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Engenharia Reversa
Parte XLII - Planalto Sem Fim
Carregado de adrenalina, Davi corre na direção de uma grande pedra. Ele está no centro da cratera-garagem de Nova Esperança, cercado por escombros e carcaças de veículos militares. Sons de tiros preenchem ar; a rajada por pouco não o atinge. Davi se abaixa, o coração disparado. Ele salta e aterriza atrás da pedra, que é alvejada por novos disparos. O biohacker estica os braços para posicionar sua arma e então puxa o gatilho. Do outro lado, dois sobreviventes da Divisão Gavião buscam proteção atrás do veículo que os levou até ali, um pequeno blindado de seis rodas.
Davi recolhe sua metralhadora, cessando os disparos para poupar munição. Olha ao redor e vê a fumaça e o fogo que emanam das dezenas de garagens escavadas nas paredes da imensa cratera. Lembra-se que, dias atrás, ele e os outros estavam entrando naquele lugar a bordo do Lobo do Deserto. A imagem de Samuel lhe vem à mente, em seguida Bel, Thiago, Marcela e Maestro, porém, elas desaparecem quando os inimigos voltam a atirar.
- Você não vai escapar, seu forasteiro de merda! - grita um dos soldados.
Rapidamente, o homem posiciona seu rifle no capô do veículo e começa a disparar incessantemente, forçando Davi a se encolher atrás da pedra.
- Vá até lá e surpreenda aquele imbecil - grita por sobre os disparos.
Com sua pistola em riste, o outro responde empreendendo uma corrida na direção da pedra. Então, subitamente, atirador sente algo estranho, uma presença como se alguém o observasse. Ele para de atirar e se vira para trás, a adrenalina estourando nas veias; dá de cara com uma figura encapuzada.
- Renda-se e você viverá - ordena a figura.
- O quê? - o homem aperta com força sua arma, surpreso por ouvir uma voz feminina. Rapidamente ele gira o rifle na direção da encapuzada, contudo, é surpreendido por um soco que lhe atinge o maxilar; o soldado cai desacordado. Amanda abaixa o capuz, arfa e sente o quadril latejar, ignora a dor e apanha o rifle, mirando no outro militar.
A meio caminho de Davi, o soldado estanca e olha para trás, confuso ao perceber que os disparos de cobertura pararam. Ele vê Amanda e a reconhece, tremendo, apontando sua pistola para ela, mas não é rápido o suficiente. O tiro do rifle o atinge no ombro, fazendo-o girar no ar. Ele cai em prantos e solta a pistola. De longe, Amanda o observa, imaginando se vai precisar dar outro tiro, mas não, ele incapacitado porém vai sobreviver. Ela respira com dificuldade, apoia-se no veículo por um momento para recuperar as energias. Um pouco melhor, vai até uma das portas e a abre, sentando-se na poltrona do motorista. Vasculha o interior rapidamente e logo encontra o que procura: o kit de primeiros socorros.
Pega o kit e sai do veículo, indo na direção do soldado abatido. Enquanto caminha, um diagnóstico é exibido em suas retinas: inibidores sinápticos falhando, engrenagens dos servo-motores da perna direita com 40% de eficiência.
Do outro lado, Davi corre para o soldado caído. Vê a pistola e a chuta para longe.
- Quietinho aí! - diz mirando no homem.
O soldado se vira para Davi e, mesmo deitado, levanta os braços em rendição. O sangue jorrando pelo buraco em seu ombro, o medo estampado no rosto.
- Por favor, não me mate! Eu... eu só estava cumprindo ordens.
Amanda os encontra. Davi nota que ela move a perna direita com dificuldade.
- Nossa, seu plano realmente funcionou! Por um momento achei que eles iriam me matar, valeu! E conseguiu achar sua nave? Pegou as células de energia?
Ela toma fôlego, examina o soldado e se volta para Davi:
- Não. Infelizmente tudo foi destruído na queda.
- Droga! E agora? Quanto tempo mais você vai durar?
Amanda ergue as sobrancelhas, então dá de ombros e responde:
- Ainda tenho alguns dias, o suficiente para chegarmos ao abrigo. Com sorte, deve haver alguma fonte de energia por lá que eu possa usar. Mas no momento precisamos cuidar desse homem. Me ajude.
- O quê? Cuidar dele? Esses caras quase nos mataram!
A ciborgue ignora o comentário e aproxima-se do homem ferido, cruzando olhares com ele, que Instintivamente tenta se afastar.
- Calma. Eu não vou te machucar. Se você colaborar podemos te ajudar, caso contrário, você vai sangrar até morrer.
Tremendo, o homem responde:
- Eu... Eu não queria atirar em vocês! Por favor, me desculpem.
- Eu sei, você só estava seguindo ordens.
Ele balança cabeça atônito, confirmando.
- Faço o que você quiser! O que quiser! Nosso esconderijo - ele tosse - eu posso te levar até lá. Temos comida, armas, munição, água, combustível!
- Não é isso que queremos. Escute: a bala atravessou seu ombro, então só precisamos estancar o sangramento e cuidar do ferimento, assim, você vai durar tempo suficiente para ser resgatado por alguma patrulha.
O soldado arregala os olhos ao ver o kit de primeiros socorros.
- Por que você está fazendo isso? Eu vi o que você fez no campo de batalha!
- É bem simples: você me diz onde está instalado o localizador no veículo, assim poupamos tempo e em troca salvamos sua vida.
- Localizador ?
Amanda aguarda em silêncio, fitando o soldado. Temeroso, ele rapidamente volta a falar:
- Ah, sim, sim! O localizador! Está embaixo do último eixo; é uma caixa prateada com uma luzinha verde, não tem como errar.
- E é a senha ? - inquere Amanda.
- Cinco três nove, dois sete quatro, oito seis um - o militar responde.
- Ótimo - ela se vira para Davi. - Vampiro, me ajude a sentá-lo para que eu possa tratar o ferimento.
- Como você sabia que tem uma senha no localizador? - pergunta o biohacker.
- Eu não sabia, apenas deduzi.
- Me agradeça, rapaz, eu acabei de salvar suas vidas - responde o soldado, ao que Davi dá de ombros.
Três dias depois.
O pequeno blindado cruza o gigantesco planalto em alta velocidade, passando por pequenas árvores tortas e sem folhas. Pelo caminho existem algumas poucas estruturas em ruínas, restos de máquinas e grandes cilindros enferrujados, ecos de um passado não tão distante. Amanda vai ao volante, enquanto Davi, no banco do carona, observa um mapa que eles encontraram no porta-luvas.
- Tem uma coisa estranha aqui, e acho que estamos nos aproximando dela.
- Como assim, estranha?
- É um retângulo, como os outros que representam as cidades em ruínas que passamos, só que esse é vermelho.
- Deixe-me ver.
Davi mostra o mapa para Amanda que, no mesmo instante, acessa com dificuldade seus bancos de memória e obtém o mapa obtido do Datacrys, então os compara.
- Realmente é muito estranho. Essa marcação não aparece no mapa digital. E pior: a cinco quilômetros atrás passamos por uma cidade em ruínas, que está presente em ambos os mapas, porém depois dela já deveríamos estar vendo um pequeno monte, Pedra do Camelo - Amanda dá uma pausa -, a entrada para o abrigo fica na encosta desse monte.
- O quê? Pedra do Camelo? Cara, se existia alguma coisa assim por aqui pode apostar que foi dinamitada, e a porra do abrigo foi junto, ou seja, estamos ferrados!
Amanda fica em silêncio, os olhos fixos na rota. Davi passa a mão pelo rosto removendo o suor.
- Vamos morrer aqui, Amanda, vamos morrer no meio desse fim de mundo!
- Não temos opção. Devemos continuar seguindo o mapa, continuar até o ponto vermelho. Talvez ele seja o abrigo.
- Ou talvez seja outra cidade em ruínas, e está em vermelho porque deve ter algo perigoso por lá. Radiação, mutantes, canibais... vai saber. Está percebendo? De qualquer jeito estamos ferrados!
- Bem, em todo caso você terá o veículo e o mapa, talvez encontre encontre um povoado. Não se preocupe, antes de morrer lhe passo a localização exata do abrigo, e a senha.
Subitamente Davi fica em silêncio. Ele olha para Amanda, reparando no rosto chamuscado dela.
- Quanto tempo você ainda tem?
- No máximo, dois dias e meio, talvez três.
Ele não sabe o que dizer. Observa por alguns segundos a paisagem desolada, areia a perder de vista.
- Eu lamento, mesmo.
- Não. Você não tem do que se lamentar.
- É claro que tenho!
- Não seja cínico.
- O quê? Como você consegue ser assim?
- Assim como?
- Indiferente a tudo! Até a sua própria morte!
Amanda permanece quieta, Davi, exaltado, continua:
- Você passou sua vida inteira fazendo o serviço sujo para os dono do mundo, e agora vai terminar aqui, no meio do nada! Foi abandonada por eles, né? Quando não precisaram mais de você te descartaram como uma máquina defeituosa, como uma droga de uma geladeira velha!
Amanda não responde.
- Então você simplesmente aceita que vai morrer nesse lugar desgraçado?
- Por que você se importa?
Davi congela. Ele busca uma resposta em sua mente e, perplexo, não encontra nada. Então, perplexo, se dá conta de sua reação. Abre a boca pronto para falar alguma coisa, mas nenhuma palavra se forma.
O motor range fazendo o blindado acelerar. Um jato de fumaça negra explode pelo escapamento.
Dois dias depois.
O veículo começa a desacelerar. O som da borracha contra o chão de cascalho vai ganhando espaço frente ao ruído moribundo do motor. Um grupo de quatro homens armados, envoltos em mantos marrons das cabeça aos pés, observa com atenção os últimos movimentos do pequeno blindado diante deles. Os encapuzados movem-se cercando o veículo, o que deixa Davi apreensivo; rapidamente ele pega sua arma e a destrava.
- Eu sabia! Eu sabia que ia dar merda! Por que você parou? Passe por cima deles!
Davi começa a levantar sua pequena metralhadora afim de fazer mira, mas é impedido por Amanda, que toca em seu braço forçando-o a abaixar a arma.
- Ei! O que você tá fazendo !?
- Controle-se, Vampiro. Eles estão com as armas abaixadas, faça o mesmo. Poderiam ter atirado em nós, mas não o fizeram. O morro deveria estar bem na nossa frente, mas não há nada, é tudo muito estranho e eu quero obter respostas.
Relutante, o biohacker obedece, mas logo fica novamente apreensivo ao ver que um dos quatro está se aproximando pelo seu lado, enquanto os outros, mais afastados, ajustam as armas.
Passo após passo o estranho fica mais parto, até que para a menos de dois metros da porta de Davi e abaixa o capuz, revelando uma máscara que lhe envolve nariz e boca, porém, seus olhos estão bem visíveis, são pequenos e acinzentados. O sujeito levanta os braços, a arma balança pendurada pela bandoleira, ele aponta para a porta e faz um gesto, indicando para os tripulantes saírem do veículo.
- Obedeça! - sussurra Amanda. - E pareça triste, você precisa parecer extremamente triste, entendeu? Deixe o resto comigo.
- Espero que você tenha um bom plano.
- Vá logo! Vou sair pelo outro lado.
De pé, Devi fecha a porta encarando o homem mascarado, esforçando-se para parecer o mais desolado possível. Amanda dá a volta pela frente do blindado, estudando o estranho, olhando de soslaio para seus companheiros. Ela nota que as armas deles, apesar de grandes como fuzis de atirador, parecem ser feitas de madeira.
Amanda e Davi estão lado a lado, bem diante do mascarado. Finalmente ele abaixa os braços. Uma voz sintetizada, meio robótica, meio humana, sai de sua máscara em um tom cordial:
- Faz muito tempo que não recebemos granitenses por aqui. Soubemos por alto o que aconteceu por lá. Suponho que vocês sejam militares, outros também conseguiram sair de Nova Esperança? Estão vindo para cá?
Amanda analisa cada palavra, procurando decifrar o que a voz do mascarado pode esconder. Mas seus processadores neurais estão trabalhando abaixo da capacidade, e ela tem que usar a parte biológica de seu cérebro. Decide então que precisa ganhar tempo.
- Sinceramente, eu não sei - ela responde, a voz arrastada. - Estávamos na muralha quando tudo começou, e foi muito rápido. Corremos para nos juntar ao resto dos soldados mas era tarde , os invasores nos derrotaram em um piscar de olhos. Então recebemos ordens para ajudar os civis a fugir da cidade, tentar chegar a um dos abrigos nas proximidades.
- E o que aconteceu?
- Conseguimos montar um pequeno comboio, mas os abrigos também foram atacados, então seguimos para longe, buscando um lugar seguro onde poderíamos nos reagrupar e planejar os próximos passos. Mas no meio da estrada fomos interceptados por uma facção de expurgados. Na confusão, o comboio foi forçado a se separar. Lutamos muito para escapar, e acabamos perdendo o sinal de rádio , por sorte, conseguimos chegar até aqui.
Os olhos cinzentos estudam Amanda por alguns segundos, criando um silêncio incômodo.
- Entendo. Mas afinal, quem atacou vocês?
- Não sabemos. Como eu disse, foi tudo muito rápido. Mas pelo poder de fogo demostrado, não são... - ela geme, tocando na perna que volta a latejar forte - ... não são da Terra Maldita.
O mascarado dá de ombros, aproxima-se do veículo e o escrutina. Observa com atenção as marcas de bala ao longo da blindagem, toca em cada uma delas com cuidado, analisando as ranhuras. Por fim, volta-se para Davi.
- Qual a sua patente?
O biohacker começa a tremer. Amanda olha para ele com uma expressão de seriedade, o que o força a se recompor.
- Sou oficial de comunicações, cabo Yagami.
- E você? - volta-se para Amanda.
- Sargento Fernandes, segunda divisão de Infantaria.
Novamente o homem os observa por mais alguns segundos. Os olhos inquietos, piscando incessantemente, como se por trás deles uma tempestade estivesse se formando.
- E se me permite, senhor, quem é você? - pergunta Davi, nervoso.
O mascarado ergue uma sobrancelha. Amanda arregala os olhos.
- Anteros Castelo, general de Delta - responde sinalizando para os encapuzados.
Em segundos os homens avançam com suas armas em riste, rapidamente fechando um círculo ao redor dos forasteiros e forçando-os a ficar de joelhos. Davi se desespera, recusando-se, mas é brutalmente empurrado.
- Boa tentativa, Fernandes, ou seja lá quem você for - diz Anteros.
- Espere, por favor! Eu confesso: não somos granitenses, somos viajantes! Estávamos de passagem por Nova Esperança quando tudo aconteceu, nossa única chance de escapar foi roubando esse veículo - ela diz .
- É claro que não são granitenses, moça! Se fossem, jamais se aproximariam de Delta, e saberiam muito bem quem é Anteros Castelo - zomba um dos encapuzados, a voz sintética meio máquina, meio gente.
- Aposto que vocês sabem de muito mais, e vão nos contar tudo. Precisamos saber em detalhes o que aconteceu em Nova Esperança. Agora, saibam que só estão vivos porque quero interrogá-los. Mas não se preocupem, se colaborarem, terão um julgamento justo.
- Senhor, só queremos chegar até o abrigo, que deveria estar aqui - grita Davi. - Não infringimos nenhuma de suas leis! Não podemos ser julgados por crimes que não cometemos!
- Vocês entraram no território protegido da Comunidade Deltiana - responde Anteros. - Um crime passível de execução. Agora Chega, vamos levá-los em custódia. Homens, ajudem ela a se levantar, e revistem os dois.
O cogumelo de fogo começa a se transformar em fumaça, elevando-se a mais de dez metros do chão. Ao longe, Davi para de andar para observar os momentos finais da explosão onde antes estava o blindado; ele lamenta, pois agora não existe mais possibilidade de fuga.
- Vamos, mova-se! - grita um encapuzado.
O grupo segue para o norte. Por todos os lados existe apenas o planalto sem fim, sem plantas, sem ruínas, sem vegetação rasteira. Anteros vai à frente, ditando o ritmo. Atrás dele, Davi é escoltado por um guarda, e mais atrás segue Amanda, amparada pelos outros dois encapuzados. O sol forte começa a castigar os forasteiros, mas devido a suas vestes, os captores permanecem ilesos.
- Por favor, por acaso vocês teriam água? - diz Davi.
Ninguém responde, e Anteros aperta o passo, acelerando o ritmo da caminhada. Contudo, os dois homens que carregam Amanda começam a ter dificuldades, não conseguindo acompanhar o líder.
- Comandante! - grita um dos encapuzados.- É muito estranho, senhor, parece que ela ficou mais pesada, parece que é feita de ferro!
- Exatamente! Nunca vi algo assim - complementa o outro.
Anteros aproxima-se dos três, ficando diante de Amanda. Repara que ela é alta, talvez da mesma altura que ele, e que a cabeça está caída contra o peito, o rosto escondido atrás do capuz.
- Pode ser um truque, mas parece que ela desmaiou. Coloquem-na deitada - ordena.
Os homens obedecem com alguma dificuldade. De longe, Davi observa com apreensão.
Anteros remove o capuz de Amanda e surpreende-se ao ver o corte na testa dela, que revela em meio a pele chamuscada algumas partes brilhantes, claramente artificiais. Então ele passa as mãos pela cabeça dela, afastando tufos de cabelo e encontrando a superfície à mostra do cérebro positrônico.
- Não pode ser! - diz Anteros, que saca um facão e faz Davi se desesperar.
Com um golpe rápido, o mascarado corta o tecido do manto que Amanda está usando, exibindo o tórax dela repleto de placas de metal e partes cibernéticas à mostra.
- Minha nossa! - assusta-se o homem ao lado de Davi. Os outros dois ajoelham-se, juntam as palmas das mãos acima das cabeças e começam a pronunciar palavras em um dialeto desconhecido.
- Seu desgraçado, tire as mãos dela! - grita Davi, que tenta correr até o líder mascarado mas é detido pelo guarda atrás dele.
Com um impulso Anteros se levanta, os olhos inquietos. Ele guarda o facão e leva as duas mãos à cabeça. - Isso é impossível! Não, não pode ser! - repete para si mesmo. Após vários minutos, ele diz em voz alta:
- Controle de Delta, solicito suporte aéreo imediato. Código Vermelho.
Segundos depois, ao norte distante deles e sobre o imenso planalto sem fim, um retângulo de luz começa a tomar forma no meio do ar, flutuando a poucos metros acima do solo morto. Ele se expande para todos os lados, ficando duas, quatro, oito vezes maior e emitindo um som agudo e pulsante, atraindo a atenção de todos. No chão, Davi não acredita em seus olhos: dentro do retângulo é possível ver uma imensa floresta, e depois dela, uma cidade de torres de vidro, torres verdes como esmeraldas erguendo-se na encosta de uma pequena montanha rochosa.
- A Pedra do Camelo - diz Davi, incrédulo.
https://www.facebook.com/engenhariareversalivroDavi recolhe sua metralhadora, cessando os disparos para poupar munição. Olha ao redor e vê a fumaça e o fogo que emanam das dezenas de garagens escavadas nas paredes da imensa cratera. Lembra-se que, dias atrás, ele e os outros estavam entrando naquele lugar a bordo do Lobo do Deserto. A imagem de Samuel lhe vem à mente, em seguida Bel, Thiago, Marcela e Maestro, porém, elas desaparecem quando os inimigos voltam a atirar.
- Você não vai escapar, seu forasteiro de merda! - grita um dos soldados.
Rapidamente, o homem posiciona seu rifle no capô do veículo e começa a disparar incessantemente, forçando Davi a se encolher atrás da pedra.
- Vá até lá e surpreenda aquele imbecil - grita por sobre os disparos.
Com sua pistola em riste, o outro responde empreendendo uma corrida na direção da pedra. Então, subitamente, atirador sente algo estranho, uma presença como se alguém o observasse. Ele para de atirar e se vira para trás, a adrenalina estourando nas veias; dá de cara com uma figura encapuzada.
- Renda-se e você viverá - ordena a figura.
- O quê? - o homem aperta com força sua arma, surpreso por ouvir uma voz feminina. Rapidamente ele gira o rifle na direção da encapuzada, contudo, é surpreendido por um soco que lhe atinge o maxilar; o soldado cai desacordado. Amanda abaixa o capuz, arfa e sente o quadril latejar, ignora a dor e apanha o rifle, mirando no outro militar.
