falta por não ter nada do Clube da Esquina (mas é perdoável). Tudo isso vai redundar no campeão de vendas Ritchie e sua Menina veneno, que sofre boicote de artistas e gravadoras (inveja?) e tem o futuro estagnado. Mas aí já é outra história.
Fui pincelando trechos aqui e ali, sem muito critério, apenas para deixá-los com aquele gostinho de “quero mais, muito mais”. O livro é fantástico, principalmente para os aficionados por canções e por tudo aquilo que está por trás delas.
Este livro é dividido em capítulos com o que de mais interessante aconteceu em cada ano, de 1974 a 1983. Perfeito. Cheio de imagens e uma bibliografia extensa para os mais interessados em conhecer a fundo este universo. Como um aluno atento fui estudando o que as letras e canções diziam em determinada época e foi encantador, no mínimo, um acerto de contas existencial. Imperdível!
Mais uma vez um livro me escolheu para lê-lo. Bati o olho na capa, li o título e pronto, ele havia me escolhido. Foi simples assim. O livro em questão é Pavões misteriosos: 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil (Três Estrelas, 240 páginas) do jornalista pra lá de antenado André Barcinski. O título vinha de uma canção de Ednardo, completa incógnita para mim, o qual conhecia pelo título em questão e pela canção Terral e mais nada. E lá vamos nós desbravarmos o universo da música, arte que me encanta. Na capa Ney Matogrosso, Rita Lee, Raul Seixas, na contracapa Guilherme Arantes, Fagner e Ritchie. É apetitoso demais pra evitar.
“Quem entrasse em uma loja de discos no Brasil em 1974 poderia imaginar que o país tinha enlouquecido. Na capa de um LP, veria a cabeça maquiada de quatro hippies andróginos, expostas em bandejas sobre uma mesa, como pratos de um banquete macabro. Outra capa trazia um desenho em que Sol E Lua apareciam no mesmo horizonte, ao lado de um estranho portal arqueado e de um texto enigmático: ‘A causa do ser humano é o micróbio’. Outro disco reproduzia ilustrações atribuídas a Nicolas Flamel, alquimista francês do século XIV que, segundo alguns, havia desvendado o segredo da pedra filosofal, transformando chumbo em ouro e tornando-se imortal. Havia ainda uma psicodélica pena de pavão que ilustrava a capa de um disco de sucesso... Por fim, uma capa exibia um sujeito magro e cabeludo, de óculos Ray-Ban e boné à Che Guevara, empunhando uma guitarra vermelha reluzente e levantando o dedo indicador. Entre o sagrado e o profano, parecia um misto de guerrilheiro e profeta.”
Esta época é meio que um buraco negro para mim. Eu, adolescente frequentador de matinês das discotecas, tentando de toda a forma entrar à noite. Havia raríssimas vezes em que eu até conseguia e me gabava para os outros de minha idade. O que eles não sabiam era que ao entrar eu me sentia um ET, por ser novo demais era tratado como um “pato”, gíria da época para os muito tímidos que não pegavam ninguém, ficavam no zero a zero.
A “disco” era tremendamente hedonista: salvar o mundo pra quê? Vamos nos divertir e ponto. Mas e os artistas que vieram antes, que pavimentaram o caminho de quem entraria de cabeça no rock?
“Secos & Molhados não foi o único disco ‘esquisito’ a enfrentar a caretice reinando no país. Também houve Lóki?, o primeiro LP de Arnaldo Baptista depois de sua saída do Mutantes e do fim de seu romance com Rita Lee. Um disco dilacerante, em que o compositor de 26 anos expunha sua fragilidade emocional... Outro disco importante foi Na rua, na chuva, na fazenda, do soulman Hyldon. O LP celebrava a vida idílica do interior... Do Recife veio o disco Paêbiru: caminho da montanha do sol, gravado por Zé Ramalho e Lula Côrtes, com ajuda de vários músicos nordestinos que depois se tornariam famosos, como Zé Geral e Alceu Valença.”
A liberdade criativa era levada ao pé da letra, os discos artesanais faziam as viúvas e viúvos da Jovem Guarda torcerem o nariz. Mas a Rádio FM vem surgindo, ela é a voz da nova juventude, combatente gigantesca das AM. os programas de auditório ganham corpo e novo formato e as novelas popularizam quem nelas adentra com uma canção. Há um realismo mágico nas canções da década de 70, capitaneadas por Gita (Raul Seixas), Pavão mysteriozo (Ednardo), Racional volumes 1-2-3 (Tim Maia) e A tábua de esmeralda (Jorge Ben, futuramente Benjor). Seria o contraponto, uma resposta poética à luta armada, aos anos de chumbo, à caretice da ditadura e sua censura.
“Por que tantos bons discos foram lançados na mesma época? Fiz a pergunta a todos os artistas e produtores que entrevistei... e a resposta foi quase sempre a mesma: ‘Porque havia liberdade para gravar’. Ednardo disse: ‘Ninguém da gravadora me dizia o que fazer. Eu gravava o que queria e entregava o disco pronto pra ela’. Pepeu Gomes descreve assim a reunião que os Novos Baianos tiveram com João Araújo da Som Livre – e pai de Cazuza –, quando assinaram contrato com a gravadora: ‘João disse que poderíamos gravar o que a gente quisesse, que ninguém ia meter a mão em nada. E ele cumpriu a promessa’. O resultado foi Acabou chorare, um clássico absoluto do pop-rock brasileiro.”
