Resenhar clássicos sempre é difícil, e mais difícil ainda quando este possui um valor sentimental para muitos que o leram e o carregam como livro de cabeceira, pois a partir disso, torna-se uma missão quase obrigatória de escrever uma resenha bem critica e profunda por se tratar de um livro conceituado. Mas não foi o que houve. Não foi nada obrigatório chegar aqui e expor minha opinião, pelo contrario, foi divertido, espontâneo e muito mais fácil do que eu imaginava.
A trama gira em si em torno de um grupo de crianças que em certo momento tem seu espaço de lazer ameaçado por um outro grupo de crianças que querem toma-lo. Pronto. Só isso, mas vamos lá. Basicamente sendo isso, o autor nos dá motivos, e diria milhares de motivos, para nos importarmos com esse pequeno grupo. Primeiro por que cada criança que compõe “
Os Meninos da Rua Paulo”, são extremamente verossímeis, e a riqueza de detalhes presentes nos acontecimentos é engrandecedora. A ingenuidade da infância, os valores presentes no decorrer da trama como confiança, amizade, companheirismo, lealdade, amor, extrapola todas as razões para a leitura do livro.
Livros com crianças sempre possuem essa gama de envolver quem lê, justamente por nos transportar para algo que transcende nosso ser, e principalmente para nos reavaliarmos como adultos crescidos. O que somos hoje, se conseguimos o que queríamos quando jovem, se somos felizes... Esses são apenas alguns dos pensamentos que nos permeiam após leituras tão profundas e intensas assim. O que nos leva ao segundo motivo (de infinitos) para ler este livro de mais de
100 anos de publicação.
Quando você junta todos esses aspectos acima e coloca num contexto histórico de guerra, tudo se torna mais profundo ainda. O que chama atenção ainda é que ambos os grupos, “mocinhos e rivais” possuem uma peculiaridade, que são as regras. Eles têm uma hierarquia, do líder até o faz tudo. Tem deveres a ser feitos, punição de honras, como escrever o nome do integrante em letras minúsculas num caderno após um ato inapropriado, para que todos vejam a vergonha que é ter o nome escrito sem ser em maiúsculo, que é uma das maiores honras.
“À pág 17 dos autos há a seguinte anotação: ernesto nemecsek com minúsculas. Está anotação se anula com a presente por ter sido motivado por um erro [..].” Pag 219
Outro motivo é a linguagem coloquial. Conhecemos palavras novas que não são mais adequadas em nosso dia-a-dia, obviamente, mas que nos surpreende por tamanhas variedades de significados. No momento da leitura ia marcando uma a uma para pesquisar, mas eu não tinha percebido o glossário ao fim do livro, então indico que quando encontrarem algo desconhecido, corram ao final pra ver.
Sem falar também de como essa tradução e notas de rodapé do Paulo Rónai fizeram toda a diferença. Há uma espécie de feedback com o leitor, quando este expõe sua conclusões, como fato de que o próprio autor, Ferenc Molnár, em momentos do livro dizer “nós” ao se referir aos meninos da rua Paulo, que se entende que ele fizera parte do grupo. Ou o fato do pequeno erro de escrita do mesmo ao trocar as cores das bandeiras da pág 47 e na pag 182. Que não influencia em nada, mas que notamos e o Paulo Ronai divide isso com o leitor. Os nomes dos personagens são bem diferentes à sonoridade dos brasileiros. São nomes húngaros que não estamos habituados, mas logo nos acostumamos quando lemos a pronuncia correta.
O livro ainda possui ilustrações bem simples, mas que representam incrivelmente bem a cena em questão. A escrita do autor de inicio é confusa, como qualquer livro clássico, mas que agrada e se torna poesia depois de habituarmos os olhos a ela. É uma narrativa envolvente e viciante.
“Tinha o espírito cheio de uma porção de pensamentos tristes que antes nunca lhe haviam ocorrido, perguntas sobre a vida e a morte, para as quais não conseguia encontrar resposta.”
Antes de terminar, vale a pena pesquisar sobre o monumento inspirado nos meninos que foi construído em Budapeste. Retrata os meninos jogando bolinha de gude. Muito bonito por sinal.
Indico sim o livro a qualquer tipo de leitor que se permita viver um romance delicado com uma lição de vida extraordinária. Ótima leitura.