A meio caminho de Davi, o soldado estanca e olha para trás, confuso ao perceber que os disparos de cobertura pararam. Ele vê Amanda e a reconhece, tremendo, apontando sua pistola para ela, mas não é rápido o suficiente. O tiro do rifle o atinge no ombro, fazendo-o girar no ar. Ele cai em prantos e solta a pistola. De longe, Amanda o observa, imaginando se vai precisar dar outro tiro, mas não, ele incapacitado porém vai sobreviver. Ela respira com dificuldade, apoia-se no veículo por um momento para recuperar as energias. Um pouco melhor, vai até uma das portas e a abre, sentando-se na poltrona do motorista. Vasculha o interior rapidamente e logo encontra o que procura: o kit de primeiros socorros.
Pega o kit e sai do veículo, indo na direção do soldado abatido. Enquanto caminha, um diagnóstico é exibido em suas retinas: inibidores sinápticos falhando, engrenagens dos servo-motores da perna direita com 40% de eficiência.
Do outro lado, Davi corre para o soldado caído. Vê a pistola e a chuta para longe.
- Quietinho aí! - diz mirando no homem.
O soldado se vira para Davi e, mesmo deitado, levanta os braços em rendição. O sangue jorrando pelo buraco em seu ombro, o medo estampado no rosto.
- Por favor, não me mate! Eu... eu só estava cumprindo ordens.
Amanda os encontra. Davi nota que ela move a perna direita com dificuldade.
- Nossa, seu plano realmente funcionou! Por um momento achei que eles iriam me matar, valeu! E conseguiu achar sua nave? Pegou as células de energia?
Ela toma fôlego, examina o soldado e se volta para Davi:
- Não. Infelizmente tudo foi destruído na queda.
- Droga! E agora? Quanto tempo mais você vai durar?
Amanda ergue as sobrancelhas, então dá de ombros e responde:
- Ainda tenho alguns dias, o suficiente para chegarmos ao abrigo. Com sorte, deve haver alguma fonte de energia por lá que eu possa usar. Mas no momento precisamos cuidar desse homem. Me ajude.
- O quê? Cuidar dele? Esses caras quase nos mataram!
A ciborgue ignora o comentário e aproxima-se do homem ferido, cruzando olhares com ele, que Instintivamente tenta se afastar.
- Calma. Eu não vou te machucar. Se você colaborar podemos te ajudar, caso contrário, você vai sangrar até morrer.
Tremendo, o homem responde:
- Eu... Eu não queria atirar em vocês! Por favor, me desculpem.
- Eu sei, você só estava seguindo ordens.
Ele balança cabeça atônito, confirmando.
- Faço o que você quiser! O que quiser! Nosso esconderijo - ele tosse - eu posso te levar até lá. Temos comida, armas, munição, água, combustível!
- Não é isso que queremos. Escute: a bala atravessou seu ombro, então só precisamos estancar o sangramento e cuidar do ferimento, assim, você vai durar tempo suficiente para ser resgatado por alguma patrulha.
O soldado arregala os olhos ao ver o kit de primeiros socorros.
- Por que você está fazendo isso? Eu vi o que você fez no campo de batalha!
- É bem simples: você me diz onde está instalado o localizador no veículo, assim poupamos tempo e em troca salvamos sua vida.
- Localizador ?
Amanda aguarda em silêncio, fitando o soldado. Temeroso, ele rapidamente volta a falar:
- Ah, sim, sim! O localizador! Está embaixo do último eixo; é uma caixa prateada com uma luzinha verde, não tem como errar.
- E é a senha ? - inquere Amanda.
- Cinco três nove, dois sete quatro, oito seis um - o militar responde.
- Ótimo - ela se vira para Davi. - Vampiro, me ajude a sentá-lo para que eu possa tratar o ferimento.
- Como você sabia que tem uma senha no localizador? - pergunta o biohacker.
- Eu não sabia, apenas deduzi.
- Me agradeça, rapaz, eu acabei de salvar suas vidas - responde o soldado, ao que Davi dá de ombros.
Três dias depois.
O pequeno blindado cruza o gigantesco planalto em alta velocidade, passando por pequenas árvores tortas e sem folhas. Pelo caminho existem algumas poucas estruturas em ruínas, restos de máquinas e grandes cilindros enferrujados, ecos de um passado não tão distante. Amanda vai ao volante, enquanto Davi, no banco do carona, observa um mapa que eles encontraram no porta-luvas.
- Tem uma coisa estranha aqui, e acho que estamos nos aproximando dela.
- Como assim, estranha?
- É um retângulo, como os outros que representam as cidades em ruínas que passamos, só que esse é vermelho.
- Deixe-me ver.
Davi mostra o mapa para Amanda que, no mesmo instante, acessa com dificuldade seus bancos de memória e obtém o mapa obtido do Datacrys, então os compara.
- Realmente é muito estranho. Essa marcação não aparece no mapa digital. E pior: a cinco quilômetros atrás passamos por uma cidade em ruínas, que está presente em ambos os mapas, porém depois dela já deveríamos estar vendo um pequeno monte, Pedra do Camelo - Amanda dá uma pausa -, a entrada para o abrigo fica na encosta desse monte.
- O quê? Pedra do Camelo? Cara, se existia alguma coisa assim por aqui pode apostar que foi dinamitada, e a porra do abrigo foi junto, ou seja, estamos ferrados!
Amanda fica em silêncio, os olhos fixos na rota. Davi passa a mão pelo rosto removendo o suor.
- Vamos morrer aqui, Amanda, vamos morrer no meio desse fim de mundo!
- Não temos opção. Devemos continuar seguindo o mapa, continuar até o ponto vermelho. Talvez ele seja o abrigo.
- Ou talvez seja outra cidade em ruínas, e está em vermelho porque deve ter algo perigoso por lá. Radiação, mutantes, canibais... vai saber. Está percebendo? De qualquer jeito estamos ferrados!
- Bem, em todo caso você terá o veículo e o mapa, talvez encontre encontre um povoado. Não se preocupe, antes de morrer lhe passo a localização exata do abrigo, e a senha.
Subitamente Davi fica em silêncio. Ele olha para Amanda, reparando no rosto chamuscado dela.
- Quanto tempo você ainda tem?
- No máximo, dois dias e meio, talvez três.
Ele não sabe o que dizer. Observa por alguns segundos a paisagem desolada, areia a perder de vista.
- Eu lamento, mesmo.
- Não. Você não tem do que se lamentar.
- É claro que tenho!
- Não seja cínico.
- O quê? Como você consegue ser assim?
- Assim como?
- Indiferente a tudo! Até a sua própria morte!
Amanda permanece quieta, Davi, exaltado, continua:
- Você passou sua vida inteira fazendo o serviço sujo para os dono do mundo, e agora vai terminar aqui, no meio do nada! Foi abandonada por eles, né? Quando não precisaram mais de você te descartaram como uma máquina defeituosa, como uma droga de uma geladeira velha!
Amanda não responde.
- Então você simplesmente aceita que vai morrer nesse lugar desgraçado?
- Por que você se importa?
Davi congela. Ele busca uma resposta em sua mente e, perplexo, não encontra nada. Então, perplexo, se dá conta de sua reação. Abre a boca pronto para falar alguma coisa, mas nenhuma palavra se forma.
O motor range fazendo o blindado acelerar. Um jato de fumaça negra explode pelo escapamento.
Dois dias depois.
O veículo começa a desacelerar. O som da borracha contra o chão de cascalho vai ganhando espaço frente ao ruído moribundo do motor. Um grupo de quatro homens armados, envoltos em mantos marrons das cabeça aos pés, observa com atenção os últimos movimentos do pequeno blindado diante deles. Os encapuzados movem-se cercando o veículo, o que deixa Davi apreensivo; rapidamente ele pega sua arma e a destrava.
- Eu sabia! Eu sabia que ia dar merda! Por que você parou? Passe por cima deles!
Davi começa a levantar sua pequena metralhadora afim de fazer mira, mas é impedido por Amanda, que toca em seu braço forçando-o a abaixar a arma.
- Ei! O que você tá fazendo !?
- Controle-se, Vampiro. Eles estão com as armas abaixadas, faça o mesmo. Poderiam ter atirado em nós, mas não o fizeram. O morro deveria estar bem na nossa frente, mas não há nada, é tudo muito estranho e eu quero obter respostas.
Relutante, o biohacker obedece, mas logo fica novamente apreensivo ao ver que um dos quatro está se aproximando pelo seu lado, enquanto os outros, mais afastados, ajustam as armas.
Passo após passo o estranho fica mais parto, até que para a menos de dois metros da porta de Davi e abaixa o capuz, revelando uma máscara que lhe envolve nariz e boca, porém, seus olhos estão bem visíveis, são pequenos e acinzentados. O sujeito levanta os braços, a arma balança pendurada pela bandoleira, ele aponta para a porta e faz um gesto, indicando para os tripulantes saírem do veículo.
- Obedeça! - sussurra Amanda. - E pareça triste, você precisa parecer extremamente triste, entendeu? Deixe o resto comigo.
- Espero que você tenha um bom plano.
- Vá logo! Vou sair pelo outro lado.
De pé, Devi fecha a porta encarando o homem mascarado, esforçando-se para parecer o mais desolado possível. Amanda dá a volta pela frente do blindado, estudando o estranho, olhando de soslaio para seus companheiros. Ela nota que as armas deles, apesar de grandes como fuzis de atirador, parecem ser feitas de madeira.
Amanda e Davi estão lado a lado, bem diante do mascarado. Finalmente ele abaixa os braços. Uma voz sintetizada, meio robótica, meio humana, sai de sua máscara em um tom cordial:
- Faz muito tempo que não recebemos granitenses por aqui. Soubemos por alto o que aconteceu por lá. Suponho que vocês sejam militares, outros também conseguiram sair de Nova Esperança? Estão vindo para cá?
Amanda analisa cada palavra, procurando decifrar o que a voz do mascarado pode esconder. Mas seus processadores neurais estão trabalhando abaixo da capacidade, e ela tem que usar a parte biológica de seu cérebro. Decide então que precisa ganhar tempo.
- Sinceramente, eu não sei - ela responde, a voz arrastada. - Estávamos na muralha quando tudo começou, e foi muito rápido. Corremos para nos juntar ao resto dos soldados mas era tarde , os invasores nos derrotaram em um piscar de olhos. Então recebemos ordens para ajudar os civis a fugir da cidade, tentar chegar a um dos abrigos nas proximidades.
- E o que aconteceu?
- Conseguimos montar um pequeno comboio, mas os abrigos também foram atacados, então seguimos para longe, buscando um lugar seguro onde poderíamos nos reagrupar e planejar os próximos passos. Mas no meio da estrada fomos interceptados por uma facção de expurgados. Na confusão, o comboio foi forçado a se separar. Lutamos muito para escapar, e acabamos perdendo o sinal de rádio , por sorte, conseguimos chegar até aqui.
Os olhos cinzentos estudam Amanda por alguns segundos, criando um silêncio incômodo.
- Entendo. Mas afinal, quem atacou vocês?
- Não sabemos. Como eu disse, foi tudo muito rápido. Mas pelo poder de fogo demostrado, não são... - ela geme, tocando na perna que volta a latejar forte - ... não são da Terra Maldita.
O mascarado dá de ombros, aproxima-se do veículo e o escrutina. Observa com atenção as marcas de bala ao longo da blindagem, toca em cada uma delas com cuidado, analisando as ranhuras. Por fim, volta-se para Davi.
- Qual a sua patente?
O biohacker começa a tremer. Amanda olha para ele com uma expressão de seriedade, o que o força a se recompor.
- Sou oficial de comunicações, cabo Yagami.
- E você? - volta-se para Amanda.
- Sargento Fernandes, segunda divisão de Infantaria.
Novamente o homem os observa por mais alguns segundos. Os olhos inquietos, piscando incessantemente, como se por trás deles uma tempestade estivesse se formando.
- E se me permite, senhor, quem é você? - pergunta Davi, nervoso.
O mascarado ergue uma sobrancelha. Amanda arregala os olhos.
- Anteros Castelo, general de Delta - responde sinalizando para os encapuzados.
Em segundos os homens avançam com suas armas em riste, rapidamente fechando um círculo ao redor dos forasteiros e forçando-os a ficar de joelhos. Davi se desespera, recusando-se, mas é brutalmente empurrado.
- Boa tentativa, Fernandes, ou seja lá quem você for - diz Anteros.
- Espere, por favor! Eu confesso: não somos granitenses, somos viajantes! Estávamos de passagem por Nova Esperança quando tudo aconteceu, nossa única chance de escapar foi roubando esse veículo - ela diz .
- É claro que não são granitenses, moça! Se fossem, jamais se aproximariam de Delta, e saberiam muito bem quem é Anteros Castelo - zomba um dos encapuzados, a voz sintética meio máquina, meio gente.
- Aposto que vocês sabem de muito mais, e vão nos contar tudo. Precisamos saber em detalhes o que aconteceu em Nova Esperança. Agora, saibam que só estão vivos porque quero interrogá-los. Mas não se preocupem, se colaborarem, terão um julgamento justo.
- Senhor, só queremos chegar até o abrigo, que deveria estar aqui - grita Davi. - Não infringimos nenhuma de suas leis! Não podemos ser julgados por crimes que não cometemos!
- Vocês entraram no território protegido da Comunidade Deltiana - responde Anteros. - Um crime passível de execução. Agora Chega, vamos levá-los em custódia. Homens, ajudem ela a se levantar, e revistem os dois.
O cogumelo de fogo começa a se transformar em fumaça, elevando-se a mais de dez metros do chão. Ao longe, Davi para de andar para observar os momentos finais da explosão onde antes estava o blindado; ele lamenta, pois agora não existe mais possibilidade de fuga.
- Vamos, mova-se! - grita um encapuzado.
O grupo segue para o norte. Por todos os lados existe apenas o planalto sem fim, sem plantas, sem ruínas, sem vegetação rasteira. Anteros vai à frente, ditando o ritmo. Atrás dele, Davi é escoltado por um guarda, e mais atrás segue Amanda, amparada pelos outros dois encapuzados. O sol forte começa a castigar os forasteiros, mas devido a suas vestes, os captores permanecem ilesos.
- Por favor, por acaso vocês teriam água? - diz Davi.
Ninguém responde, e Anteros aperta o passo, acelerando o ritmo da caminhada. Contudo, os dois homens que carregam Amanda começam a ter dificuldades, não conseguindo acompanhar o líder.
- Comandante! - grita um dos encapuzados.- É muito estranho, senhor, parece que ela ficou mais pesada, parece que é feita de ferro!
- Exatamente! Nunca vi algo assim - complementa o outro.
Anteros aproxima-se dos três, ficando diante de Amanda. Repara que ela é alta, talvez da mesma altura que ele, e que a cabeça está caída contra o peito, o rosto escondido atrás do capuz.
- Pode ser um truque, mas parece que ela desmaiou. Coloquem-na deitada - ordena.
Os homens obedecem com alguma dificuldade. De longe, Davi observa com apreensão.
Anteros remove o capuz de Amanda e surpreende-se ao ver o corte na testa dela, que revela em meio a pele chamuscada algumas partes brilhantes, claramente artificiais. Então ele passa as mãos pela cabeça dela, afastando tufos de cabelo e encontrando a superfície à mostra do cérebro positrônico.
- Não pode ser! - diz Anteros, que saca um facão e faz Davi se desesperar.
Com um golpe rápido, o mascarado corta o tecido do manto que Amanda está usando, exibindo o tórax dela repleto de placas de metal e partes cibernéticas à mostra.
- Minha nossa! - assusta-se o homem ao lado de Davi. Os outros dois ajoelham-se, juntam as palmas das mãos acima das cabeças e começam a pronunciar palavras em um dialeto desconhecido.
- Seu desgraçado, tire as mãos dela! - grita Davi, que tenta correr até o líder mascarado mas é detido pelo guarda atrás dele.
Com um impulso Anteros se levanta, os olhos inquietos. Ele guarda o facão e leva as duas mãos à cabeça. - Isso é impossível! Não, não pode ser! - repete para si mesmo. Após vários minutos, ele diz em voz alta:
- Controle de Delta, solicito suporte aéreo imediato. Código Vermelho.
Segundos depois, ao norte distante deles e sobre o imenso planalto sem fim, um retângulo de luz começa a tomar forma no meio do ar, flutuando a poucos metros acima do solo morto. Ele se expande para todos os lados, ficando duas, quatro, oito vezes maior e emitindo um som agudo e pulsante, atraindo a atenção de todos. No chão, Davi não acredita em seus olhos: dentro do retângulo é possível ver uma imensa floresta, e depois dela, uma cidade de torres de vidro, torres verdes como esmeraldas erguendo-se na encosta de uma pequena montanha rochosa.
- A Pedra do Camelo - diz Davi, incrédulo.
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Engenharia Reversa
Parte XLI - O Marechal
O capitão Daniel está apreensivo, ele segue os passos da tenente Soraya. Ambos estão em um impressionante jardim a céu aberto, andando por uma trilha em linha reta formado por paralelepípedos vermelhos. Ao redor, pequenas árvores alaranjadas e flores em tons de roxo formam uma paisagem exótica. Fileiras de soldados em trajes bufantes ladeiam o caminho. Atrás deles, a nave de transporte levanta voo, fazendo Daniel olhar rapidamente de soslaio, insatisfeito. A frente, a trilha termina em uma pirâmide de vidro dourado. Não muito grande, ela possui uma porta que está fechada e é vigiada por dois guardas. A medida em que chegam mais perto, a porta começa a se abrir revelando o interior da pirâmide. Lá dentro, Daniel pode ver um elevador de paredes transparentes.
- Não me lembro desse lugar - diz o capitão.
- Claro que não. Aquela coisa antiga, a Explanada dos Ministérios, foi derrubada por ordem do Marechal. No lugar dela erguemos isso aqui - ela aponta para os lados -, o Complexo Governamental. Estamos no jardim da cobertura, não é lindo?
Soraya sorri, então pressiona um botão, imediatamente a porta se fecha e o elevador começa a se mover. Eles descem por alguns segundos, parando no andar de número cento e cinquenta. A porta se abre. Daniel vê um amplo salão. Paredes de vidro e pilares de metal, escadas em caracol e centenas de funcionários andando apressadamente. Pequenos drones voam de um lado para outro e soldados com olhos atentos observam a tudo em passarelas instaladas nos pilares.
- Vamos, capitão. Seja muito bem-vindo ao Departamento de Estado. Me acompanhe.
Daniel segue os passos da tenente e, assim que os dois saem do elevador, alguns funcionários reconhecem o capitão, apontando para ele. Rapidamente, uma multidão se aglomera ao redor de Soraya e Daniel. Soldados surgem de portas laterais, afastando a multidão e dando passagem. Gritos de obrigado e "Salve o capitão" ecoam pelo salão.
Então Daniel vê que existem muitos telões espalhados pelo lugar, presos nas pilastras, e em todos eles sua imagem atual, de cabelo cortado, o rosto limpo sem a barba, e vestido com o uniforme de oficial, é exibida em alternância com as palavras Patriota, Salvador e Herói.
- É melhor nos apressarmos ou não conseguiremos sair daqui - grita Soraya.
Escoltados pelos soldados, eles entram em uma porta lateral que dá para um largo corredor. As pessoas abrem espaço ao ver o capitão; sorrisos de agradecimento estampam os rostos de homens e mulheres. Daniel tenta retribuir, sorrindo de volta, mas, por dentro, seu sangue ferve.
Rapidamente eles chegam ao final do corredor. Dois soldados imensos vigiam uma grande porta de ferro. Um brasão com duas espadas cruzadas, formando um x sobre um círculo, está cravado na porta. Daniel repara nos soldados, que parece ter mais de dois metros de altura e estão trajados em armaduras verde-oliva de aspecto ameaçador. O mesmo brasão da porta está pintando no peito de cada armadura, em cores brancas. Daniel não consegue tirar os olhos dos brutamontes, pensando em como poderia neutralizá-los em um combate.
- São Arcanjos, soldados de elite. Melhorados geneticamente - diz Soraya olhando para Daniel.
- Geneticamente ?
- Tudo a seu tempo, capitão. Em breve vou atualizá-lo, mas agora um velho amigo o aguarda.