Era preciso descobrir o segredo do sucesso e mesmo, as gravadoras brasileiras , sendo amadorísticas, formaram um grupo de estudo: os jornalistas Zuenir Ventura, Artur da Távola e Dorrit Harazin, produtores musicais como Nelson Motta, o escritor Rubem Fonseca e, pasmem, a psiquiatra Nise da Silveira, ela mesma, do filme ‘Nise – o coração da loucura’.
“O crescimento da indústria do disco foi acompanhado por uma ‘profissionalização’ do setor, e logo o tempo romântico das gravadoras chegou ao fim... E de que maneira isso afetou a música? ‘Se você fizer uma linha do tempo e colocar os discos mais relevantes, verá que a maioria foi feita até 1976, e depois tudo foi ficando meio ralo’, diz Pena Schmidt... Ednardo lembra o exato momento em que sentiu essa mudança no ar: ‘Foi em 1978. Liguei para a Warner para combinar meu próximo LP, e eles pediram para eu mandar o ‘projeto’ do disco. Eu perguntei que diabo era o tal ‘projeto’, e eles disseram que eu deveria mandar um resumo completo do disco, com o repertório, quem iria produzir, qual era o público-alvo... Depois disso, as coisas mudaram e para pior’.”
A passagem do amador para o profissional deixou marcas e é neste meio que os dinossauros do rock – Lobão, Marina Lima, Lulu Santos – vão sendo forjados. Há uma briga grande entre os maiores vendedores de disco entre épocas, eles que ainda o são: Roberto Carlos que havia migrado para um som romântico; Tonico e Tinoco, com seu som regional; Nelson Gonçalves, crooner remanescente que “emprestava” sua voz para alavancar canções; Rita Lee, que se reinventara e estava mais próximo do som que se faria na próxima década; Nelson Ned, o rei do coração partido e Xuxa, a rainha que se fez cantora.
Muita água rolaria debaixo desta ponte. A época não tem um som que a definiria e ainda por cima plagiar nem era assim um pecado tão capital.
“Na trilha sonora internacional de Pecado Capital, em meio a artistas consagrados como Michael Jackson e The Trammps, um dos destaques era ‘Words of love’, uma balada melosa cantada por Dave D. Robinson. O que o público não sabia era que a música não tinha sido gravada em Los Angeles ou Nova York, e sim no estúdio da Gazeta... Poucos sabiam também que o verdadeira nome de Dave D. Robinson era José Eduardo Pontes de Paiva, também conhecido por Dudu França.”
Muita gente boa gravou com pseudônimo, cantando decoradinho sem saber nada de inglês, era moda no país. Fábio Jr. foi Mark Davis, Jessé foi Tony Stevens, Ivanilton de Souza virou Michael Sullivan e por aí vai. Os gringos falsos fizeram imenso sucesso e o mais famoso de todos foi Morris Albert, ou melhor, o carioca Alberto Kaiserman, que ganhou o concurso ‘O Homem mais bonito do Brasil’ no programa Flávio Cavalcanti. E qual a canção que o lançou ao estrelato? Nada mais, nada menos que ‘Feelings’.
O que dizer então do pessoal considerado brega, campeão de vendas, mas rejeitado pelos jovens sedentos de novidade? Odair José que gravava com músicos da banda Azymuth (excelentes músicos de estúdio e de shows) sofria com o defeito moral de ser tachado de cafona, vergonha popular. Daí chega com tudo um novo hitmaker, alguém como Leoni dos anos 80 ou Nando Reis dos anos 2000. Um cara que adoro e que sabia tudo de cor:
“No início de 1976. Um diretor da Som Livre... chamou Guilherme (Arantes) para fazer um compacto. A música foi ‘Meu mundo e nada mais’. Guto Graça Mello gostou e incluiu a canção na novela Anjo mau, da TV Globo. Os colegas de Guilherme na FAU caíram matando... ‘Eu era considerado um intelectual de segunda linha, um ídolo artificial criado pela Som Livre’, conta o compositor... Foi um sucesso imediato e transformou o cantor, aos 22 anos, em ‘ídalo’. Com sua pinta de galã teen, ele causava frenesi nos programas de TV, e sua imagem decorava pôsteres em quartos de adolescentes...”
É claro que a ascensão de um cantor do porte de Guilherme Arantes acende uma luzinha nas gravadoras que começam a cortar custos e encher cofres. Surgem os ídolos realmente fabricados.
“...Sidney Magal era apenas mais um cantor de bares e restaurantes do Rio de Janeiro. Foi em uma churrascaria na Barra da Tijuca que o produtor musical Roberto Livi o viu pela primeira vez. Livi achava que cantores brasileiros, com raras exceções, não tinham boa presença de palco. Costumava dizer que eles ‘chegavam até o microfone, jogavam a âncora, cantavam e iam embora”. Mas Magal acabou com isso. ‘Ele era o nosso John Travolta’.”
Olha só em que caldeirão estamos nos metendo. E tem muito mais. Eu ficaria horas aqui escrevendo um novo livro sobre todas as impressões e emoções que este livro me causou. É o retrato fiel de um tempo que vivi e que apenas senti falta por não ter nada do Clube da Esquina (mas é perdoável). Tudo isso vai redundar no campeão de vendas Ritchie e sua Menina veneno, que sofre boicote de artistas e gravadoras (inveja?) e tem o futuro estagnado. Mas aí já é outra história.
Fui pincelando trechos aqui e ali, sem muito critério, apenas para deixá-los com aquele gostinho de “quero mais, muito mais”. O livro é fantástico, principalmente para os aficionados por canções e por tudo aquilo que está por trás delas.
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(Reprodução / Arte: Homero Esteves) |
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Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!
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