Considerado pela crítica literária como um dos pais da ficção científica - junto à Isaac Asimov e Arthur C. Clarke, o escritor norte-americano Philip K. Dick é autor de diversos livros e contos que inspiraram famosas adaptações cinematográficas como “Blade Runner – O Caçador de Androides”, “Minority Report” e “O Vingador do Futuro”.
Emmanuel Carrère, escritor e roteirista francês, reconstruiu a vida de PKD na biografia intitulada “
Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos – A Vida de Philip K. Dick”, biografia originalmente publicada em 1993 e que estabelece uma linha temporal sobre a vida e a obra do autor. Em 2016, a Editora Aleph trouxe esse livro para o Brasil, contando com um excelente trabalho de tradução realizado por Daniel Luhmann.
Filho de pais divorciados, Philip cresceu com a mãe na Califórnia, onde cresceu e estudou. Na juventude, PKD ingressou na Universidade da Califórnia para estudar Filosofia e Alemão, ao mesmo tempo em que trabalhou numa emissora de rádio e, também, manteve uma loja de discos.
Foi nessa época que Philip começou a se aventurar na escrita, publicando o seu primeiro conto na revista “Planet Stories”, uma publicação norte-americana de ficção científica destinada a jovens leitores e publicada pela Fiction House entre 1939 e 1955. Após alguns outros trabalhos autobiográficos que acabaram não fazendo muito sucesso, o jovem escritor decidiu dedicar-se inteiramente ao gênero de Ficção Científica.
PKD acreditava que a realidade não passava de uma alucinação coletiva. Através de seus textos e contos, ele buscava provar que as visões que tinha do futuro foram alcançadas graças a algum tipo de divindade criadora do universo, e afirmava que, para além da ficção, “tudo o que vemos não passa de uma projeção de um mundo paralelo, que não existe de verdade”.
Em 1955, Philip conseguiu com que seu primeiro romance, “Solar Lottery”, fosse publicado. Mas somente depois de outras publicações como “Eye In The Sky” (1956), “Dr Futurity” (1960) e “Vulcan's Hammer” (1960) que Philip K. Dick conseguiu se consolidar como escritor de sucesso, sobretudo com a publicação de “O Homem do Castelo Alto”, em 1962, romance recria a história mundial a partir da 2ª Guerra Mundial, mas tendo Alemanha e o Japão como vencedores. PKD chegou até mesmo a ser alvo de investigações por parte do FBI e dos serviços secretos da Força Aérea Americana, por conta de relações com o partido Comunista norte-americano.
Dono de uma mente engenhosa e dotado de uma capacidade auto desafiadora, PKD inspirava-se em conceitos do Budismo, da Cabala, dentre outras doutrinas combinadas com conceitos da parapsicologia, eventos extraterrestres e percepções extra-sensoriais. O autor chegou, inclusive, a criar mundos alternativos em suas obras (como, por exemplo, no romance “Valis”, publicado em 1978), onde, eventualmente, ele acreditava estar vivendo.
Abordando temas como realidade e humanismo, PKD se utilizava de personagens comuns na grande maioria de suas obras, ao contrário de outros autores de Ficção Científica de sua época, que criavam heróis galácticos, robôs ou até mesmo inteligências artificiais. Já perto de sua morte devido a um acidente vascular cerebral, as obras de PKD atingiram repercussão ainda maior ao ganharem as telas do cinema. Seu livro, “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, deu origem ao filme “Blade Runner – O Caçador de Androides”, a primeira de muitas outras obras do autor que ganharam adaptações hollywoodianas.

Mesmo narrando a vida do autor de forma um tanto quanto despretensiosa, especialmente em alguns trechos da biografia, Carrère propõe uma interessante explicação entre Dick e sua conturbada ligação com o espiritual, sua rotina de criar mundos paralelos, nos quais ele mesmo se perdia, e personagens deslocados da realidade. Entre outras palavras, esta brilhante biografia nos permite entender e refletir sobre a célebre afirmação feita por PKD, de que ele é quem estava vivo, enquanto todos nós, afundados na ignorância e cegos pela falsa realidade, estivemos o tempo todo mortos.
Uma interessante curiosidade que este livro traz à tona é que, quando Philip K. Dick morreu, suas cinzas foram depositadas no túmulo de sua irmã gêmea, Jane, que faleceu ainda criança. A lápide de Dick já continha seu nome e a data de seu nascimento, seguida de um traço e um espaço em branco, que foi devidamente preenchido com a data de sua morte.
A Editora Aleph, que garantiu os direitos de publicação e trouxe o livro para o Brasil, mais uma vez realizou um excelente trabalho, tanto no que diz respeito à tradução quanto ao projeto gráfico da obra. Trata-se de uma biografia imperdível do mestre das realidades alternativas, acompanhando grande parte dos trabalhos de PKD em paralelo com sua trajetória pessoal. Através da leitura, percebe-se como a vida do autor acabou influenciando a criação de seus personagens e, claro, a própria escrita.
Livro mais do que recomendado aos fãs de PKD. A única ressalva, talvez, seja o intenso bombardeio de spoilers que atinge o leitor durante quase todo o livro. Para quem nunca leu nada de Philip K. Dick, recomendo conhecer um pouco mais das obras desse escritor fantástico, antes de embarcar em sua biografia.