A grande porta de ferro se levanta, revelando o interior do gabinete do Marechal. Daniel e Soraya entram e a porta se fecha atrás deles. Diferente do resto das instalações, o gabinete possui uma decoração antiquada: cortinas grossas, móveis de madeira e um tapete vermelho. Apenas duas luminárias amarelas iluminam o lugar, deixando apenas a parte parto da porta com claridade. Daniel consegue ver alguns quadros e obras de arte decorando as paredes, e ao fundo, uma grande mesa e o vulto de um homem atras dela, porém, pequenas luzes vermelhas e azuis piscam incessantes na cabeça do homem. Ele se levanta e calmamente anda na direção dos visitantes.
Quando o Marechal entra na parte iluminada da sala, Daniel assusta-se ao ver o corpo de aço brilhante e prateado, maior do que os soldados Arcanjos, perfeito e esculpido como se fosse uma estátua clássica, uma obra de Michelangelo talvez, porém, com musculatura e envergadura sobre-humanos. A cabeça está aberta, e no lugar da face existe uma estrutura de circuitos e luzes de leds. Então, placas laterias surgem envolvendo a estrutura eletrônica por completo, formando um perfeito rosto humano, porém prateado como o resto do corpo.
- Meu grande e estimado amigo, é muito bom tê-lo de volta - diz o Marechal.
Daniel estanca, encarando o gigante em sua frente.
- Claro - o Marechal ri -, este corpo não lembra em nada o velho franzino e de barba grisalha que você conheceu. Aquele corpo morreu, meu caro, e meu cérebro foi transferido para esta obra de arte que você vê, perfeita e letal, não é magnífica ?
- Sim, Marechal, magnífica.
- Eu sabia que você iria adora. É o nosso futuro, sabe? Abandonarmos esses corpos perecíveis e nos tornarmos imortais na união com as máquinas. Em breve, todos aqui terão essa oportunidade.
- Imagino que sim, senhor - responde Daniel, sem exitar.
- Mas conte-me: como conseguiu realizar sua missão tão bem? Não vá dizer que foi sorte!
Soraya antecipa-se na resposta:
- O capitão é incrível, suas habilidades de infiltração refletiram o treinamento perfeito que o senhor deu a ele, Marechal.
Daniel olha para Soraya, concordando.
- Exatamente, senhor, não fosse o treinamento, eu não teria conseguido.
- Quanta modéstia! Eu sempre admirei isso em você.
O Marechal aproxima-se de Daniel que, perto dele, parece uma criança.
- Você foi promovido a coronel e vai assumir o cargo de chefe do Departamento de Inteligência.
- Obrigado, senhor. Sinto-me honrado.
- E como sei que odeia formalidades, o dispensei da cerimônia.
Daniel maneia a cabeça, agradecendo.
- Obrigado, senhor, fico realmente agradecido. E aproveitando a ocasião, eu gostaria de lhe pedir um favor.
- Claro! Pode falar.
- Eu gostaria de ver Bel Yagami, na verdade, tenho algo a resolver com ela.
- Algo a resolver? Que curioso. Mas não se preocupe com ela, meu amigo. Yagami está completamente sedada. Em breve, nossos cientistas chefiados pela tenente Soraya vão iniciar o processo de engenharia reversa. Vamos desmontar aquela aberração peça por peça e aprender como seu cérebro positrônico funciona. Então, se tem algo a resolver com ela, sugiro que corra; mas, por curiosidade, o que seria ?
Daniel sente seu coração acelerar. A raiva corre por suas veias. Ele respira fundo, controlando-se como pode. Em nenhum momento haviam lha dito que Bel seria destruída. Ele sabe que Soraya o está estudando, mas não consegue segurar a indignação.
- Desmontá-la? Mas, senhor, o plano não era dar asilo para a biocomputador? Para que ela pudesse nos ajudar a nos defender? Para que ela pudesse ajudar nosso povo a viver em paz e prosperar?
- Defender? Não - o Marechal sorri -, de forma alguma, meu estimado amigo, defesa não é mais uma opção, viver em paz não é mais uma opção. Desde que nós o enviamos em sua missão, meu caro, muita coisa aconteceu. A GFA expandiu seus tentáculos pela América do Sul, a Argentina, nosso aliado de longa data, cedeu à pressão e seu juntou a eles. A Resistência Andina foi esmagada, e agora Santiago virou uma cidade-estado sobre o controle dos porcos capitalistas. Nós vamos para a guerra, meu amigo, e Bel Yagami é a chave para nossa vitória.
- Vamos criar um império, coronel, vamos reconquistar a América do Sul e unificá-la - diz Soraya.
O Marechal franze a testa, encarando o coronel.
- Enfim, responda-me de uma vez: o que o senhor quer de Bel Yagami, afinal ?
Daniel expira, demonstrando preocupação. O sangue já esfriando.
- Um amigo, senhor. Um amigo que teve sua consciência transferida para o corpo de Bel.
- O quê? Por favor, explique-se melhor.
- Quando montei minha equipe em Vix, contratei um garoto das ruas, um jovem promissor, um hacker. Quando estávamos em Nova Esperança, ele foi atingido por um tiro, para salvá-lo, Yagami transferiu a consciência dele para seus bancos de memória.
O Marechal estuda Daniel durante alguns segundos, dá de ombros e então começa a andar de volta para sua mesa.
- Extraordinário! A tecnologia dessa biocomputador está a anos-luz da nossa. Veja, até o momento conseguimos apenas transplantar cérebros para corpos eletrônicos, mas uma consciência inteira? Estou maravilhado. Soraya, por favor leve o coronel até seu laboratório. Supervisione a extração e descubra como essa coisa de copiar consciências funciona, nos mínimos detalhes. Quero que me apresente um relatório e um plano de ação para termos essa tecnologia disponível o mais rápido possível. Quero que isso seja prioridade, entendeu?
Desnorteada pela revelação de Daniel, Soraya demora a responder, olhando para o coronel com surpresa.
- Sim... sim, senhor. Será feito imediatamente.
- E ache um corpo cibernético a altura para o rapaz. Agora vão, tenho muito o que fazer.
O Marechal volta para sua mesa, sentando-se em uma grande cadeira. Novamente, seu rosto se abre, revelando as luzes que agora piscam ainda mais frenéticas.
A tenente e o coronel saem do gabinete. A mente de Maestro está a mil, afinal, não era para uma guerra que ele havia aceitado a missão, não era para ver Bel feita em pedaços. Precisa escapar, precisa levar Bel e Thiago para o mais longe possível, mas ainda não sabe como.
https://www.facebook.com/engenhariareversalivro- Não me lembro desse lugar - diz o capitão.
- Claro que não. Aquela coisa antiga, a Explanada dos Ministérios, foi derrubada por ordem do Marechal. No lugar dela erguemos isso aqui - ela aponta para os lados -, o Complexo Governamental. Estamos no jardim da cobertura, não é lindo?
Soraya sorri, então pressiona um botão, imediatamente a porta se fecha e o elevador começa a se mover. Eles descem por alguns segundos, parando no andar de número cento e cinquenta. A porta se abre. Daniel vê um amplo salão. Paredes de vidro e pilares de metal, escadas em caracol e centenas de funcionários andando apressadamente. Pequenos drones voam de um lado para outro e soldados com olhos atentos observam a tudo em passarelas instaladas nos pilares.
- Vamos, capitão. Seja muito bem-vindo ao Departamento de Estado. Me acompanhe.
Daniel segue os passos da tenente e, assim que os dois saem do elevador, alguns funcionários reconhecem o capitão, apontando para ele. Rapidamente, uma multidão se aglomera ao redor de Soraya e Daniel. Soldados surgem de portas laterais, afastando a multidão e dando passagem. Gritos de obrigado e "Salve o capitão" ecoam pelo salão.
Então Daniel vê que existem muitos telões espalhados pelo lugar, presos nas pilastras, e em todos eles sua imagem atual, de cabelo cortado, o rosto limpo sem a barba, e vestido com o uniforme de oficial, é exibida em alternância com as palavras Patriota, Salvador e Herói.
- É melhor nos apressarmos ou não conseguiremos sair daqui - grita Soraya.
Escoltados pelos soldados, eles entram em uma porta lateral que dá para um largo corredor. As pessoas abrem espaço ao ver o capitão; sorrisos de agradecimento estampam os rostos de homens e mulheres. Daniel tenta retribuir, sorrindo de volta, mas, por dentro, seu sangue ferve.
Rapidamente eles chegam ao final do corredor. Dois soldados imensos vigiam uma grande porta de ferro. Um brasão com duas espadas cruzadas, formando um x sobre um círculo, está cravado na porta. Daniel repara nos soldados, que parece ter mais de dois metros de altura e estão trajados em armaduras verde-oliva de aspecto ameaçador. O mesmo brasão da porta está pintando no peito de cada armadura, em cores brancas. Daniel não consegue tirar os olhos dos brutamontes, pensando em como poderia neutralizá-los em um combate.
- São Arcanjos, soldados de elite. Melhorados geneticamente - diz Soraya olhando para Daniel.
- Geneticamente ?
- Tudo a seu tempo, capitão. Em breve vou atualizá-lo, mas agora um velho amigo o aguarda.
A grande porta de ferro se levanta, revelando o interior do gabinete do Marechal. Daniel e Soraya entram e a porta se fecha atrás deles. Diferente do resto das instalações, o gabinete possui uma decoração antiquada: cortinas grossas, móveis de madeira e um tapete vermelho. Apenas duas luminárias amarelas iluminam o lugar, deixando apenas a parte parto da porta com claridade. Daniel consegue ver alguns quadros e obras de arte decorando as paredes, e ao fundo, uma grande mesa e o vulto de um homem atras dela, porém, pequenas luzes vermelhas e azuis piscam incessantes na cabeça do homem. Ele se levanta e calmamente anda na direção dos visitantes.
Quando o Marechal entra na parte iluminada da sala, Daniel assusta-se ao ver o corpo de aço brilhante e prateado, maior do que os soldados Arcanjos, perfeito e esculpido como se fosse uma estátua clássica, uma obra de Michelangelo talvez, porém, com musculatura e envergadura sobre-humanos. A cabeça está aberta, e no lugar da face existe uma estrutura de circuitos e luzes de leds. Então, placas laterias surgem envolvendo a estrutura eletrônica por completo, formando um perfeito rosto humano, porém prateado como o resto do corpo.
- Meu grande e estimado amigo, é muito bom tê-lo de volta - diz o Marechal.
Daniel estanca, encarando o gigante em sua frente.
- Claro - o Marechal ri -, este corpo não lembra em nada o velho franzino e de barba grisalha que você conheceu. Aquele corpo morreu, meu caro, e meu cérebro foi transferido para esta obra de arte que você vê, perfeita e letal, não é magnífica ?
- Sim, Marechal, magnífica.
- Eu sabia que você iria adora. É o nosso futuro, sabe? Abandonarmos esses corpos perecíveis e nos tornarmos imortais na união com as máquinas. Em breve, todos aqui terão essa oportunidade.
- Imagino que sim, senhor - responde Daniel, sem exitar.
- Mas conte-me: como conseguiu realizar sua missão tão bem? Não vá dizer que foi sorte!
Soraya antecipa-se na resposta:
- O capitão é incrível, suas habilidades de infiltração refletiram o treinamento perfeito que o senhor deu a ele, Marechal.
Daniel olha para Soraya, concordando.
- Exatamente, senhor, não fosse o treinamento, eu não teria conseguido.
- Quanta modéstia! Eu sempre admirei isso em você.
O Marechal aproxima-se de Daniel que, perto dele, parece uma criança.
- Você foi promovido a coronel e vai assumir o cargo de chefe do Departamento de Inteligência.
- Obrigado, senhor. Sinto-me honrado.
- E como sei que odeia formalidades, o dispensei da cerimônia.
Daniel maneia a cabeça, agradecendo.
- Obrigado, senhor, fico realmente agradecido. E aproveitando a ocasião, eu gostaria de lhe pedir um favor.
- Claro! Pode falar.
- Eu gostaria de ver Bel Yagami, na verdade, tenho algo a resolver com ela.
- Algo a resolver? Que curioso. Mas não se preocupe com ela, meu amigo. Yagami está completamente sedada. Em breve, nossos cientistas chefiados pela tenente Soraya vão iniciar o processo de engenharia reversa. Vamos desmontar aquela aberração peça por peça e aprender como seu cérebro positrônico funciona. Então, se tem algo a resolver com ela, sugiro que corra; mas, por curiosidade, o que seria ?
Daniel sente seu coração acelerar. A raiva corre por suas veias. Ele respira fundo, controlando-se como pode. Em nenhum momento haviam lha dito que Bel seria destruída. Ele sabe que Soraya o está estudando, mas não consegue segurar a indignação.
- Desmontá-la? Mas, senhor, o plano não era dar asilo para a biocomputador? Para que ela pudesse nos ajudar a nos defender? Para que ela pudesse ajudar nosso povo a viver em paz e prosperar?
- Defender? Não - o Marechal sorri -, de forma alguma, meu estimado amigo, defesa não é mais uma opção, viver em paz não é mais uma opção. Desde que nós o enviamos em sua missão, meu caro, muita coisa aconteceu. A GFA expandiu seus tentáculos pela América do Sul, a Argentina, nosso aliado de longa data, cedeu à pressão e seu juntou a eles. A Resistência Andina foi esmagada, e agora Santiago virou uma cidade-estado sobre o controle dos porcos capitalistas. Nós vamos para a guerra, meu amigo, e Bel Yagami é a chave para nossa vitória.
- Vamos criar um império, coronel, vamos reconquistar a América do Sul e unificá-la - diz Soraya.
O Marechal franze a testa, encarando o coronel.
- Enfim, responda-me de uma vez: o que o senhor quer de Bel Yagami, afinal ?
Daniel expira, demonstrando preocupação. O sangue já esfriando.
- Um amigo, senhor. Um amigo que teve sua consciência transferida para o corpo de Bel.
- O quê? Por favor, explique-se melhor.
- Quando montei minha equipe em Vix, contratei um garoto das ruas, um jovem promissor, um hacker. Quando estávamos em Nova Esperança, ele foi atingido por um tiro, para salvá-lo, Yagami transferiu a consciência dele para seus bancos de memória.
O Marechal estuda Daniel durante alguns segundos, dá de ombros e então começa a andar de volta para sua mesa.
- Extraordinário! A tecnologia dessa biocomputador está a anos-luz da nossa. Veja, até o momento conseguimos apenas transplantar cérebros para corpos eletrônicos, mas uma consciência inteira? Estou maravilhado. Soraya, por favor leve o coronel até seu laboratório. Supervisione a extração e descubra como essa coisa de copiar consciências funciona, nos mínimos detalhes. Quero que me apresente um relatório e um plano de ação para termos essa tecnologia disponível o mais rápido possível. Quero que isso seja prioridade, entendeu?
Desnorteada pela revelação de Daniel, Soraya demora a responder, olhando para o coronel com surpresa.
- Sim... sim, senhor. Será feito imediatamente.
- E ache um corpo cibernético a altura para o rapaz. Agora vão, tenho muito o que fazer.
O Marechal volta para sua mesa, sentando-se em uma grande cadeira. Novamente, seu rosto se abre, revelando as luzes que agora piscam ainda mais frenéticas.
A tenente e o coronel saem do gabinete. A mente de Maestro está a mil, afinal, não era para uma guerra que ele havia aceitado a missão, não era para ver Bel feita em pedaços. Precisa escapar, precisa levar Bel e Thiago para o mais longe possível, mas ainda não sabe como.
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Engenharia Reversa
Parte XL - O Jogo Mudou
Passado o choque inicial, Davi começa a se levantar, mas sente o corpo dolorido e desaba novamente no chão. Suas roupas estão imundas, bem como sua pele e cabelos, saturados por um pó acinzentado. Tenta limpar o rosto com as mãos, levantando no ar uma pequena nuvem de poeira, que logo lhe invade as narinas e a boca, ele tosse, sentindo a garganta seca e dolorida, percebe, então, que está morrendo de sede.
Amanda o ignora. Ela continua com o cristal de dados nas mãos, observando minuciosamente o dispositivo.
Após tossir mais algumas vezes, Davi finalmente consegue sentar-se. Lembra-se dos últimos eventos: Maestro apontando a arma para eles, o estrondo, e a muralha caindo sobre ele e sobre Bel. Olha ao redor e reconhece o lugar, ainda está no Ninho do Gavião, mas a imponente fortaleza foi reduzida a um amontoado de pedras e metal. O que realmente aconteceu? Onde está Bel? E Maestro? E por que Amanda não o matou e não está usando armadura?
A cabeça de Davi volta a latejar, ele fecha os olhos e esfrega a testa, tentando fazer a dor passar. Abre os olhos e foca em Amanda, que agora o está encarando. Ele se assusta, afastando-se rente ao chão e sem tirar os olhos da inimiga. Então a observa melhor, notando que ela tem muitas avarias e machucados nos braços e pernas. Suas partes cromadas estão chamuscadas, o cabelo, cortado curto, também está impregnado com o mesmo pó cinzento. Ela veste apenas uma espécie de collant, rasgado em várias partes, e está descalça. Não lembra, nem de longe, a ciborgue letal que os caçou ferozmente desde Vix, porém, continua com mesma expressão ameaçadora de antes. Davi se recorda que o pátio estava cheio de soldados, e eles tinham muitas armas. Olha ao redor, mas nem sinal de corpos ou de alguma arma. Olha para trás, calculando o quanto vai precisar correr para escapar de Amanda.
- Não precisa fugir, Vampiro. Não tenho motivos para lhe fazer mal, mas se tentar algo contra mim, não vou hesitar em neutralizá-lo.
Surpreso, Davi arregala os olhos.
- Co-como assim, não vai me fazer mal?
- Minha missão acabou, e como pode ver, fui descartada pela VNR.
Todos os eventos que aconteceram até aquele momento voltam a mente de Davi. A perseguição em Vix, o Templo, a fuga pelo deserto. Amanda sempre estava lá, implacável, uma máquina assassina que só iria parar quando capturasse Bel. É difícil acreditar que ela simplesmente desistiu. Ele olha para cada detalhe do corpo da ciborgue, tentando entender.
- O que aconteceu com você? Foi ... foi aquela explosão?
- Sim. Mas isso é passado, não é relevante.
- Mas você desistiu de nos matar? Desistiu de capturar Bel? Eu não entendo...
- Vou repetir, Vampiro, minha missão acabou. Para seu registro, fui traída pela VNR e eles pagaram muito caro por isso.
- A explosão? Foi você?
- Isso não é relevante. Escute. O cristal contém as coordenadas, as senhas e os esquemas de engenharia de uma base secreta. Não sei como você o conseguiu, mas é nossa única esperança de sobrevivência.
"Ela conseguiu acessar os dados, eu contava com a Bel para isso, mas o que ele quer dizer com..."
- Nossa sobrevivência? Você pretende me levar junto? Não vou sair daqui sem antes encontrar Bel, o que você fez com ela?
Amanda franze a testa, irritada. Após alguns segundos, ela respira fundo e volta a falar:
- Captei o sinal do seu Datacrys. Rastreei o sinal até aqui e, quando estava me aproximando, uma nave saiu das nuvens e aterrissou. Muitos soldados, fortemente armados, eu não teria chance contra eles, não nesse estado em que estou. Os homens tiraram você e Bel dos escombros. O terrorista estava no meio do pátio, não foi atingido pela muralha, mas estava desmaiado e não pude ver se ainda respirava. Os soldados levaram os dois para a nave, e deixaram você em meio aos escombros. Por sorte, não te revistaram.
Davi começa a respirar de maneira ofegante, seu rosto se fecha, externalizando raiva. "Desgraçados, filhos da puta, traidores! Como puderam me deixar aqui nesse inferno!"
- Entendo sua ira. Como vê, estamos na mesma situação. O jogo mudou, mas ainda estamos jogando.
- Eu... eu tinha um contrato! Porra, eu tinha um maldito contrato!
- Agora, você só tem a mim.
Davi olha para Amanda de maneira perplexa.
- O que você quer dizer com isso? Eu jamais imaginei que um dia teríamos uma conversa dessas...Você enlouqueceu? E aqueles, aqueles porcos me traíram, Maestro, aquele filho da puta...
- Vampiro, escute: temos que cruzar a cidade e chagar até a garagem. Captei fontes de energia por lá, há boas chances de ainda existirem veículos funcionando. Temos que chegar até a garagem o mais rápido possível. Porém, minhas células de energia foram danificadas e estão no fim, e sem elas minhas partes cibernéticas vão parar de funcionar. Terei apenas algumas horas de vida. Se eu morrer, sua única chance de chegar ao abrigo morre também.
Davi respira ofegante, tenta recuperar a calma, então, após processar as palavras de Amanda, volta a falar:
- Ok. Mas o que eu posso fazer? Onde você vai conseguir células de energia do seu tipo? Isso aqui já era um inferno, e agora é um inferno em ruínas!
