A razão que nos diferencia
O livro
O que nos faz bons ou maus (
BestSeller, 304 páginas) do professor de Psicologia e Ciência Cognitiva da Universidade de Yale,
Paul Bloom, chamou-me a atenção logo de cara. Primeiro pela dificuldade de se responder tal questão e segundo por um apetite pessoal pelas questões filosóficas que não me larga nunca.
A grosso modo o livro trata de questões metaéticas e de como a moralidade a qual nascemos transcende a partir de nossa compaixão, imaginação e inteligência dando origem à percepção moral. Ele vai jogando com opostos para nos dar uma visão abrangente e muitas vezes religiosa.
A empatia poderia explicar a doação em vida de um rim para um estranho?
“...tais atos de altruísmo provam que nossos juízos e ações morais não podem ser totalmente explicados pelas forças da evolução biológica. Eles exigiriam uma explicação teológica.”
Daí nos provoca, pincelando seu oposto – e aquele ser que após ser dispensado pela namorada a persegue e joga ácido em seu rosto?
Diferentes culturas e religiões (partindo do princípio que cada qual acha que a sua religião é a melhor) podem alterar nossa percepção do que seja mau ou bom, como a história de Dario, rei da Pérsia:
“Ele convocou os gregos que, por acaso estavam presentes em sua corte e perguntou-lhes quanto eles exigiriam para comer os cadáveres de seus pais. Eles responderam, então, que não fariam isso por dinheiro nenhum no mundo. Mais tarde, na presença dos gregos, e através de um intérprete, de modo que pudessem entender o que estava sendo dito, ele perguntou a alguns hindus, de uma tribo chamada callatiae, e que de fato, comiam os cadáveres de seus pais, quanto eles exigiriam para queimá-los. Eles proferiram um grito de horror e proibiram-no de mencionar coisas tão terríveis como essa. Pode-se ver, assim, o que os costumes podem fazer.”
Entra em cena a “compaixão” (preocupar-se com outra pessoa) e a “empatia” (colocar-se no lugar de outra pessoa) para explicar um pouco o que seja a moralidade:
“... quando prestamos atenção no modo como os bebês e as crianças pequenas agem, observamos algo a mais. Eles, simplesmente, não se afastam da pessoa que sofre. Eles tentam fazer com que ela se sinta melhor. Os psicólogos do desenvolvimento observaram, há muito tempo, que crianças de 1 ano de idade costumam dar tapinhas e passar a mão nas costas de outras que parecem estar angustiadas...”
Logicamente isso não acontece com crianças muito pequenas e nem com tanta frequência, mas acontece e não há uma explicação lógica a não ser uma certa moralidade inata. Isso me tocou, me emocionou, pois tenho dois filhos e já os flagrei fazendo a mesma coisa comigo, como se percebessem a angústia que estava passando no momento.
Mas como explicar o prazer que sentimos quando uma pessoa má está em apuros – oba, ela se ferrou, vai sentir na pele o quanto é ruim atazanar os outros. Torcemos pela punição, para que haja equilíbrio na balança. Isso nos faz pessoas ruins?
Ou a percepção das atrocidades em tempos de guerra – você vê aquilo todos os dias, acaba se acostumando. Não precisamos ir tão longe, num hospital médicos e enfermeiros estão alheios ao sofrimento, estão anestesiados. Isso faz deles pessoas sem coração? Ou pior ainda, passamos por desabrigados e muitas vezes fugimos deles, mudamos de calçada, fingimos não vê-los.
Sempre fui um observador (talvez por ter sido professor e gostar de ir ao intervalo junto com os alunos) da “inocência cruel” das crianças, no sadismo praticado ao apelidar os colegas que usavam óculos ou que eram mais cheiinhos:
“As crianças pequenas são altamente agressivas; na verdade se medirmos a taxa de violência física ao longo do ciclo de vida, seu maior pico será em torno dos 2 anos de idade. As famílias sobrevivem aos Terríveis Dois Anos porque as crianças pequenas não são fortes o suficiente para matar com as próprias mãos nem capazes de manusear armas letais. Uma criança de 2 anos com capacidades físicas de um adulto seria apavorante.”
Devemos então nos indignar. Alguns filósofos como Jesse Prinz, consideram a indignação uma característica mais importante para a o moralidade do que a empatia e a compaixão:
“Se fôssemos sempre gentis uns com os outros, a questão da punição nunca surgiria. Mas, como assinalou, certa vez, o antropólogo Robert Ardrey: ‘Nascemos de macacos bípedes, e não de anjos caídos’. Alguns se sentem tentados a enganar, a matar e a sucumbir a impulsos egoístas, e para que possamos sobreviver na presença destes indivíduos, precisamos fazer com que este mau comportamento custe caro.”
Mas isso não seria uma espécie de “vingança”? A filósofa Paumela Hieronymi diz que a vingança restitui o “status” anterior:
“Um erro passado cometido contra nós... sem um pedido de desculpas, uma expiação, uma retribuição, uma punição... ou qualquer outra coisa que possa reconhecê-lo como um erro, é uma espécie de alegação. Ele atesta, com efeito, que podemos ser tratados desta forma, e que tal tratamento é aceitável”.
Daí me vem à mente a Lei do Gerson, a máxima de se levar vantagem em tudo. Caso você não se enquadrar ou for politicamente correto você é taxado de otário.
Não nos esqueçamos da “aversão”, e um exemplo típico é dado por Primo Levi, que conta como os nazistas negavam aos prisioneiros judeus o acesso aos toaletes, e o efeito que isso provocou:
“Os SS da escolta não escondiam seu divertimento ao ver homens e mulheres agacharem-se onde podiam, nas plataformas, no meio dos trilhos; e os passageiros alemães exprimiam abertamente a sua aversão: gente como essa merece o seu destino, basta ver como se comportam.”
E aqueles, que ao contrário, resolveram questionar o totalitarismo do Estado, arriscaram a vida para salvar seu semelhante, como Schindler:
“Como observou Aristóteles, um dos traços dos indivíduos virtuosos é que eles aspiram transformar um bom comportamento racional em um hábito involuntário, e, assim, se tornar aquele tipo de pessoa que faz a coisa certa sem nunca ter que pensar sobre isso.”
Então como devemos agir? Há uma regra de ouro, expressa por várias personalidades e que eu tento seguir incansavelmente:
“E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós, também.” (Cristo)
“Não faças a teu próximo o que te é detestável. Esta é toda a Torá, o resto é comentário.” (rabino Hillel)
“O bem de um indivíduo qualquer não tem mais importância, sob o ponto de vista do universo, do que o bem de qualquer outro indivíduo.” (Henry Sidgwick)
Resumindo: “não faço a alguém o que não gostaria que fizessem comigo”. Isso funciona, mas não é tão simples assim segui-lo. O que se deve ficar claro é que não devemos ser escravos de nossas paixões pelo simples fato de termos a capacidade de raciocinar. E esta é uma grande vantagem.
No final da leitura deste livro eu tinha tantas anotações e indagações que ficou difícil escolher a melhor maneira de transmitir minhas sensações. Espero ter conseguido despertá-los. Não é uma leitura agradável como um romance cheio de reviravoltas, mas é elucidativo ou no mínimo estimulante. Necessário para nos conhecermos melhor. Livro altamente recomendado para reflexão.