- Acalma-se. A minha nave, o Fantasma, possui uma carga de peças de reposição. Infelizmente ela foi derrubada pelo exército de Nova Esperança, porém, os contêineres de carga são extremamente resistentes, e devem estar intactos. A nave caiu nas proximidades da garagem. Vai ser nossa primeira parada.
- De novo: E eu? Onde eu entro nisso?
- Você terá que substituir as células. Não posso fazer isso sozinha. Em troca, protegerei você até chegarmos ao abrigo. Lá poderemos descansar. De acordo com os esquemas, existe uma antena de comunicação bem potente. Talvez possamos adaptá-la e pedir ajuda. Talvez você possa voltar para Vix ou outro lugar civilizado, mas primeiro precisamos chegar ao abrigo, e para isso precisamos de um veículo e de minhas células de energia. Como pode ver, você só tem uma escolha.
Davi respira fundo, processando as palavras de Amanda. Tenta pensar em alguma outra possibilidade, desconfiado dos planos da ciborgue, mas chega a conclusão de que ela está certa. Enfim, ele começa a se levantar, sentindo a perna doer.
- Eu preciso de água. Como você faz? Não sente sede?
Amanda se coloca de pé rapidamente. As engrenagens nas pernas dela produzem um som arranhado, como se as peças estivessem enferrujadas. Davi repara que , mesmo descalça, ela é bem mais alta do que ele, talvez mais de um palmo de diferença.
- Vamos, temos um longo caminho pela frente. Entre o Ninho do Gavião e Nova Esperança existe um campo de batalha e, com sorte, vamos encontrar armas, roupas e talvez comida por lá, temos que procurar nos blindados que resistiram à explosão, são poucos, mas creio que vamos dar sorte.
- Se você diz - responde Davi desconfiado. Ele começa a seguir Amanda.
https://www.facebook.com/engenhariareversalivroAmanda o ignora. Ela continua com o cristal de dados nas mãos, observando minuciosamente o dispositivo.
Após tossir mais algumas vezes, Davi finalmente consegue sentar-se. Lembra-se dos últimos eventos: Maestro apontando a arma para eles, o estrondo, e a muralha caindo sobre ele e sobre Bel. Olha ao redor e reconhece o lugar, ainda está no Ninho do Gavião, mas a imponente fortaleza foi reduzida a um amontoado de pedras e metal. O que realmente aconteceu? Onde está Bel? E Maestro? E por que Amanda não o matou e não está usando armadura?
A cabeça de Davi volta a latejar, ele fecha os olhos e esfrega a testa, tentando fazer a dor passar. Abre os olhos e foca em Amanda, que agora o está encarando. Ele se assusta, afastando-se rente ao chão e sem tirar os olhos da inimiga. Então a observa melhor, notando que ela tem muitas avarias e machucados nos braços e pernas. Suas partes cromadas estão chamuscadas, o cabelo, cortado curto, também está impregnado com o mesmo pó cinzento. Ela veste apenas uma espécie de collant, rasgado em várias partes, e está descalça. Não lembra, nem de longe, a ciborgue letal que os caçou ferozmente desde Vix, porém, continua com mesma expressão ameaçadora de antes. Davi se recorda que o pátio estava cheio de soldados, e eles tinham muitas armas. Olha ao redor, mas nem sinal de corpos ou de alguma arma. Olha para trás, calculando o quanto vai precisar correr para escapar de Amanda.
- Não precisa fugir, Vampiro. Não tenho motivos para lhe fazer mal, mas se tentar algo contra mim, não vou hesitar em neutralizá-lo.
Surpreso, Davi arregala os olhos.
- Co-como assim, não vai me fazer mal?
- Minha missão acabou, e como pode ver, fui descartada pela VNR.
Todos os eventos que aconteceram até aquele momento voltam a mente de Davi. A perseguição em Vix, o Templo, a fuga pelo deserto. Amanda sempre estava lá, implacável, uma máquina assassina que só iria parar quando capturasse Bel. É difícil acreditar que ela simplesmente desistiu. Ele olha para cada detalhe do corpo da ciborgue, tentando entender.
- O que aconteceu com você? Foi ... foi aquela explosão?
- Sim. Mas isso é passado, não é relevante.
- Mas você desistiu de nos matar? Desistiu de capturar Bel? Eu não entendo...
- Vou repetir, Vampiro, minha missão acabou. Para seu registro, fui traída pela VNR e eles pagaram muito caro por isso.
- A explosão? Foi você?
- Isso não é relevante. Escute. O cristal contém as coordenadas, as senhas e os esquemas de engenharia de uma base secreta. Não sei como você o conseguiu, mas é nossa única esperança de sobrevivência.
"Ela conseguiu acessar os dados, eu contava com a Bel para isso, mas o que ele quer dizer com..."
- Nossa sobrevivência? Você pretende me levar junto? Não vou sair daqui sem antes encontrar Bel, o que você fez com ela?
Amanda franze a testa, irritada. Após alguns segundos, ela respira fundo e volta a falar:
- Captei o sinal do seu Datacrys. Rastreei o sinal até aqui e, quando estava me aproximando, uma nave saiu das nuvens e aterrissou. Muitos soldados, fortemente armados, eu não teria chance contra eles, não nesse estado em que estou. Os homens tiraram você e Bel dos escombros. O terrorista estava no meio do pátio, não foi atingido pela muralha, mas estava desmaiado e não pude ver se ainda respirava. Os soldados levaram os dois para a nave, e deixaram você em meio aos escombros. Por sorte, não te revistaram.
Davi começa a respirar de maneira ofegante, seu rosto se fecha, externalizando raiva. "Desgraçados, filhos da puta, traidores! Como puderam me deixar aqui nesse inferno!"
- Entendo sua ira. Como vê, estamos na mesma situação. O jogo mudou, mas ainda estamos jogando.
- Eu... eu tinha um contrato! Porra, eu tinha um maldito contrato!
- Agora, você só tem a mim.
Davi olha para Amanda de maneira perplexa.
- O que você quer dizer com isso? Eu jamais imaginei que um dia teríamos uma conversa dessas...Você enlouqueceu? E aqueles, aqueles porcos me traíram, Maestro, aquele filho da puta...
- Vampiro, escute: temos que cruzar a cidade e chagar até a garagem. Captei fontes de energia por lá, há boas chances de ainda existirem veículos funcionando. Temos que chegar até a garagem o mais rápido possível. Porém, minhas células de energia foram danificadas e estão no fim, e sem elas minhas partes cibernéticas vão parar de funcionar. Terei apenas algumas horas de vida. Se eu morrer, sua única chance de chegar ao abrigo morre também.
Davi respira ofegante, tenta recuperar a calma, então, após processar as palavras de Amanda, volta a falar:
- Ok. Mas o que eu posso fazer? Onde você vai conseguir células de energia do seu tipo? Isso aqui já era um inferno, e agora é um inferno em ruínas!
- Acalma-se. A minha nave, o Fantasma, possui uma carga de peças de reposição. Infelizmente ela foi derrubada pelo exército de Nova Esperança, porém, os contêineres de carga são extremamente resistentes, e devem estar intactos. A nave caiu nas proximidades da garagem. Vai ser nossa primeira parada.
- De novo: E eu? Onde eu entro nisso?
- Você terá que substituir as células. Não posso fazer isso sozinha. Em troca, protegerei você até chegarmos ao abrigo. Lá poderemos descansar. De acordo com os esquemas, existe uma antena de comunicação bem potente. Talvez possamos adaptá-la e pedir ajuda. Talvez você possa voltar para Vix ou outro lugar civilizado, mas primeiro precisamos chegar ao abrigo, e para isso precisamos de um veículo e de minhas células de energia. Como pode ver, você só tem uma escolha.
Davi respira fundo, processando as palavras de Amanda. Tenta pensar em alguma outra possibilidade, desconfiado dos planos da ciborgue, mas chega a conclusão de que ela está certa. Enfim, ele começa a se levantar, sentindo a perna doer.
- Eu preciso de água. Como você faz? Não sente sede?
Amanda se coloca de pé rapidamente. As engrenagens nas pernas dela produzem um som arranhado, como se as peças estivessem enferrujadas. Davi repara que , mesmo descalça, ela é bem mais alta do que ele, talvez mais de um palmo de diferença.
- Vamos, temos um longo caminho pela frente. Entre o Ninho do Gavião e Nova Esperança existe um campo de batalha e, com sorte, vamos encontrar armas, roupas e talvez comida por lá, temos que procurar nos blindados que resistiram à explosão, são poucos, mas creio que vamos dar sorte.
- Se você diz - responde Davi desconfiado. Ele começa a seguir Amanda.
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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.
Engenharia Reversa
Parte XXXIX - Vulcões de Ferro
Maestro acorda subitamente. Com um espasmo, ele se levanta assustado. Olha ao redor, reconhecendo, apesar do tempo, que está em um dos quartos do Hospital dos Oficiais, em Brasília. Sente um desconforto no peito ao ver os eletrodos. Suas pernas estão cheias de ataduras, e um conjunto de agulhas bombeia criogel para seu braço esquerdo. Lembra-se da explosão, das chamas que o atingiram, e de Bel. Provavelmente, agora ela já estaria nas mãos do governo. Seu coração acelera.
De repente, o monitor ambulatorial ligado ao corpo de Maestro dispara, emitindo bips estridentes. Em um instante, um punhado de enfermeiros e médicos invade o quarto.
- Capitão Daniel! - diz surpreso o médico chefe.
O capitão olha seriamente para o médico e começa a remover os eletrodos do peito. Duas enfermeiras correm para ajudá-lo.
- Tire-me daqui, doutor. Quero ver Bel Yagami imediatamente.
- Mas o senhor ainda não está cem por cento curado, capitão. Seria prudente esperar mais algumas horas até que o criogel possa cicatrizar por completo suas queimaduras.
- Eu disse agora.
Intimidado, o médico obedece, ordenando para alguns enfermeiros removerem os eletrodos e as agulhas.
Então, um pequeno grupo de militares entra no quarto. Eles não conseguem esconder a admiração ao encontrar Maestro.
- Capitão Daniel, é uma honra estar em sua presença, temos uma dívida imensa para com o senhor. E fico muito feliz em vê-lo plenamente recuperado - diz a oficial de mais alta patente.
Maestro fica confuso. Vê a patente de tenente no uniforme dela, mas não a reconhece.
- Onde está o tenente Gabriel? Pelo que me recordo, ele era o oficial em comando no Grupamento Tático Um.
A militar abre um sorriso amarelo:
- Muito prazer, sou a tenente Soraya. Gabriel está infiltrado na República de São Paulo, em missão de coleta de informações. Eu assumi o comando do GT1. Capitão, o senhor passou muito tempo fora, e como vai perceber, muita coisa mudou por aqui.
Maestro desvia o olhar para o chão, pensativo.
- Está certo, tenente. Mas agora eu preciso ver Bel Yagami. Ela carrega em seu sistema a consciência de um grande amigo meu.
Surpresos, todos no quarto olham para Maestro sem entender o que ele acabara de dizer.
- Como assim, a consciência? E você não deveria fazer amigos em sua missão, capitão - questiona Soraya.
- Passei dez anos vivendo em uma cidade-estado corporativa, tive que construir uma equipe e depois uma organização. Não se faz isso sem encontrar pessoas confiáveis, e pessoas confiáveis tem mais chances de se tornarem amigos. Não se preocupe, tenente, Thiago não é um agente corporado.
A tenente fica sem resposta. Todos no quarto olham para ela, esperando por suas palavras. Então, ela cede:
- Entendo perfeitamente, capitão, e vou sim levá-lo até ela, mas antes o Marechal o aguarda. Tome um banho, prepare-se e vista seu uniforme. Vamos esperar lá fora.
Daniel se sente estranho. Olha para o espelho e não se reconhece. Seu rastafári fora cortado, assim como sua barba. Agora tinha os cabelos muito curtos e vestia o uniforme das Forças Especiais Brasilianas. O rosto liso revelando as marcas da idade, mas era uma pessoa completamente diferente. Ao menos por fora, o armador conhecido como Maestro havia morrido.
- Senhor, está pronto? - um praça o questiona, aproximando-se da porta do banheiro.
Daniel vira-se para ele e confirma com a cabeça.
Os dois saem do quarto, dando de cara com uma recepção de médicos, enfermeiros e militares. Todos começam a aplaudir Daniel calorosamente. Soraya gesticula, pedindo que ele a siga.
- Você está muito melhor assim - ela elogia ao ver o novo visual do capitão.
Escoltados por muitos soldados, eles passam por vários corredores. Mais saudações e aplausos. Muitos param o capitão para abraça-lo.
Daniel e Soraya pegam um elevador deixando a escolta para trás. Chegam até um alto andar do hospital e caminham até a saída, chegando a uma passarela a céu aberto. No final da passarela Daniel pode ver um aeródromo e uma pequena nave pousada. Ele sente o ar abafado e olha para cima, assustando-se com o tom cobreado dos céus de Brasília, repleto de nuvens que deixam o dia escurecido.
- Por que o céu está dessa cor? O que aconteceu?
- Ah, não se preocupe, são apenas as forjas. Um pequeno preço a se pagar pelo bem maior.
- Forjas? Você quer dizer fábricas? As fábricas ficavam na Zona Industrial bem longe daqui, no Vale de São Patrício pelo que me recordo. Não deveriam existir fábricas no meio da cidade!
Soraya ri, divertida.
- Lembra que eu disse que muita coisa mudou por aqui? Pois é, nos últimos anos o Marechal colocou em prática o Plano Quinquenal, que estabelece como prioridade a reindustrialização do país. Por isso foram construídas novas fábricas em praticamente todo o território nacional e, graças a elas, somos a maior potência industrial do continente.
- Não é possível! Esse plano havia sido reprovado pelo Senado! Eu me lembro da votação! E como assim o Marechal colocou o plano em prática? O Marechal é o líder das Forças Armadas, ele não é um político!
Soraya o encara com seriedade.
- Capitão, o Marechal desmontou o parlamento a oito anos atrás, dois anos depois de sua partida.
Daniel estanca. Desvia o olhos de Soraya e observa a cidade: prédios cinzentos gigantescos por todos os lados, ruas entupidas de pessoas lembrando um grande formigueiro. Ao sul, norte, leste e oeste ele vê construções colossais que lembram pirâmides, expelindo para a atmosfera assustadoras colunas de fumaça de seus cumes, como se fossem vulcões de ferro em erupção. A cena é perturbadora para Daniel, pois sua mente teima em lembrar-lhe do céu azul sem fim e dos grandes parques que embelezavam a capital do Brasil. Porém, os eventos políticos que o abalam ainda mais.
- O que você quer dizer com desmontou o parlamento? Isso aqui era uma democracia!
- Capitão, a democracia é uma ilusão - ela segura nos ombros dele. - Burocratas e políticos só atrapalham. Desde que o Marechal assumiu o poder, nosso país finalmente voltou a crescer. A democracia foi implantada quando o general Guedes morreu, anos depois da final da maldita revolução, e teve lá seus méritos, mas ela atrasava nosso desenvolvimento. Como você pode ver, com o regime do Marechal nossa indústria produz dia e noite, incansável!
Irritado, Daniel segura um braço de Soraya, puxando-a para perto.
- Um golpe? Você está me dizendo que o Marechal deu um golpe e o Exército o apoiou?
- Solte-me! - ela puxa o braço de volta. - Não diga uma blasfêmia dessas! Você não estava aqui, não tinha a menor ideia das tragédias que o primeiro ministro estava fazendo. Desmilitarizou a polícia, reduziu o orçamento militar, cogitou uma reaproximação com a República Fluminense e os outros países rebeldes, e queria firmar acordos com a GFA! Entende? Jamais teríamos o Brasil de volta se dependesse daquele maldito parlamento!
Daniel fica desesperado, e nota que Soraya o está estudando. Ele franze a testa, fechando o rosto para impedir que suas emoções se externalizem. Rapidamente se lembra do passado, de como o Marechal o enviara para Vitória assegurando-lhe que a missão fora aprovada pelo parlamento. "Tudo um ardil, tudo parte de uma estratégia, o Marechal já estava colocando em movimento seu plano para tomar o poder", pensa enfurecido. O sangue ferve, mas ele consegue manter o controle. Friamente encara Soraya:
- Entendo, tenente. Entendo perfeitamente. Não podemos confiar em burocratas. O Marechal é um gênio!
Soraya sorri, aliviada.
- Eu sabia que você entenderia, capitão. Você, mais do que todos, sabe que na guerra sacrifícios precisam ser feitos.
- Sim, claro. Mas afinal o que as forjas tanto produzem?
- Ora essa, capitão, vai dizer que não sabe? Armas, obviamente! Temos um exército capaz de arrasar as forças combinadas dos países rebeldes e ainda banir a GFA de nosso continente para sempre! E a última peça que faltava o senhor nos entregou: Bel Yagami.
Daniel sente um aperto no coração, mas mantém a expressão fechada. Soraya volta a andar e ele a segue. Os dois chegam ao aeródromo e embarcam na nave de transporte, ela prontamente decola, manobrando no céu, então acelera, partindo na direção do Palácio do Governo.
https://www.facebook.com/engenhariareversalivroDe repente, o monitor ambulatorial ligado ao corpo de Maestro dispara, emitindo bips estridentes. Em um instante, um punhado de enfermeiros e médicos invade o quarto.
- Capitão Daniel! - diz surpreso o médico chefe.
O capitão olha seriamente para o médico e começa a remover os eletrodos do peito. Duas enfermeiras correm para ajudá-lo.
- Tire-me daqui, doutor. Quero ver Bel Yagami imediatamente.
- Mas o senhor ainda não está cem por cento curado, capitão. Seria prudente esperar mais algumas horas até que o criogel possa cicatrizar por completo suas queimaduras.
- Eu disse agora.
Intimidado, o médico obedece, ordenando para alguns enfermeiros removerem os eletrodos e as agulhas.
Então, um pequeno grupo de militares entra no quarto. Eles não conseguem esconder a admiração ao encontrar Maestro.
- Capitão Daniel, é uma honra estar em sua presença, temos uma dívida imensa para com o senhor. E fico muito feliz em vê-lo plenamente recuperado - diz a oficial de mais alta patente.
Maestro fica confuso. Vê a patente de tenente no uniforme dela, mas não a reconhece.
- Onde está o tenente Gabriel? Pelo que me recordo, ele era o oficial em comando no Grupamento Tático Um.
A militar abre um sorriso amarelo:
- Muito prazer, sou a tenente Soraya. Gabriel está infiltrado na República de São Paulo, em missão de coleta de informações. Eu assumi o comando do GT1. Capitão, o senhor passou muito tempo fora, e como vai perceber, muita coisa mudou por aqui.
Maestro desvia o olhar para o chão, pensativo.
- Está certo, tenente. Mas agora eu preciso ver Bel Yagami. Ela carrega em seu sistema a consciência de um grande amigo meu.
Surpresos, todos no quarto olham para Maestro sem entender o que ele acabara de dizer.
- Como assim, a consciência? E você não deveria fazer amigos em sua missão, capitão - questiona Soraya.
- Passei dez anos vivendo em uma cidade-estado corporativa, tive que construir uma equipe e depois uma organização. Não se faz isso sem encontrar pessoas confiáveis, e pessoas confiáveis tem mais chances de se tornarem amigos. Não se preocupe, tenente, Thiago não é um agente corporado.
A tenente fica sem resposta. Todos no quarto olham para ela, esperando por suas palavras. Então, ela cede:
- Entendo perfeitamente, capitão, e vou sim levá-lo até ela, mas antes o Marechal o aguarda. Tome um banho, prepare-se e vista seu uniforme. Vamos esperar lá fora.
Daniel se sente estranho. Olha para o espelho e não se reconhece. Seu rastafári fora cortado, assim como sua barba. Agora tinha os cabelos muito curtos e vestia o uniforme das Forças Especiais Brasilianas. O rosto liso revelando as marcas da idade, mas era uma pessoa completamente diferente. Ao menos por fora, o armador conhecido como Maestro havia morrido.
- Senhor, está pronto? - um praça o questiona, aproximando-se da porta do banheiro.
Daniel vira-se para ele e confirma com a cabeça.
Os dois saem do quarto, dando de cara com uma recepção de médicos, enfermeiros e militares. Todos começam a aplaudir Daniel calorosamente. Soraya gesticula, pedindo que ele a siga.
- Você está muito melhor assim - ela elogia ao ver o novo visual do capitão.
Escoltados por muitos soldados, eles passam por vários corredores. Mais saudações e aplausos. Muitos param o capitão para abraça-lo.
Daniel e Soraya pegam um elevador deixando a escolta para trás. Chegam até um alto andar do hospital e caminham até a saída, chegando a uma passarela a céu aberto. No final da passarela Daniel pode ver um aeródromo e uma pequena nave pousada. Ele sente o ar abafado e olha para cima, assustando-se com o tom cobreado dos céus de Brasília, repleto de nuvens que deixam o dia escurecido.
- Por que o céu está dessa cor? O que aconteceu?
- Ah, não se preocupe, são apenas as forjas. Um pequeno preço a se pagar pelo bem maior.
- Forjas? Você quer dizer fábricas? As fábricas ficavam na Zona Industrial bem longe daqui, no Vale de São Patrício pelo que me recordo. Não deveriam existir fábricas no meio da cidade!
Soraya ri, divertida.
- Lembra que eu disse que muita coisa mudou por aqui? Pois é, nos últimos anos o Marechal colocou em prática o Plano Quinquenal, que estabelece como prioridade a reindustrialização do país. Por isso foram construídas novas fábricas em praticamente todo o território nacional e, graças a elas, somos a maior potência industrial do continente.
- Não é possível! Esse plano havia sido reprovado pelo Senado! Eu me lembro da votação! E como assim o Marechal colocou o plano em prática? O Marechal é o líder das Forças Armadas, ele não é um político!
Soraya o encara com seriedade.
- Capitão, o Marechal desmontou o parlamento a oito anos atrás, dois anos depois de sua partida.
Daniel estanca. Desvia o olhos de Soraya e observa a cidade: prédios cinzentos gigantescos por todos os lados, ruas entupidas de pessoas lembrando um grande formigueiro. Ao sul, norte, leste e oeste ele vê construções colossais que lembram pirâmides, expelindo para a atmosfera assustadoras colunas de fumaça de seus cumes, como se fossem vulcões de ferro em erupção. A cena é perturbadora para Daniel, pois sua mente teima em lembrar-lhe do céu azul sem fim e dos grandes parques que embelezavam a capital do Brasil. Porém, os eventos políticos que o abalam ainda mais.
- O que você quer dizer com desmontou o parlamento? Isso aqui era uma democracia!
- Capitão, a democracia é uma ilusão - ela segura nos ombros dele. - Burocratas e políticos só atrapalham. Desde que o Marechal assumiu o poder, nosso país finalmente voltou a crescer. A democracia foi implantada quando o general Guedes morreu, anos depois da final da maldita revolução, e teve lá seus méritos, mas ela atrasava nosso desenvolvimento. Como você pode ver, com o regime do Marechal nossa indústria produz dia e noite, incansável!
Irritado, Daniel segura um braço de Soraya, puxando-a para perto.
- Um golpe? Você está me dizendo que o Marechal deu um golpe e o Exército o apoiou?
- Solte-me! - ela puxa o braço de volta. - Não diga uma blasfêmia dessas! Você não estava aqui, não tinha a menor ideia das tragédias que o primeiro ministro estava fazendo. Desmilitarizou a polícia, reduziu o orçamento militar, cogitou uma reaproximação com a República Fluminense e os outros países rebeldes, e queria firmar acordos com a GFA! Entende? Jamais teríamos o Brasil de volta se dependesse daquele maldito parlamento!
Daniel fica desesperado, e nota que Soraya o está estudando. Ele franze a testa, fechando o rosto para impedir que suas emoções se externalizem. Rapidamente se lembra do passado, de como o Marechal o enviara para Vitória assegurando-lhe que a missão fora aprovada pelo parlamento. "Tudo um ardil, tudo parte de uma estratégia, o Marechal já estava colocando em movimento seu plano para tomar o poder", pensa enfurecido. O sangue ferve, mas ele consegue manter o controle. Friamente encara Soraya:
- Entendo, tenente. Entendo perfeitamente. Não podemos confiar em burocratas. O Marechal é um gênio!
Soraya sorri, aliviada.
- Eu sabia que você entenderia, capitão. Você, mais do que todos, sabe que na guerra sacrifícios precisam ser feitos.
- Sim, claro. Mas afinal o que as forjas tanto produzem?
- Ora essa, capitão, vai dizer que não sabe? Armas, obviamente! Temos um exército capaz de arrasar as forças combinadas dos países rebeldes e ainda banir a GFA de nosso continente para sempre! E a última peça que faltava o senhor nos entregou: Bel Yagami.
Daniel sente um aperto no coração, mas mantém a expressão fechada. Soraya volta a andar e ele a segue. Os dois chegam ao aeródromo e embarcam na nave de transporte, ela prontamente decola, manobrando no céu, então acelera, partindo na direção do Palácio do Governo.
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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.
Engenharia Reversa
Parte XXXVIII - Pátria Amada
Um som distante, abafado e ritmado, desperta Bel. Ela abre os olhos com dificuldade, forçando as vistas, mas só consegue ver borrões. Sente um leve trepidar. A cabeça lateja e cada osso do corpo parece ter sido esmagado. Sente o travesseiro e percebe que está deitada em um colchão. "Status do sistema", mentaliza a frase, esperando que a tela de diagnóstico seja exibida em suas retinas, mas nada acontece. "Droga, o maldito capacete!", lembra-se com irritação.
Aos poucos, sua visão começa a melhorar. Imagens vão se formando, e logo ela pode ver um teto metálico repleto de fios pendurados por todos os lados. Sente uma pontada na cabeça; então, involuntariamente, as imagens dos último eventos voltam à tona em um turbilhão de lembranças: Maestro com a arma apontada para ela, a explosão colossal e o imediato desespero para buscar um abrigo; o portão caindo sobre seu corpo e, por fim, a completa escuridão. Percebe um som baixo e abafado ao fundo, constante.
Angustiada, tenta mover os braços e as pernas, mas logo desiste ao perceber que ambos estão presos por algemas. Vira a cabeça para a direita, o pescoço responde com uma dor latejante. Vê nuvens passando em alta velocidade através de uma pequena janela esférica. É tomada por uma mistura de impotência e raiva ao perceber que seu temor se concretizou, fora afinal capturada pelos brasilianos. "Tenho que dar um jeito de sair daqui, preciso encontrar Maestro e Davi", pensa com inquietação. Então, sente algo enfiado em seu braço esquerdo. Levanta o pescoço com dificuldade, lutando contra a dor. Fecha e abre a mão, deslocando os músculos do braço e sentindo a agulha profundamente enfiada na carne.
Vê um fino tubo de plástico transparente saindo de seu braço e seguindo até uma máquina aos pés do colchão. Estranhamente, a dor diminui um pouco. Um líquido verde e fosforescente corre pelo tubo. Repara na máquina: é uma pequena caixa prateada onde um monitor exibe diversos números aleatórios e, sobre ela, existe um cilindro de vidro com apenas um pouco do líquido verde. "Era isso que me mantinha desacordada?". Instantes depois o cilindro fica vazio, e logo as últimas miligramas do líquido brilhante são bombeadas para o corpo de Bel. Os números na máquina ficam zerados, e subitamente a dor desaparece, ela se sente revigorada. A cabeça para de latejar, e seus sentidos estão plenamente restaurados. Então, pela primeira vez desde que despertou, percebe que não está sozinha na sala.
Num gesto rápido, olha para a esquerda esperando encontrar Davi e Maestro em situação semelhante, porém, é surpreendida ao ver quatro soldados. Eles estão sentados em cadeiras no outro extremo do compartimento, não existem armas à vista. Ao perceber o movimento de Bel, um deles se levanta e começa a andar na direção dela. Bel examina o uniforme: todo camuflado em tons de marrom. Do lado esquerdo do peito existe uma pequena bandeira formada por dois retângulos de proporções iguais, um verde e outro amarelo, e sobre ambos uma esfera azul.
O capacete é inteiramente dourado, mas um detalhe faz Bel entender que o soldado provavelmente é o líder: uma estrela negra pintada na frente do elmo, algo que os outros não possuem. Agora o militar está ao lado dela. Ele levanta a mão direita e pressiona um botão em seu capacete, ativando um comunicador:
- Tigre Um, o Ativo está consciente. Repito: o Ativo está consciente!
- Entendido, sargento - responde imediatamente uma voz abafada através do rádio.
Bel entra em desespero. Ela força suas pernas e braços contra o metal das algemas, tentando libertá-los num impulso inútil. Canaliza energia para os músculos sintéticos, a fim de aumentar sua força, mesmo sabendo que com o capacete de contenção isso é impossível. De repente, vê seu reflexo no elmo dourado do soldado brasiliano, que a observa sem nada dizer.
- Miseráveis! Soltem-me! Soltem-me imediatamente! - vocifera. - Onde está Maestro? Onde está Davi?
Mas o homem permanece apático. Então, seus companheiros juntam-se a ele, formando um semi-círculo ao redor de Bel.
Ela se contorce forçando braços e pernas contra as algemas, provocando pequenas lacerações nos pulsos e tornozelos. Cospe na direção dos militares.
- Porcos! O que querem comigo? Soltem-me!
O soldado da estrela negra se abaixa, apoiando-se no joelho. Com uma das mãos ele levanta a viseira do capacete, revelando olhos verdes arregalados em um rosto pálido. Então, observa Bel da cabeça aos pés, não acreditando no que vê. Por fim, levanta-se encarando seus companheiros.
- Senhores, é extraordinário o que nossos inimigos conseguiram atingir.
Os homens ficam em silêncio por um instante, mas logo imitam o gesto do líder,levantando suas viseiras. Um deles aproxima-se mais do colchão, apontando para o elmo na cabeça de Bel.
- E este capacete que ela usa? Por que não o removeram?
O sargento olha para o artefato com admiração, logo responde:
- Ah, é um bloqueador. Por isso ela não pode usar seus poderes e controlar nossos sistemas. Um bônus que os capitalistas da VNR nos deram. Mais uma tecnologia para nosso arsenal.
- Mas, sargento, desse jeito o ativo não terá nenhuma utilidade - contrapõe outro militar.
- É claro que vamos remover essa coisa da cabeça dela, soldado. O GT está a postos em Brasília, aguardando nossa chegada. Eles sabem o que fazer.
Repleta de ódio, Bel encara cada um deles, terminando no sargento:
- Seu miserável! Eu não sou uma aberração para ser tratada desse jeito.
Os soldados retrocedem alguns passos, assustados. Então, um deles aponta para a ela:
- É uma abominação!
Subitamente, a porta mecânica que dá acesso ao compartimento é aberta. Um ressoar de passos no piso de metal deixa os homens em alerta. Eles se afastam, assumindo posição de sentido. Duas mulheres seguem na direção a Bel. A mais alta, vestida com um uniforme azul turquesa, olha para cada um dos soldados com severidade, e eles respondem abaixando a cabeça. Logo atrás dela segue uma enfermeira carregando uma pequena maleta de metal. A oficial aproxima-se de Bel, observando-a com os olhos brilhando. Então, abre um gracioso sorriso.
- Com toda a certeza, Yagami, você está muito longe de ser uma abominação.
Um dos solados engole seco. Bel repara na mulher: várias medalhas brilhantes se destacam em seu uniforme. Ela usa um quepe azul, que esconde por completo seus cabelos. Os olhos são pequenos e negros como a noite, os lábios bem marcados e brilhantes, refletindo a cor roxa. No lado esquerdo do peito, sobre as medalhas, esta bordado no uniforme: Tenente Soraya - GT 1. Indignada, Bel esbraveja contra a tenente:
- Não me interessa quem é você e muito menos sua guerra absurda! Exijo que me solte e que me leve até Maestro!
Durante alguns segundos Soraya olha para Bel com um ar de admiração. Então, curvar-se sobre ela, curiosa.
- Inacreditável. Extraordinário. Existem mais como você, Yagami?
- O quê? Você me ouviu, Soraya, quero ver o Maestro, agora!
- Maestro? - a tenente meneia a cabeça, pensativa. - Ah, você se refere ao capitão Daniel? Bem, ele está ferido, mas vai se recuperar. Nosso país tem uma enorme dívida para com aquele homem, um verdadeiro herói. E quanto a você, não faça exigências, minha cara. Em algum momento você vai revê-lo, mas não agora.
- Escute aqui, tenente, no momento em que vocês removerem o capacete de contenção eu vou destruir cada computador, cada máquina, cada maldito circuito integrado que existir na sua cidade; vou mandá-los de volta para a Idade Média; e isso não é uma ameaça, é uma certeza.
Soraya exibe um novo sorriso, divertida.
- Você é perfeita, Yagami! Nosso estimado líder ficará honrado em conhecê-la! Pena que ele não poderá ver esse ímpeto em seus olhos - vira-se para a enfermeira. - Conclua o procedimento - ordena.
A oficial de branco aproxima-se do colchão e abre sua caixa metálica, tirando dela um cilindro de vidro cheio de um líquido vermelho e fosforescente. Então, vai até a máquina e substituiu o cilindro vazio. Bel sente um calafrio. Tomada por uma raiva insana, ela grita para seus captores:
- Eu juro! Eu vou acabar com todos vocês! Desgraçados!
Indiferente a ameaça, Soraya permanece observando a prisioneira com extrema atenção. Ao mesmo tempo, a enfermeira manipula alguns botões na máquina e imediatamente o líquido vermelho é bombeado para as veias de Bel que, em resposta, contorce-se ensandecida no colchão. Em segundos ela começa a sentir uma dormência nos pés, nas pernas, nos braços, nas mãos.
- O que estão fazendo comigo? Seus... seus merdas!
Alheios ao desespero, Soraya, a enfermeira, e os soldados, observam atentamente o líquido vermelho verter pelo tubo transparente. Bel arregala os olhos, sente que suas forças estão diminuindo. Em desespero, tenta forçar os pulsos mais uma vez contra as algemas. Ela empalidece ao perceber que seus membros não respondem mais. Horrorizada, tenta abrir a boca para gritar, mas seus lábios não se mexem, a única coisa que ainda sente é a agulha. "Não! Minha mente foi aprisionada em meu próprio corpo!", constata tomada por um terror que nunca sentiu antes.
- O processo está concluído, tenente. A Neutroxina apoderou-se de todos os sistemas da biocomputador. Yagami está sob seu comando - informa a enfermeira, sem olhar para a tenente, afastando-se da máquina e removendo a agulha do braço de Bel. - Entretanto, ela ainda tem o controle das emoções e pode ter respostas psicossomáticas alteradas.
- Tudo bem. Vamos resolver isso assim que pousarmos no Juscelino Kubitschek. Bom trabalho, major. Agora, sargento, remova as algemas da prisioneira.
O militar obedece sem pestanejar, e Bel sente os braços caindo sobre o colchão. Seu impulso é levantar-se, tentar fugir, mas seu corpo permanece não lhe pertence mais.
- Fique de pé, Yagami - ordena a tenente.
Como um robô, o corpo obedece contra todos os protestos de sua mente. Em choque, ela começa a suar frio. Soraya a observa com os olhos brilhando e um entusiasmo juvenil.
- Imagino o sofrimento que você deve estar passando, Yagami, mas te asseguro que é temporário. Logo você será uma grande heroína para a República, talvez até maior que o capitão Daniel. Agora, venha comigo.
"Desgraçada! Mil vezes maldita!", mentaliza Bel com a mente em chamas.
A tenente dá ombros, movendo-se em direção a porta do compartimento. Ao passar pelos soldados, os homens não escondem a admiração, batendo continência para ela.
Após passar por um comprido compartimento sem janelas e mal iluminado, elas chegam na ala médica. Reduzida a uma consciência eletrônica, Bel tenta desesperadamente acessar seus bio processadores para retomar o controle de seu corpo, então, subitamente, sente o coração acelerar rapidamente: no meio do compartimento ela vê o corpo de Maestro. Ele está deitado em uma maca, aparentemente desacordado, com o peito repleto de fios e tubos e usando uma máscara de oxigênio. Ataduras dispostas ao longo dos braços e pernas. Outras duas enfermeiras o examinam, conferindo dados em vários monitores fixados ao lado da maca.
- Aí está seu captor, Yagami. Nosso grande herói, o capitão Daniel, que pare você é apenas o tal do Maestro. Aliás, é um ótimo codinome, não acha?
Frustração e impotência apoderam-se de Bel quando ela percebe que sua vontade de sair correndo na direção de Maestro não se concretiza, ela apenas continua caminhando atrás da enfermeira. "Não! Não! Maestro! Maestro!", pensamentos reverberam, ela lembra de toda a jornada até aquele momento, de tudo que os dois passaram juntos. Frustração e impotência apoderam-se de sua mente. Então, do nada, ela lembra de Davi. O nome surge repentinamente em sua mente, seguido pela imagem do biohacker. E logo seus olhos confirmam: não existe outra maca naquele compartimento. Pensamentos sombrios a invadem. A lembrança de Thiago e Marcela a deixam ainda mais ansiosa, e ela tenta, inutilmente, acessar a área de memória onde a consciência de Thiago foi armazenada. Lentamente, o ódio começa a diminuir, dando lugar a uma profunda tristeza que emerge avassaladora. Bel desisti de lutar, conclui que, naquele momento, é impossível vencer a Neutroxina.
Quando volta a si, ela percebe que está na cabine, parada de costas para a porta por qual acabara de passar sem perceber. O lugar é amplo, com poltronas extras para os membros da tripulação e compartimentos para bagagens de mão. A enfermeira se senta, mas Soraya permanece de pé, entre os dois pilotos.
- Yagami, venha até aqui. - Veja, está é nossa grande nação, sua nação a partir de hoje. Bem vinda a Pátria Amada, bem vinda ao Brasil.
A maior parte da fuselagem da cabine é transparente, permitindo uma boa visão do exterior. Bel vê um oceano de edifícios gigantescos e imponentes, espalhados sob um céu de nuvens cor de cobre. Alguns são tão altos que ultrapassa a altitude da nave. É impossível ver onde o oceano termina. Não existem montanhas ou outras elevações naturais, mas, ao longe, gigantescas colunas de fumaça ascendem para as nuvens.
Um dos pilotos flexiona para frente um manche e a nave começa a descer, acelerando e aproximando-se da cidade. Bel repara em milhões de pontos luminosos que se movimentam vagarosamente. A medida em que o veículo aproxima-se do chão, ela consegue ver que os pontos são na verdade pessoas, milhões de pessoas locomovendo-se por extensas vias e ruas, usando estranhas fontes de luz aparentemente fixadas em suas cabeças, entretanto, ela não consegue ver nenhum tipo de veículo.
- ATC, solicitamos permissão para pouso. Tango Índia Golf Romeo Eco Um - diz um dos pilotos.
- T1, sinal de identificação confirmado. Doca trinta e sete está pronta para recebê-lo - responde uma voz pela rádio.
A nave começa a desacelerar, e Bel sente o coração disparar. O veículo aproxima-se de uma imensa e opressiva construção, semelhante a uma pirâmide. Em minutos adentra um amplo hangar e então desce verticalmente, tocando suavemente o chão. Uma escotilha na lateral da cabine se abre, deixando sons abafados entrarem, murmurinhos e ruídos de máquinas.
- Yagami, venha comigo. Preparada para a sua nova vida?
Soraya avança para a escotilha e, imediatamente, Bel a segue.
Davi abre os olhos. Ele entrevê um céu azul nublado. Sente a cabeça latejar. Se dá conta de que está deitado de barriga para cima sobre um chão de terra. Tenta se levantar, mas uma tontura súbita o faz deitar-se novamente. Pedras, muitas delas, caindo em sua direção, é a lembrança que emerge em sua mente.
- Bel! - ele grita, sentindo a garganta arder.
- Ela não está aqui. Os brasilianos a levaram.
A adrenalina invade as veias de Davi, fazendo-o virar-se rapidamente para o lado de onde vem a voz. Ele estanca, chocado com a visão. Sente o coração bater mais forte; suas pupilas se dilatam, ele começa a tremer.
- A... Amanda !?
A ciborgue está sentada em uma pedra. O corpo chamuscado exibindo partes de metal emergindo da carne humana. Suas mãos brincam com um estranho cristal, que prontamente Davi reconhece: - É o datacrys, meu datacrys!
https://www.facebook.com/engenhariareversalivroAos poucos, sua visão começa a melhorar. Imagens vão se formando, e logo ela pode ver um teto metálico repleto de fios pendurados por todos os lados. Sente uma pontada na cabeça; então, involuntariamente, as imagens dos último eventos voltam à tona em um turbilhão de lembranças: Maestro com a arma apontada para ela, a explosão colossal e o imediato desespero para buscar um abrigo; o portão caindo sobre seu corpo e, por fim, a completa escuridão. Percebe um som baixo e abafado ao fundo, constante.
Angustiada, tenta mover os braços e as pernas, mas logo desiste ao perceber que ambos estão presos por algemas. Vira a cabeça para a direita, o pescoço responde com uma dor latejante. Vê nuvens passando em alta velocidade através de uma pequena janela esférica. É tomada por uma mistura de impotência e raiva ao perceber que seu temor se concretizou, fora afinal capturada pelos brasilianos. "Tenho que dar um jeito de sair daqui, preciso encontrar Maestro e Davi", pensa com inquietação. Então, sente algo enfiado em seu braço esquerdo. Levanta o pescoço com dificuldade, lutando contra a dor. Fecha e abre a mão, deslocando os músculos do braço e sentindo a agulha profundamente enfiada na carne.
Vê um fino tubo de plástico transparente saindo de seu braço e seguindo até uma máquina aos pés do colchão. Estranhamente, a dor diminui um pouco. Um líquido verde e fosforescente corre pelo tubo. Repara na máquina: é uma pequena caixa prateada onde um monitor exibe diversos números aleatórios e, sobre ela, existe um cilindro de vidro com apenas um pouco do líquido verde. "Era isso que me mantinha desacordada?". Instantes depois o cilindro fica vazio, e logo as últimas miligramas do líquido brilhante são bombeadas para o corpo de Bel. Os números na máquina ficam zerados, e subitamente a dor desaparece, ela se sente revigorada. A cabeça para de latejar, e seus sentidos estão plenamente restaurados. Então, pela primeira vez desde que despertou, percebe que não está sozinha na sala.
Num gesto rápido, olha para a esquerda esperando encontrar Davi e Maestro em situação semelhante, porém, é surpreendida ao ver quatro soldados. Eles estão sentados em cadeiras no outro extremo do compartimento, não existem armas à vista. Ao perceber o movimento de Bel, um deles se levanta e começa a andar na direção dela. Bel examina o uniforme: todo camuflado em tons de marrom. Do lado esquerdo do peito existe uma pequena bandeira formada por dois retângulos de proporções iguais, um verde e outro amarelo, e sobre ambos uma esfera azul.
O capacete é inteiramente dourado, mas um detalhe faz Bel entender que o soldado provavelmente é o líder: uma estrela negra pintada na frente do elmo, algo que os outros não possuem. Agora o militar está ao lado dela. Ele levanta a mão direita e pressiona um botão em seu capacete, ativando um comunicador:
- Tigre Um, o Ativo está consciente. Repito: o Ativo está consciente!
- Entendido, sargento - responde imediatamente uma voz abafada através do rádio.
Bel entra em desespero. Ela força suas pernas e braços contra o metal das algemas, tentando libertá-los num impulso inútil. Canaliza energia para os músculos sintéticos, a fim de aumentar sua força, mesmo sabendo que com o capacete de contenção isso é impossível. De repente, vê seu reflexo no elmo dourado do soldado brasiliano, que a observa sem nada dizer.
- Miseráveis! Soltem-me! Soltem-me imediatamente! - vocifera. - Onde está Maestro? Onde está Davi?
Mas o homem permanece apático. Então, seus companheiros juntam-se a ele, formando um semi-círculo ao redor de Bel.
Ela se contorce forçando braços e pernas contra as algemas, provocando pequenas lacerações nos pulsos e tornozelos. Cospe na direção dos militares.
- Porcos! O que querem comigo? Soltem-me!
O soldado da estrela negra se abaixa, apoiando-se no joelho. Com uma das mãos ele levanta a viseira do capacete, revelando olhos verdes arregalados em um rosto pálido. Então, observa Bel da cabeça aos pés, não acreditando no que vê. Por fim, levanta-se encarando seus companheiros.
- Senhores, é extraordinário o que nossos inimigos conseguiram atingir.
Os homens ficam em silêncio por um instante, mas logo imitam o gesto do líder,levantando suas viseiras. Um deles aproxima-se mais do colchão, apontando para o elmo na cabeça de Bel.
- E este capacete que ela usa? Por que não o removeram?
O sargento olha para o artefato com admiração, logo responde:
- Ah, é um bloqueador. Por isso ela não pode usar seus poderes e controlar nossos sistemas. Um bônus que os capitalistas da VNR nos deram. Mais uma tecnologia para nosso arsenal.
- Mas, sargento, desse jeito o ativo não terá nenhuma utilidade - contrapõe outro militar.
- É claro que vamos remover essa coisa da cabeça dela, soldado. O GT está a postos em Brasília, aguardando nossa chegada. Eles sabem o que fazer.
Repleta de ódio, Bel encara cada um deles, terminando no sargento:
- Seu miserável! Eu não sou uma aberração para ser tratada desse jeito.
Os soldados retrocedem alguns passos, assustados. Então, um deles aponta para a ela:
- É uma abominação!
Subitamente, a porta mecânica que dá acesso ao compartimento é aberta. Um ressoar de passos no piso de metal deixa os homens em alerta. Eles se afastam, assumindo posição de sentido. Duas mulheres seguem na direção a Bel. A mais alta, vestida com um uniforme azul turquesa, olha para cada um dos soldados com severidade, e eles respondem abaixando a cabeça. Logo atrás dela segue uma enfermeira carregando uma pequena maleta de metal. A oficial aproxima-se de Bel, observando-a com os olhos brilhando. Então, abre um gracioso sorriso.
- Com toda a certeza, Yagami, você está muito longe de ser uma abominação.
Um dos solados engole seco. Bel repara na mulher: várias medalhas brilhantes se destacam em seu uniforme. Ela usa um quepe azul, que esconde por completo seus cabelos. Os olhos são pequenos e negros como a noite, os lábios bem marcados e brilhantes, refletindo a cor roxa. No lado esquerdo do peito, sobre as medalhas, esta bordado no uniforme: Tenente Soraya - GT 1. Indignada, Bel esbraveja contra a tenente:
- Não me interessa quem é você e muito menos sua guerra absurda! Exijo que me solte e que me leve até Maestro!
Durante alguns segundos Soraya olha para Bel com um ar de admiração. Então, curvar-se sobre ela, curiosa.
- Inacreditável. Extraordinário. Existem mais como você, Yagami?
- O quê? Você me ouviu, Soraya, quero ver o Maestro, agora!
- Maestro? - a tenente meneia a cabeça, pensativa. - Ah, você se refere ao capitão Daniel? Bem, ele está ferido, mas vai se recuperar. Nosso país tem uma enorme dívida para com aquele homem, um verdadeiro herói. E quanto a você, não faça exigências, minha cara. Em algum momento você vai revê-lo, mas não agora.
- Escute aqui, tenente, no momento em que vocês removerem o capacete de contenção eu vou destruir cada computador, cada máquina, cada maldito circuito integrado que existir na sua cidade; vou mandá-los de volta para a Idade Média; e isso não é uma ameaça, é uma certeza.
Soraya exibe um novo sorriso, divertida.
- Você é perfeita, Yagami! Nosso estimado líder ficará honrado em conhecê-la! Pena que ele não poderá ver esse ímpeto em seus olhos - vira-se para a enfermeira. - Conclua o procedimento - ordena.
A oficial de branco aproxima-se do colchão e abre sua caixa metálica, tirando dela um cilindro de vidro cheio de um líquido vermelho e fosforescente. Então, vai até a máquina e substituiu o cilindro vazio. Bel sente um calafrio. Tomada por uma raiva insana, ela grita para seus captores:
- Eu juro! Eu vou acabar com todos vocês! Desgraçados!
Indiferente a ameaça, Soraya permanece observando a prisioneira com extrema atenção. Ao mesmo tempo, a enfermeira manipula alguns botões na máquina e imediatamente o líquido vermelho é bombeado para as veias de Bel que, em resposta, contorce-se ensandecida no colchão. Em segundos ela começa a sentir uma dormência nos pés, nas pernas, nos braços, nas mãos.
- O que estão fazendo comigo? Seus... seus merdas!
Alheios ao desespero, Soraya, a enfermeira, e os soldados, observam atentamente o líquido vermelho verter pelo tubo transparente. Bel arregala os olhos, sente que suas forças estão diminuindo. Em desespero, tenta forçar os pulsos mais uma vez contra as algemas. Ela empalidece ao perceber que seus membros não respondem mais. Horrorizada, tenta abrir a boca para gritar, mas seus lábios não se mexem, a única coisa que ainda sente é a agulha. "Não! Minha mente foi aprisionada em meu próprio corpo!", constata tomada por um terror que nunca sentiu antes.
- O processo está concluído, tenente. A Neutroxina apoderou-se de todos os sistemas da biocomputador. Yagami está sob seu comando - informa a enfermeira, sem olhar para a tenente, afastando-se da máquina e removendo a agulha do braço de Bel. - Entretanto, ela ainda tem o controle das emoções e pode ter respostas psicossomáticas alteradas.
- Tudo bem. Vamos resolver isso assim que pousarmos no Juscelino Kubitschek. Bom trabalho, major. Agora, sargento, remova as algemas da prisioneira.
O militar obedece sem pestanejar, e Bel sente os braços caindo sobre o colchão. Seu impulso é levantar-se, tentar fugir, mas seu corpo permanece não lhe pertence mais.
- Fique de pé, Yagami - ordena a tenente.
Como um robô, o corpo obedece contra todos os protestos de sua mente. Em choque, ela começa a suar frio. Soraya a observa com os olhos brilhando e um entusiasmo juvenil.
- Imagino o sofrimento que você deve estar passando, Yagami, mas te asseguro que é temporário. Logo você será uma grande heroína para a República, talvez até maior que o capitão Daniel. Agora, venha comigo.
"Desgraçada! Mil vezes maldita!", mentaliza Bel com a mente em chamas.
A tenente dá ombros, movendo-se em direção a porta do compartimento. Ao passar pelos soldados, os homens não escondem a admiração, batendo continência para ela.
Após passar por um comprido compartimento sem janelas e mal iluminado, elas chegam na ala médica. Reduzida a uma consciência eletrônica, Bel tenta desesperadamente acessar seus bio processadores para retomar o controle de seu corpo, então, subitamente, sente o coração acelerar rapidamente: no meio do compartimento ela vê o corpo de Maestro. Ele está deitado em uma maca, aparentemente desacordado, com o peito repleto de fios e tubos e usando uma máscara de oxigênio. Ataduras dispostas ao longo dos braços e pernas. Outras duas enfermeiras o examinam, conferindo dados em vários monitores fixados ao lado da maca.
- Aí está seu captor, Yagami. Nosso grande herói, o capitão Daniel, que pare você é apenas o tal do Maestro. Aliás, é um ótimo codinome, não acha?
Frustração e impotência apoderam-se de Bel quando ela percebe que sua vontade de sair correndo na direção de Maestro não se concretiza, ela apenas continua caminhando atrás da enfermeira. "Não! Não! Maestro! Maestro!", pensamentos reverberam, ela lembra de toda a jornada até aquele momento, de tudo que os dois passaram juntos. Frustração e impotência apoderam-se de sua mente. Então, do nada, ela lembra de Davi. O nome surge repentinamente em sua mente, seguido pela imagem do biohacker. E logo seus olhos confirmam: não existe outra maca naquele compartimento. Pensamentos sombrios a invadem. A lembrança de Thiago e Marcela a deixam ainda mais ansiosa, e ela tenta, inutilmente, acessar a área de memória onde a consciência de Thiago foi armazenada. Lentamente, o ódio começa a diminuir, dando lugar a uma profunda tristeza que emerge avassaladora. Bel desisti de lutar, conclui que, naquele momento, é impossível vencer a Neutroxina.
Quando volta a si, ela percebe que está na cabine, parada de costas para a porta por qual acabara de passar sem perceber. O lugar é amplo, com poltronas extras para os membros da tripulação e compartimentos para bagagens de mão. A enfermeira se senta, mas Soraya permanece de pé, entre os dois pilotos.
- Yagami, venha até aqui. - Veja, está é nossa grande nação, sua nação a partir de hoje. Bem vinda a Pátria Amada, bem vinda ao Brasil.
A maior parte da fuselagem da cabine é transparente, permitindo uma boa visão do exterior. Bel vê um oceano de edifícios gigantescos e imponentes, espalhados sob um céu de nuvens cor de cobre. Alguns são tão altos que ultrapassa a altitude da nave. É impossível ver onde o oceano termina. Não existem montanhas ou outras elevações naturais, mas, ao longe, gigantescas colunas de fumaça ascendem para as nuvens.
Um dos pilotos flexiona para frente um manche e a nave começa a descer, acelerando e aproximando-se da cidade. Bel repara em milhões de pontos luminosos que se movimentam vagarosamente. A medida em que o veículo aproxima-se do chão, ela consegue ver que os pontos são na verdade pessoas, milhões de pessoas locomovendo-se por extensas vias e ruas, usando estranhas fontes de luz aparentemente fixadas em suas cabeças, entretanto, ela não consegue ver nenhum tipo de veículo.
- ATC, solicitamos permissão para pouso. Tango Índia Golf Romeo Eco Um - diz um dos pilotos.
- T1, sinal de identificação confirmado. Doca trinta e sete está pronta para recebê-lo - responde uma voz pela rádio.
A nave começa a desacelerar, e Bel sente o coração disparar. O veículo aproxima-se de uma imensa e opressiva construção, semelhante a uma pirâmide. Em minutos adentra um amplo hangar e então desce verticalmente, tocando suavemente o chão. Uma escotilha na lateral da cabine se abre, deixando sons abafados entrarem, murmurinhos e ruídos de máquinas.
- Yagami, venha comigo. Preparada para a sua nova vida?
Soraya avança para a escotilha e, imediatamente, Bel a segue.
***
Davi abre os olhos. Ele entrevê um céu azul nublado. Sente a cabeça latejar. Se dá conta de que está deitado de barriga para cima sobre um chão de terra. Tenta se levantar, mas uma tontura súbita o faz deitar-se novamente. Pedras, muitas delas, caindo em sua direção, é a lembrança que emerge em sua mente.
- Bel! - ele grita, sentindo a garganta arder.
- Ela não está aqui. Os brasilianos a levaram.
A adrenalina invade as veias de Davi, fazendo-o virar-se rapidamente para o lado de onde vem a voz. Ele estanca, chocado com a visão. Sente o coração bater mais forte; suas pupilas se dilatam, ele começa a tremer.
- A... Amanda !?
A ciborgue está sentada em uma pedra. O corpo chamuscado exibindo partes de metal emergindo da carne humana. Suas mãos brincam com um estranho cristal, que prontamente Davi reconhece: - É o datacrys, meu datacrys!
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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.
Engenharia Reversa
Parte XXXVII - Não Me Force a Fazer Isso
Trinta minutos antes da explosão da Quimera, Nova Esperança, Ninho do Gavião.
Dentro do pátio repleto de cadáveres, Bel e Davi estão lado a lado. Um pouco mais afastado, Maestro está apoiado no chão, examinando algo. Bel observa detalhadamente o grande portão de ferro, notando que o mesmo está entreaberto. Davi olha com interesse para a entrada da torre de controle; bem na frente da porta, ele percebe um punhado de rifles espalhados pelo chão, a maioria ao lado dos corpos de seus antigos donos.
Davi dá alguns passos na direção da torre, para por um segundo, olha de relance para Bel que agora observa uma imensa coluna de fumaça proveniente da cidade.
- Ei! Acho que devemos voltar lá pra cima. Procurar um rádio e tentar contactar os brasilianos para saber quanto tempo eles vão demorar para chegar aqui. E também podemos procurar alguma ferramenta para tentar tirar esse capacete da sua cabeça, o que você acha?
Ela permanece calada, pensativa. Volta o olhar para o portão, seu impulso e avançar até ele e prosseguir para Nova Esperança, porém, se vira para Davi, precisa saber se ele vai acompanhá-la ou se vai prosseguir para o Brasil. Subitamente, nota a mochila verde oliva nas costas do rapaz; a lembrança de onde a viu pela última vez volta rapidamente à mente.
- Davi, por que você fez isso?
- Fiz o quê? - ele a encara, perplexo. - Você ouviu o que eu disse? A gente tem que voltar lá pra cima! E outra, acho uma boa ideia colocar as mãos naquelas armas.
Bel não se move, franze a testa e fixa o olhar no rosto do biohacker.
- Por que você pegou o o cristal de dados?
- O quê? Ah! O Datacrys? - ele abre um sorriso convencido. - É só uma garantia, entende? Se tudo der errado pelo menos não vou sair com as mão abanando.
O olhar de reprovação dela não surte nenhum efeito.
- Vem, vamos logo lá pra cima!
- Davi, esse cristal pertence ao povo de Nova Esperança, pertence aos sobreviventes dessa tragédia toda que nós trouxemos para cá!
O biohacker dá de ombros, seguindo em direção aos rifles espalhados no chão. Bel mexe a cabeça em uma negativa. Nenhum dos dois nota que Maestro está perto, e que porta um fuzil.
- Fim do assunto. Você vem ou não?
Bel espera alguns segundos, fitando o rapaz com uma expressão compadecida.
- Apesar de tudo, não achei que iríamos terminar assim.
- Terminar assim? O que diabos quer dizer com isso? Que eu saiba, nós já terminamos faz um tempão! - Ele se aproxima de um rifle. - Agora, temos é que nos proteger! Não vê que ficar aqui embaixo é perigoso? Não temos certeza de que a VNR se foi e ainda podem ter soldados espalhados por aí.
Ele se abaixa e pega com cuidado na empunhadura do rifle, levantando a arma do chão.
- Pare aí mesmo, Davi - a voz grave e seca de Maestro faz o rapaz se virar bruscamente. - Largue a arma.
- Como é? Enlouqueceu? - protesta Davi, surpreso.
- Você me ouviu bem. Largue a arma e levanta-se.
- Ei! Que diabos você tá fazendo, Maestro? - grita Bel, indignada.
O armador devolve um olhar frio, automaticamente, aponta o fuzil para Davi.
- Voltem os dois para a torre. Fiquem lá até os brasilianos chegarem. Eu vou montar guarda aqui fora, garantir que tudo vai correr bem.
Davi aquiesce com a cabeça, larga a arma e retrocede para junto de Bel, que por sua vez aproxima-se de Maestro com um olhar desafiador. Instintivamente, ele aponta o fuzil para ela.
As pupilas de Bel se dilatam, ela não consegue acreditar no gesto de Maestro.
- Então... é isso? É assim que acaba? Agora é você que vai nos manter prisioneiros? - questiona com a voz trêmula.
Maestro percebe os olhos da biocomputador ficarem marejados.
- Você concordou com o plano, Bel, concordou em ir para o Brasil. Você sabe que somente lá estará segura. Agora, por favor, não faça nada estúpido e vá para a torre. O resgate já deve estar chegando.
Bel ergue a cabeça, controla a vontade de chorar e cresce na frente dele.
- Não. Eu te avisei, eu não vou para o Brasil. Eu não vou me tornar uma arma de guerra e causar mais destruição e morte. Vou fazer o que é certo.
- E o que é o certo, Bel? Olhe a sua volta! Todas essas mortes, tudo que passamos até aqui, tudo isso precisa acabar! E a única forma é com a sua ajuda! Nenhuma das mortes foi em vão, mas se você não for comigo para o Brasil tudo que aconteceu até agora não valerá de nada! Nada!
Uma lágrima corta o rosto de Bel. Maestro engole seco, mas mantém a mira nela. Olhos nos olhos. Após um silêncio desconcertante, e ela quem fala:
- O certo é salvar nossos amigos. É isso que vou fazer, com ou sem a ajuda de vocês. Esse mundo está perdido, e não sou e nem o seu exército que vai salvá-lo.
Bel dá as costas para Maestro. Espera alguns segundos e então começa a avançar na direção do portão. Ao passar por Davi, ele a segura pelo braço, puxando-a para perto de si.
- Yagami! Você enlouqueceu de vez ? Não é possível! Deve ser essa coisa aí na sua cabeça! Você acha que vai durar quanto tempo nesse inferno? Eles vão fazer você em pedacinhos ou coisa pior! Cai na real, por favor!
- Me largue, seu imbecil! - Com um empurrão no peito de Devi, ela se solta, então, por alguns segundos, crava os olhos em Maestro.
- Faça o que quiser. Faça o que o seu coração, ou a sua cabeça, achar correto.
Com passos decididos, Bel avança em direção ao portão. Ela esfrega o rosto com raiva, enxugando as lágrimas. Suprime o desejo de olhar para trás, se esforça para não chorar, lutando para se manter firme, e consegue.
Maestro sente o peito palpitar. Sua mente, antes centrada e calculista, agora parece desmoronar em um turbilhão de emoções. Ele tenta acalmar os pensamentos, tenta diminuir a respiração, concentrar-se. Bel está cada vez mais perto do portão. Rapidamente, ele mira na perna esquerda dela. Força a soleira da arma contra o ombro, começa a flexionar o dedo no gatilho; sua respiração acelera, o coração quase explodindo; solta o gatilho, abaixa o fuzil.
- Bel Yagami! Por favor, eu te suplico! Não me force a fazer isso. Eu...
Um brilho intenso surge no céu. Todos os sons cessam. A luminosidade engole tudo em sua frente. Maestro e Davi, instintivamente, fecham os olhos e se lançam ao chão. Assustada, Bel protege o rosto e começa a correr. Um violento estrondo faz o chão tremer. Assustada, ela se joga aos pés do portão. Uma onda de choque titânica engole Nova Esperança e rapidamente atinge a muralha do Ninho do Gavião, estraçalhando os pesados blocos de granito que a formam e derrubando o pesado portão de ferro. Uma esfera de fogo gigantesca consome o que restou da cidade.
https://www.facebook.com/engenhariareversalivroDentro do pátio repleto de cadáveres, Bel e Davi estão lado a lado. Um pouco mais afastado, Maestro está apoiado no chão, examinando algo. Bel observa detalhadamente o grande portão de ferro, notando que o mesmo está entreaberto. Davi olha com interesse para a entrada da torre de controle; bem na frente da porta, ele percebe um punhado de rifles espalhados pelo chão, a maioria ao lado dos corpos de seus antigos donos.
Davi dá alguns passos na direção da torre, para por um segundo, olha de relance para Bel que agora observa uma imensa coluna de fumaça proveniente da cidade.
- Ei! Acho que devemos voltar lá pra cima. Procurar um rádio e tentar contactar os brasilianos para saber quanto tempo eles vão demorar para chegar aqui. E também podemos procurar alguma ferramenta para tentar tirar esse capacete da sua cabeça, o que você acha?
Ela permanece calada, pensativa. Volta o olhar para o portão, seu impulso e avançar até ele e prosseguir para Nova Esperança, porém, se vira para Davi, precisa saber se ele vai acompanhá-la ou se vai prosseguir para o Brasil. Subitamente, nota a mochila verde oliva nas costas do rapaz; a lembrança de onde a viu pela última vez volta rapidamente à mente.
- Davi, por que você fez isso?
- Fiz o quê? - ele a encara, perplexo. - Você ouviu o que eu disse? A gente tem que voltar lá pra cima! E outra, acho uma boa ideia colocar as mãos naquelas armas.
Bel não se move, franze a testa e fixa o olhar no rosto do biohacker.
- Por que você pegou o o cristal de dados?
- O quê? Ah! O Datacrys? - ele abre um sorriso convencido. - É só uma garantia, entende? Se tudo der errado pelo menos não vou sair com as mão abanando.
O olhar de reprovação dela não surte nenhum efeito.
- Vem, vamos logo lá pra cima!
- Davi, esse cristal pertence ao povo de Nova Esperança, pertence aos sobreviventes dessa tragédia toda que nós trouxemos para cá!
O biohacker dá de ombros, seguindo em direção aos rifles espalhados no chão. Bel mexe a cabeça em uma negativa. Nenhum dos dois nota que Maestro está perto, e que porta um fuzil.
- Fim do assunto. Você vem ou não?
Bel espera alguns segundos, fitando o rapaz com uma expressão compadecida.
- Apesar de tudo, não achei que iríamos terminar assim.
- Terminar assim? O que diabos quer dizer com isso? Que eu saiba, nós já terminamos faz um tempão! - Ele se aproxima de um rifle. - Agora, temos é que nos proteger! Não vê que ficar aqui embaixo é perigoso? Não temos certeza de que a VNR se foi e ainda podem ter soldados espalhados por aí.
Ele se abaixa e pega com cuidado na empunhadura do rifle, levantando a arma do chão.
- Pare aí mesmo, Davi - a voz grave e seca de Maestro faz o rapaz se virar bruscamente. - Largue a arma.
- Como é? Enlouqueceu? - protesta Davi, surpreso.
- Você me ouviu bem. Largue a arma e levanta-se.
- Ei! Que diabos você tá fazendo, Maestro? - grita Bel, indignada.
O armador devolve um olhar frio, automaticamente, aponta o fuzil para Davi.
- Voltem os dois para a torre. Fiquem lá até os brasilianos chegarem. Eu vou montar guarda aqui fora, garantir que tudo vai correr bem.
Davi aquiesce com a cabeça, larga a arma e retrocede para junto de Bel, que por sua vez aproxima-se de Maestro com um olhar desafiador. Instintivamente, ele aponta o fuzil para ela.
As pupilas de Bel se dilatam, ela não consegue acreditar no gesto de Maestro.
- Então... é isso? É assim que acaba? Agora é você que vai nos manter prisioneiros? - questiona com a voz trêmula.
Maestro percebe os olhos da biocomputador ficarem marejados.
- Você concordou com o plano, Bel, concordou em ir para o Brasil. Você sabe que somente lá estará segura. Agora, por favor, não faça nada estúpido e vá para a torre. O resgate já deve estar chegando.
Bel ergue a cabeça, controla a vontade de chorar e cresce na frente dele.
- Não. Eu te avisei, eu não vou para o Brasil. Eu não vou me tornar uma arma de guerra e causar mais destruição e morte. Vou fazer o que é certo.
- E o que é o certo, Bel? Olhe a sua volta! Todas essas mortes, tudo que passamos até aqui, tudo isso precisa acabar! E a única forma é com a sua ajuda! Nenhuma das mortes foi em vão, mas se você não for comigo para o Brasil tudo que aconteceu até agora não valerá de nada! Nada!
Uma lágrima corta o rosto de Bel. Maestro engole seco, mas mantém a mira nela. Olhos nos olhos. Após um silêncio desconcertante, e ela quem fala:
- O certo é salvar nossos amigos. É isso que vou fazer, com ou sem a ajuda de vocês. Esse mundo está perdido, e não sou e nem o seu exército que vai salvá-lo.
Bel dá as costas para Maestro. Espera alguns segundos e então começa a avançar na direção do portão. Ao passar por Davi, ele a segura pelo braço, puxando-a para perto de si.
- Yagami! Você enlouqueceu de vez ? Não é possível! Deve ser essa coisa aí na sua cabeça! Você acha que vai durar quanto tempo nesse inferno? Eles vão fazer você em pedacinhos ou coisa pior! Cai na real, por favor!
- Me largue, seu imbecil! - Com um empurrão no peito de Devi, ela se solta, então, por alguns segundos, crava os olhos em Maestro.
- Faça o que quiser. Faça o que o seu coração, ou a sua cabeça, achar correto.
Com passos decididos, Bel avança em direção ao portão. Ela esfrega o rosto com raiva, enxugando as lágrimas. Suprime o desejo de olhar para trás, se esforça para não chorar, lutando para se manter firme, e consegue.
Maestro sente o peito palpitar. Sua mente, antes centrada e calculista, agora parece desmoronar em um turbilhão de emoções. Ele tenta acalmar os pensamentos, tenta diminuir a respiração, concentrar-se. Bel está cada vez mais perto do portão. Rapidamente, ele mira na perna esquerda dela. Força a soleira da arma contra o ombro, começa a flexionar o dedo no gatilho; sua respiração acelera, o coração quase explodindo; solta o gatilho, abaixa o fuzil.
- Bel Yagami! Por favor, eu te suplico! Não me force a fazer isso. Eu...
Um brilho intenso surge no céu. Todos os sons cessam. A luminosidade engole tudo em sua frente. Maestro e Davi, instintivamente, fecham os olhos e se lançam ao chão. Assustada, Bel protege o rosto e começa a correr. Um violento estrondo faz o chão tremer. Assustada, ela se joga aos pés do portão. Uma onda de choque titânica engole Nova Esperança e rapidamente atinge a muralha do Ninho do Gavião, estraçalhando os pesados blocos de granito que a formam e derrubando o pesado portão de ferro. Uma esfera de fogo gigantesca consome o que restou da cidade.
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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.
Engenharia Reversa
Parte XXXVI - Sayonara
Placas quadradas de metal cromado movendo-se vagarosamente em linha reta, são tudo que Amanda consegue ver. Ela sente um leve tremor, sente que está em movimento. Tenta mexer os braços e as pernas, então, olha de relance e percebe que estão presos por algemas magnéticas, fechadas em seus pulsos e tornozelos. As placas no teto não lhe são estranhas, e logo ela reconhece que é o teto da Quimera, uma das naves secretas da VNR, e uma que ela conhece muito bem, pois a comandou durante muitos anos.
Move a cabeça para um lado, vê as paredes lisas e brancas, com traçados geométricos esculpidos na liga de flex-metal formando padrões. Grandes Lâmpadas de led em formato losangular, fixadas nas paredes, produzem uma fraca luz amarelada. Ela força a memória, mas suas terminações nervosas estão letárgicas. Seus bio-processadores não conseguem trabalhar com precisão, como se estivessem perdidos em um nevoeiro, um nevoeiro dentro do CND.
Ouve passos: botas de combate contra o piso de borracha, bem próximos, ecoando nas placas de flex-metal. Vê quatro homens, dois mais à frente, dois ao seu lado. Três são soldados de elite da corporação, mas o quarto é Freja Gunlar, facilmente reconhecido pela elevada estatura e pelas roupas reflexivas. De alguma maneira, o som forte das pisadas desperta uma conexão sináptica em um único microchip do CND de Amanda, que então começa a aquecer, a trabalhar buscando eficiência, opondo-se à letargia eletrônica que domina seu cérebro e corpo. O chip produz uma fagulha, e em milésimos de segundos ela percorre a imensa rede neural dentro do cérebro positrônico, criando um turbilhão de atividades elétricas. Amanda sente um impulso feroz, que se transforma em raiva, ira, e por fim em desespero. Ela grita.
- Pode berrar o quanto quiser, Makarim, ninguém vai te escutar - vangloria-se Freja.
Amanda percebe o cabo de dados conectado ao CND; detecta um programa hostil, "O que é isso?". Agora, a lembrança surge cristalina como água: instalaram em seu sistema um aplicativo bloqueador. Toda vez que tenta mexer uma perna ou um braço, o software corta as transmissões elétricas nos tendões artificiais; toda vez que tenta acessar à rede local da Quimera, uma barreira digital bloqueia sua conexão. É inútil lutar. Mas o programa deixa passar a dor, uma dor aguda que castiga suas partes orgânicas. Então ela se lembra do momento em que arrancaram sua armadura, removendo à força as placas de aço temperado, provocando lacerações em sua carne e buracos em suas partes metálicas. Impotente, ela sente a ira diminuir. "Então é assim? É assim que vai ser o fim?".
- Por quê?
Subitamente, os guardas ao redor da maca flutuante param por um instante, fazendo a maca também parar. Eles observam Amanda com curiosidade. Alguns sentem pena por ela, outros gostam de vê-la daquele jeito. Contudo, rapidamente voltam a andar quando Freja os encara com rosto fechado e a testa franzida. O nórdico aproxima-se de Amanda, cruzando seu olhar com o dela:
- Deve ser bem difícil, imagino eu, saber que sua luta foi inútil, que você foi descartada por seus chefes como uma peça velha, uma máquina ultrapassada, afinal, é isso que você é agora, certo? Uma máquina avariada - por um segundo sente pena, que logo é substituída por desprezo. - Patético. Acho que nunca passou pela sua cabeça, Amanda, que no fundo você é somente mais uma propriedade, mais um ativo da companhia, e como tal, depreciou-se e perdeu valor - ele chega mais perto e cutuca com o dedo a cabeça dela -, mas esse cérebro aqui, essa pequena joia cibernética, isso aqui ainda vale muito, especialmente pra mim.
Amanda sente as feridas arderem, o corpo todo dolorido, quebrado. Estreita o olhar para Freja, suplicante.
- Por favor... eu... eu fiz o possível. Eu dei minha vida pela VNR - ela geme de dor. - Lamento muito ter falhado... Misericórdia.
- Ah, entendi! Não usaram criogel nas suas feridas? - responde Freja, zombeteiro.
Amanda tosse, revira os olhos e volta a encarar o diretor da UNI-Tron:
- Me mate logo de uma vez. Seria o mínimo, seria... uma cortesia profissional.
Freja ri, debochado.
- Você está falando sério? Cortesia profissional? Coloque-se no seu lugar! Você era, no máximo, uma subalterna, e o pior: incompetente! Falhou miseravelmente em cumprir uma missão relativamente simples. Cortesia?! A única cortesia que você terá direito será uma morte dolorosa e prolongada!
- Desgraçado, covarde! Se eu... se eu não estivesse presa...
- Ora essa! Se não estivesse presa faria o quê? Você sabe quem eu sou? Sabe o poder que detenho? Basta eu estalar os dedos e todos os soldados dessa nave vão te encher de bala! E suas placas cromadas não consegue parar munição supersônica! Agora, cale-se e aceite o inevitável: você já era! E cale essa boca, ou eu mesmo dou um jeito em você - ele segura na arma alojada em um coldre em sua perna direita, certificando-se de que sua prisioneira a viu.
Amanda engole seco, por dentro ela está apavorada, mas encara Freja com um olhar desafiador, ele apenas ri, virando o rosto.
A comitiva chega ao seu destino, a ala médica da nave. Um homem de meia idade, vestido com um jaleco branco e usando amplificadores óticos, está parado sob o arco da porta mecânica.
- Senhor, bem vindo, todos os equipamentos estão prontos e calibrados, a equipe a postos.
- Vamos logo com isso - responde Freja, indicando para os soldados moverem a maca flutuante para um local específico, demarcado através de faixas amarelas pintadas no chão, bem embaixo de uma máquina cilíndrica e repleta de braços mecânicos, pendente do teto.
Os soldados terminam de posicionar a maca de Amanda, então seguem para a porta, onde montam guarda.
O médico e o nórdico se dirigem para um grande terminal de computador, no outro lado sala, onde são saudados por um pequeno grupo de cientistas. Freja coloca seus braços nos ombros de dois colegas, começa a falar animado:
- Senhores, em breve vamos decodificar o PBS Mark III, o melhor modelo de cérebro positrônico-biológico criado pela VNR. Como vocês sabem, restaram somente dois, e um deles está ali, do outro lado da sala, a nossa espera!
Os cientistas aplaudem e tecem elogios ao diretor global da UNI-Tron, que continua:
- Hoje, vamos dar início a toda uma nova geração de soldados. Mais velozes, mais eficientes, mais inteligentes, que vão transformar a UNI-Tron na maior força militar privada em operação no planeta! Logo, não estaremos mais ligados ao controle da GFA e a Autoridade Corporativa. Em breve me tornarei o CEO supremo da VNR, e vou unificá-la com a UNI-Tron, tornando-a nossa produtora exclusiva de tecnologia e apoio logístico.
Os aplausos voltam ainda mais fortes e eufóricos, fazendo os olhos de Freja Gunlar brilharem. Enquanto isso, na maca do outro lado da sala, Amanda contorce-se e tenta pela enésima vez se soltar, mas novamente é frustrada pelo programa bloqueador. Sua memória vai longe, mostrando o tempo em que foi verdadeiramente feliz, ao lado de sua família. Então, subitamente, uma voz invade seu cérebro, uma voz que ela de imediato reconhece.
"Lamento que as coisas tenham chegado a esse ponto, Amanda".
"Senhor Nakashima! Achei que o senhor me queria morta..."
O velho ri.
"Eu apenas estava fazendo o meu papel.".
"Como conseguiu entrar no meu CND? O que deseja de mim?".
"Ora! Eu ainda sou o líder supremo dessa corporação!".
"Senhor Nakashima, eu... eu sinto muito pela missão, sei que desculpas não valem nada nesse caso, mas sinceramente sinto muito.".
"Escute aqui, Amanda, infelizmente não podemos tecer nosso destino, não podemos controlar a tudo e a todos. O poder é apenas uma ilusão, e eu demorei muito para perceber isso.".
"Talvez, talvez o senhor tenha razão. Mas se não fosse o seu poder e a sua influência, eu não teria chegado até aqui. Sinto-me envergonhada por trair sua confiança. Eu estive muito perto de capturar a EBC-25, realmente não sei o que aconteceu. Talvez minha morte seja merecida; eu o desonrei, desonrei a corporação, desonrei a mim mesma.".
"Simplesmente não era para ser, Amanda. Entenda uma coisa, quando Masayoshi Ikeda decidiu usar Bel Yagami como isca para obter o KDCode, ele iniciou uma cadeia de eventos que indubitavelmente culminará com a chegada de Bel ao Brasil. Nós mantivemos os EBC's sobre controle durante muito tempo, tempo de mais! Mas algo aconteceu, algo fora de nosso alcance, e agora Bel já deve saber o que ela é. Eu refleti muito sobre isso tudo, e a única conclusão a que cheguei é que o destino quer que seja assim, e contra ele, minha cara, nenhum poder criado pelo homem tem a menor chance, prova disso, foram suas inúmeras falhas.".
"Senhor, desculpe-me, mas isso soa absurdo. Não existe lógica no que o senhor acabou de dizer. Yagami escapou devido a minha incapacidade em capturá-la, devido a minha falha. Não entendo, o que senhor deseja de mim? Estou completamente derrotada, não posso ajudá-lo.".
"Talvez um dia você me entenda, Amanda, talvez. Mas você ainda não falhou completamente. Estou aqui para lhe dar a sua última missão.".
Amanda arregala os olhos, surpresa com as palavras de Nakashima, ele continua:
"Ainda existem coisas que estão sobre meu controle. Escute, com a nossa falha em capturar Yagami, Freja vai assumir o controle da VNR. Além disso, como você já deve saber, ele vai remover seu cérebro positrônico para usar em algo nefasto. Indubitavelmente, ele vai transformar a VNR em uma corporação militar, destruindo todo o legado milenar da minha família, então ele se aliará ao Conglomerado Oriental; a GFA será enfraquecida e destruída por dentro, Vetrusa não terá forças para conter o avanço de Freja e seus aliados russos. E eu tenho que detê-lo; é aí que você entra.".
Os cientistas começam a se mover em direção à maca, liderados por Freja e pelo médico com os amplificadores óticos.
"Mas, senhor, o que eu posso fazer? Estou incapacitada, a beira da morte. E eles... eles estão se aproximando...",
"Makarim, ainda sou o líder supremo da VNR, e como eu já disse antes, gosto de você, sempre gostei. O programa bloqueador que instalaram no seu CND foi neutralizado. As algemas magnéticas estão desligadas. Como sua ultima missão, mate Freja Gunlar. Depois você terá cinco minutos para escapar da Quimera, prepare-se para marcar em seu cronômetro, assim que findar esse tempo, vou explodir a nave. Sayōnara, Amanda Makarim, Rainha de Fogo. Marque o tempo agora!".
"Nakashima Sempai!".
A voz desaparece por completo. Ela ativa o cronômetro regressivo em seu CND.
Cinco cientistas rodeiam a maca, cada um deles conectado ao corpo de Amanda através de seus CND's. O médico posiciona-se ao lado da cabeceira, bem diante do rosto da ciborgue. Ele a observa com seus amplificadores óticos, que se movem para frente e para trás, esquadrinhando o crânio da Rainha de Fogo. Ao lado do médico, Freja puxa da parede um console móvel, então digita nele alguns comandos que fazem a máquina cheia de braços, presa no teto, começar a descer sobre a prisioneira. Os braços mecânicos desdobram-se, revelando em suas pontas o que parecem ser bisturis afiadíssimos.
- Os batimentos dela estão acelerando - grita um dos cientistas.
- Ei! Isso não deveria acontecer! Também estou detectando atividade cerebral acima do normal. O neuro-bloqueador deveria mantê-la calma e passiva! - responde o médico, esticando os amplificadores para uma análise mais precisa.
- Tem algo errado! - vocifera outro cientista.
Amanda sente o sangue acelerar em suas veias, a energia fluir em seus implantes. Ela fecha os punhos. Em um único movimento, levanta o tronco e rgue os braços, arrebentando as algemas magnéticas. Flexiona o braço direito e acerta um cruzado no rosto do médico, seus amplificadores óticos afundam no crânio, perfurando o cérebro do homem de fora para dentro. Os outros cientistas correm para os lados, assustados. Amanda então solta as pernas e gira o corpo para a direita, pulando da cama. Na frente dela, Freja arregala os olhos e escancara a boca:
- Mas como! Como você conseguiu escapar!?
- Seiji Nakashima manda lembranças!
- Guardas!
Com a habilidade de um felino, Amanda salta sobre Freja, derrubando-o no chão com brutalidade. Em cima dele, ela o imobiliza com suas coxas, então, flexiona o braço esquerdo para cima, fecha o punho e mira o rosto de Freja. Ele tenta se soltar, move as pernas para cima e chuta as costas de Amanda.
- Solte-me! Sua desgraçada! Solte-me agora!
Amanda vê de relance os soldados correndo na direção dos dois, rifles em punho e apontados para ela.
Os chutes de Freja não surtem nenhum efeito, e logo ele se cansa. Ela desarma o soco que estava prestes e desferir e, com as duas mãos, agarra o pescoço do homem, apertando-o com força.
- Você... você está me sufocan...
- Parem aí mesmo! - Amanda grita para os guardas. - Ou eu quebro o pescoço dele.
Atônitos, os homens obedecem. A Rainha de Fogo, com um rápido movimento, coloca-se de pé levantando Freja pelos cabelos. Ela gira o corpo do nórdico colocando-o de costas e então envolve o pescoço dele com o braço esquerdo, aplicando uma gravata.
- Atirem nela, seus idiotas! Atirem na cabeça!
Os soldados não sabem o que fazer, ficam paralisados mirando em Amanda, mas temem acertar seu comandante. Ela move velozmente a mão livre e puxa a pistola do coldre fixado na perna de Freja, arrebentando a trava de segurança, então, mira no soldado mais próximo e puxa o gatilho; a bala acerta em cheio o peito do homem, e com o impacto, ele é lançado para trás.
- Seus imbecis! Revidem! Acabem com ela!
Amanda acerta um chute na perna de Freja, derrubando-o. Dispara a pistola, move o braço alguns centímetros, dispara novamente. Os dois soldados restantes estão mortos. Se volta para os cientistas, todos estão deitados no chão, apavorados.
Freja se vira, ficando de frente para Amanda, encarando-a aturdido:
- Tudo bem, tudo bem. Diga o que você quer! Mas por favor não me mate! Eu posso... eu posso torná-la rica, posso fazer você sumir do mapa e te dar a vida que sempre sonhou!
Amanda confere o cronometro: faltam três minutos.
- Não quero nada de você, seu miserável.
Ela aponta a pistola para o nórdico, que começa a se arrastar pelo chão em direção à porta.
- Por favor, misericórdia, misercórdia! - ele suplica.
Amanda puxa o gatilho. A bala atinge a cabeça de Freja, rachando-a ao meio e espalhando massa encefálica pelo piso de borracha.
- Missão cumprida.
Ela corre até o corpo de um dos soldados e apanha o rifle supersônico ao lado dele, largando a pistola. Cautelosa, atravessa a porta e então acelera, percorrendo em disparada o corredor. As luzes amarelas nas paredes tornam-se vermelhas, e uma sirene de alerta irritante se faz ouvir em alto volume. Técnicos e soldados começam a encher o corredor, muitos sem entender o que está acontecendo. Amanda abre caminho em meio a multidão, derrubando homens e mulheres; desesperada, ela verifica o cronômetro.
Seiji Nakashima visualiza o relógio digital em suas retinas. Ele está ajoelhado, as mãos sobre as coxas, contemplando a desolação. Calmamente, coloca-se de pé e anda até a mesinha na sua frente. Com as duas mãos, levanta a katana de seu suporte. Volta a se ajoelhar, apoia o cabo da espada na terra, coloca a ponta da lâmina em sua barriga; "Enfim, o descanso e a honra.". Ele aperta com firmeza o meio da lâmina, usando as duas mãos e sentindo o aço cortar-lhe os dedos. Finalmente, com um movimento rápido, força o abdômen contra a lâmina, que corta a carne com perfeição, atingindo os órgãos internos e perfurando-os. Seije sente um gosto ferroso na boca. Ele fecha os olhos e mentaliza um comando.
A Quimera se transforma em uma bola de fogo. Um estrondo aterrorizante corta o ar em todas as direções. A onda de choque atinge o corpo de Seije, arrastando-o por dezenas de metros, então, as chamas o alcançam e o consomem. Seije Nakashima, o patriarca e supremo líder da Vieira & Nakashima Robotics, é incinerado.
Uma imensa nuvem em formato de cogumelo se forma onde antes a grande nave da VNR estava pousada.
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Ouve passos: botas de combate contra o piso de borracha, bem próximos, ecoando nas placas de flex-metal. Vê quatro homens, dois mais à frente, dois ao seu lado. Três são soldados de elite da corporação, mas o quarto é Freja Gunlar, facilmente reconhecido pela elevada estatura e pelas roupas reflexivas. De alguma maneira, o som forte das pisadas desperta uma conexão sináptica em um único microchip do CND de Amanda, que então começa a aquecer, a trabalhar buscando eficiência, opondo-se à letargia eletrônica que domina seu cérebro e corpo. O chip produz uma fagulha, e em milésimos de segundos ela percorre a imensa rede neural dentro do cérebro positrônico, criando um turbilhão de atividades elétricas. Amanda sente um impulso feroz, que se transforma em raiva, ira, e por fim em desespero. Ela grita.
- Pode berrar o quanto quiser, Makarim, ninguém vai te escutar - vangloria-se Freja.
Amanda percebe o cabo de dados conectado ao CND; detecta um programa hostil, "O que é isso?". Agora, a lembrança surge cristalina como água: instalaram em seu sistema um aplicativo bloqueador. Toda vez que tenta mexer uma perna ou um braço, o software corta as transmissões elétricas nos tendões artificiais; toda vez que tenta acessar à rede local da Quimera, uma barreira digital bloqueia sua conexão. É inútil lutar. Mas o programa deixa passar a dor, uma dor aguda que castiga suas partes orgânicas. Então ela se lembra do momento em que arrancaram sua armadura, removendo à força as placas de aço temperado, provocando lacerações em sua carne e buracos em suas partes metálicas. Impotente, ela sente a ira diminuir. "Então é assim? É assim que vai ser o fim?".
- Por quê?
Subitamente, os guardas ao redor da maca flutuante param por um instante, fazendo a maca também parar. Eles observam Amanda com curiosidade. Alguns sentem pena por ela, outros gostam de vê-la daquele jeito. Contudo, rapidamente voltam a andar quando Freja os encara com rosto fechado e a testa franzida. O nórdico aproxima-se de Amanda, cruzando seu olhar com o dela:
- Deve ser bem difícil, imagino eu, saber que sua luta foi inútil, que você foi descartada por seus chefes como uma peça velha, uma máquina ultrapassada, afinal, é isso que você é agora, certo? Uma máquina avariada - por um segundo sente pena, que logo é substituída por desprezo. - Patético. Acho que nunca passou pela sua cabeça, Amanda, que no fundo você é somente mais uma propriedade, mais um ativo da companhia, e como tal, depreciou-se e perdeu valor - ele chega mais perto e cutuca com o dedo a cabeça dela -, mas esse cérebro aqui, essa pequena joia cibernética, isso aqui ainda vale muito, especialmente pra mim.
Amanda sente as feridas arderem, o corpo todo dolorido, quebrado. Estreita o olhar para Freja, suplicante.
- Por favor... eu... eu fiz o possível. Eu dei minha vida pela VNR - ela geme de dor. - Lamento muito ter falhado... Misericórdia.
- Ah, entendi! Não usaram criogel nas suas feridas? - responde Freja, zombeteiro.
Amanda tosse, revira os olhos e volta a encarar o diretor da UNI-Tron:
- Me mate logo de uma vez. Seria o mínimo, seria... uma cortesia profissional.
Freja ri, debochado.
- Você está falando sério? Cortesia profissional? Coloque-se no seu lugar! Você era, no máximo, uma subalterna, e o pior: incompetente! Falhou miseravelmente em cumprir uma missão relativamente simples. Cortesia?! A única cortesia que você terá direito será uma morte dolorosa e prolongada!
- Desgraçado, covarde! Se eu... se eu não estivesse presa...
- Ora essa! Se não estivesse presa faria o quê? Você sabe quem eu sou? Sabe o poder que detenho? Basta eu estalar os dedos e todos os soldados dessa nave vão te encher de bala! E suas placas cromadas não consegue parar munição supersônica! Agora, cale-se e aceite o inevitável: você já era! E cale essa boca, ou eu mesmo dou um jeito em você - ele segura na arma alojada em um coldre em sua perna direita, certificando-se de que sua prisioneira a viu.
Amanda engole seco, por dentro ela está apavorada, mas encara Freja com um olhar desafiador, ele apenas ri, virando o rosto.
A comitiva chega ao seu destino, a ala médica da nave. Um homem de meia idade, vestido com um jaleco branco e usando amplificadores óticos, está parado sob o arco da porta mecânica.
- Senhor, bem vindo, todos os equipamentos estão prontos e calibrados, a equipe a postos.
- Vamos logo com isso - responde Freja, indicando para os soldados moverem a maca flutuante para um local específico, demarcado através de faixas amarelas pintadas no chão, bem embaixo de uma máquina cilíndrica e repleta de braços mecânicos, pendente do teto.
Os soldados terminam de posicionar a maca de Amanda, então seguem para a porta, onde montam guarda.
O médico e o nórdico se dirigem para um grande terminal de computador, no outro lado sala, onde são saudados por um pequeno grupo de cientistas. Freja coloca seus braços nos ombros de dois colegas, começa a falar animado:
- Senhores, em breve vamos decodificar o PBS Mark III, o melhor modelo de cérebro positrônico-biológico criado pela VNR. Como vocês sabem, restaram somente dois, e um deles está ali, do outro lado da sala, a nossa espera!
Os cientistas aplaudem e tecem elogios ao diretor global da UNI-Tron, que continua:
- Hoje, vamos dar início a toda uma nova geração de soldados. Mais velozes, mais eficientes, mais inteligentes, que vão transformar a UNI-Tron na maior força militar privada em operação no planeta! Logo, não estaremos mais ligados ao controle da GFA e a Autoridade Corporativa. Em breve me tornarei o CEO supremo da VNR, e vou unificá-la com a UNI-Tron, tornando-a nossa produtora exclusiva de tecnologia e apoio logístico.
Os aplausos voltam ainda mais fortes e eufóricos, fazendo os olhos de Freja Gunlar brilharem. Enquanto isso, na maca do outro lado da sala, Amanda contorce-se e tenta pela enésima vez se soltar, mas novamente é frustrada pelo programa bloqueador. Sua memória vai longe, mostrando o tempo em que foi verdadeiramente feliz, ao lado de sua família. Então, subitamente, uma voz invade seu cérebro, uma voz que ela de imediato reconhece.
"Lamento que as coisas tenham chegado a esse ponto, Amanda".
"Senhor Nakashima! Achei que o senhor me queria morta..."
O velho ri.
"Eu apenas estava fazendo o meu papel.".
"Como conseguiu entrar no meu CND? O que deseja de mim?".
"Ora! Eu ainda sou o líder supremo dessa corporação!".
"Senhor Nakashima, eu... eu sinto muito pela missão, sei que desculpas não valem nada nesse caso, mas sinceramente sinto muito.".
"Escute aqui, Amanda, infelizmente não podemos tecer nosso destino, não podemos controlar a tudo e a todos. O poder é apenas uma ilusão, e eu demorei muito para perceber isso.".
"Talvez, talvez o senhor tenha razão. Mas se não fosse o seu poder e a sua influência, eu não teria chegado até aqui. Sinto-me envergonhada por trair sua confiança. Eu estive muito perto de capturar a EBC-25, realmente não sei o que aconteceu. Talvez minha morte seja merecida; eu o desonrei, desonrei a corporação, desonrei a mim mesma.".
"Simplesmente não era para ser, Amanda. Entenda uma coisa, quando Masayoshi Ikeda decidiu usar Bel Yagami como isca para obter o KDCode, ele iniciou uma cadeia de eventos que indubitavelmente culminará com a chegada de Bel ao Brasil. Nós mantivemos os EBC's sobre controle durante muito tempo, tempo de mais! Mas algo aconteceu, algo fora de nosso alcance, e agora Bel já deve saber o que ela é. Eu refleti muito sobre isso tudo, e a única conclusão a que cheguei é que o destino quer que seja assim, e contra ele, minha cara, nenhum poder criado pelo homem tem a menor chance, prova disso, foram suas inúmeras falhas.".
"Senhor, desculpe-me, mas isso soa absurdo. Não existe lógica no que o senhor acabou de dizer. Yagami escapou devido a minha incapacidade em capturá-la, devido a minha falha. Não entendo, o que senhor deseja de mim? Estou completamente derrotada, não posso ajudá-lo.".
"Talvez um dia você me entenda, Amanda, talvez. Mas você ainda não falhou completamente. Estou aqui para lhe dar a sua última missão.".
Amanda arregala os olhos, surpresa com as palavras de Nakashima, ele continua:
"Ainda existem coisas que estão sobre meu controle. Escute, com a nossa falha em capturar Yagami, Freja vai assumir o controle da VNR. Além disso, como você já deve saber, ele vai remover seu cérebro positrônico para usar em algo nefasto. Indubitavelmente, ele vai transformar a VNR em uma corporação militar, destruindo todo o legado milenar da minha família, então ele se aliará ao Conglomerado Oriental; a GFA será enfraquecida e destruída por dentro, Vetrusa não terá forças para conter o avanço de Freja e seus aliados russos. E eu tenho que detê-lo; é aí que você entra.".
Os cientistas começam a se mover em direção à maca, liderados por Freja e pelo médico com os amplificadores óticos.
"Mas, senhor, o que eu posso fazer? Estou incapacitada, a beira da morte. E eles... eles estão se aproximando...",
"Makarim, ainda sou o líder supremo da VNR, e como eu já disse antes, gosto de você, sempre gostei. O programa bloqueador que instalaram no seu CND foi neutralizado. As algemas magnéticas estão desligadas. Como sua ultima missão, mate Freja Gunlar. Depois você terá cinco minutos para escapar da Quimera, prepare-se para marcar em seu cronômetro, assim que findar esse tempo, vou explodir a nave. Sayōnara, Amanda Makarim, Rainha de Fogo. Marque o tempo agora!".
"Nakashima Sempai!".
A voz desaparece por completo. Ela ativa o cronômetro regressivo em seu CND.
Cinco cientistas rodeiam a maca, cada um deles conectado ao corpo de Amanda através de seus CND's. O médico posiciona-se ao lado da cabeceira, bem diante do rosto da ciborgue. Ele a observa com seus amplificadores óticos, que se movem para frente e para trás, esquadrinhando o crânio da Rainha de Fogo. Ao lado do médico, Freja puxa da parede um console móvel, então digita nele alguns comandos que fazem a máquina cheia de braços, presa no teto, começar a descer sobre a prisioneira. Os braços mecânicos desdobram-se, revelando em suas pontas o que parecem ser bisturis afiadíssimos.
- Os batimentos dela estão acelerando - grita um dos cientistas.
- Ei! Isso não deveria acontecer! Também estou detectando atividade cerebral acima do normal. O neuro-bloqueador deveria mantê-la calma e passiva! - responde o médico, esticando os amplificadores para uma análise mais precisa.
- Tem algo errado! - vocifera outro cientista.
Amanda sente o sangue acelerar em suas veias, a energia fluir em seus implantes. Ela fecha os punhos. Em um único movimento, levanta o tronco e rgue os braços, arrebentando as algemas magnéticas. Flexiona o braço direito e acerta um cruzado no rosto do médico, seus amplificadores óticos afundam no crânio, perfurando o cérebro do homem de fora para dentro. Os outros cientistas correm para os lados, assustados. Amanda então solta as pernas e gira o corpo para a direita, pulando da cama. Na frente dela, Freja arregala os olhos e escancara a boca:
- Mas como! Como você conseguiu escapar!?
- Seiji Nakashima manda lembranças!
- Guardas!
Com a habilidade de um felino, Amanda salta sobre Freja, derrubando-o no chão com brutalidade. Em cima dele, ela o imobiliza com suas coxas, então, flexiona o braço esquerdo para cima, fecha o punho e mira o rosto de Freja. Ele tenta se soltar, move as pernas para cima e chuta as costas de Amanda.
- Solte-me! Sua desgraçada! Solte-me agora!
Amanda vê de relance os soldados correndo na direção dos dois, rifles em punho e apontados para ela.
Os chutes de Freja não surtem nenhum efeito, e logo ele se cansa. Ela desarma o soco que estava prestes e desferir e, com as duas mãos, agarra o pescoço do homem, apertando-o com força.
- Você... você está me sufocan...
- Parem aí mesmo! - Amanda grita para os guardas. - Ou eu quebro o pescoço dele.
Atônitos, os homens obedecem. A Rainha de Fogo, com um rápido movimento, coloca-se de pé levantando Freja pelos cabelos. Ela gira o corpo do nórdico colocando-o de costas e então envolve o pescoço dele com o braço esquerdo, aplicando uma gravata.
- Atirem nela, seus idiotas! Atirem na cabeça!
Os soldados não sabem o que fazer, ficam paralisados mirando em Amanda, mas temem acertar seu comandante. Ela move velozmente a mão livre e puxa a pistola do coldre fixado na perna de Freja, arrebentando a trava de segurança, então, mira no soldado mais próximo e puxa o gatilho; a bala acerta em cheio o peito do homem, e com o impacto, ele é lançado para trás.
- Seus imbecis! Revidem! Acabem com ela!
Amanda acerta um chute na perna de Freja, derrubando-o. Dispara a pistola, move o braço alguns centímetros, dispara novamente. Os dois soldados restantes estão mortos. Se volta para os cientistas, todos estão deitados no chão, apavorados.
Freja se vira, ficando de frente para Amanda, encarando-a aturdido:
- Tudo bem, tudo bem. Diga o que você quer! Mas por favor não me mate! Eu posso... eu posso torná-la rica, posso fazer você sumir do mapa e te dar a vida que sempre sonhou!
Amanda confere o cronometro: faltam três minutos.
- Não quero nada de você, seu miserável.
Ela aponta a pistola para o nórdico, que começa a se arrastar pelo chão em direção à porta.
- Por favor, misericórdia, misercórdia! - ele suplica.
Amanda puxa o gatilho. A bala atinge a cabeça de Freja, rachando-a ao meio e espalhando massa encefálica pelo piso de borracha.
- Missão cumprida.
Ela corre até o corpo de um dos soldados e apanha o rifle supersônico ao lado dele, largando a pistola. Cautelosa, atravessa a porta e então acelera, percorrendo em disparada o corredor. As luzes amarelas nas paredes tornam-se vermelhas, e uma sirene de alerta irritante se faz ouvir em alto volume. Técnicos e soldados começam a encher o corredor, muitos sem entender o que está acontecendo. Amanda abre caminho em meio a multidão, derrubando homens e mulheres; desesperada, ela verifica o cronômetro.
Seiji Nakashima visualiza o relógio digital em suas retinas. Ele está ajoelhado, as mãos sobre as coxas, contemplando a desolação. Calmamente, coloca-se de pé e anda até a mesinha na sua frente. Com as duas mãos, levanta a katana de seu suporte. Volta a se ajoelhar, apoia o cabo da espada na terra, coloca a ponta da lâmina em sua barriga; "Enfim, o descanso e a honra.". Ele aperta com firmeza o meio da lâmina, usando as duas mãos e sentindo o aço cortar-lhe os dedos. Finalmente, com um movimento rápido, força o abdômen contra a lâmina, que corta a carne com perfeição, atingindo os órgãos internos e perfurando-os. Seije sente um gosto ferroso na boca. Ele fecha os olhos e mentaliza um comando.
A Quimera se transforma em uma bola de fogo. Um estrondo aterrorizante corta o ar em todas as direções. A onda de choque atinge o corpo de Seije, arrastando-o por dezenas de metros, então, as chamas o alcançam e o consomem. Seije Nakashima, o patriarca e supremo líder da Vieira & Nakashima Robotics, é incinerado.
Uma imensa nuvem em formato de cogumelo se forma onde antes a grande nave da VNR estava pousada.
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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.
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