Ed. Caligo, 2014 - 264 páginas: |
Quais são os limites da palavra escrita? Até onde um livro poderia invadir a sua zona de conforto? Aqui: realidade. Lá: fantasia. Seria assim tão fácil? Você está mesmo tão seguro? A LINHA TÊNUE, o mais recente livro de Rubem Cabral, se propõe exatamente a isso com 29 contos que fogem do comum, querendo escapar de suas páginas e ganhar as ruas do mundo real. Um trabalho de escrita ousado, experimental e, ainda assim, acessível e divertido, que deseja definitivamente conquistar seus neurônios.
Veja o preço:
A razão na corda bamba
Este é o último livro de uma série de livros da Caligo Editora que recebi de presente de minha querida amiga Bia Machado. Quero dizer aqui que ele não me surpreendeu, muito pelo contrário. Fui brindado com um livro de qualidade superior, não menos que excelente. Já esperava por isso – capa e edição caprichados são lugares-comuns na editora, assim como autores criativos e originais.
O livro A linha tênue (Caligo, 264 páginas) de Rubem Cabral, inexplicavelmente, mexe com a gente: de religião à fantasia, do policial ao corriqueiro, do horror à FC. Tudo se resume ao prazer de se finalizar cada conto com um sorriso no rosto ou com uma interrogação enorme no semblante (pura provocação que aceito sem restrições).
Iniciei a leitura do livro pensando em comentar um pouco de cada um dos contos e me deparava com pérolas que me faziam retornar à infância:
Putz... maior paulada não é mesmo? É difícil ler isso e não se emocionar ou se revoltar, principalmente se for da geração Z. E passeando lentamente por cada conto e cada verdade cheguei à conclusão que não conseguiria comentar um a um. Os contos eram tão instigantes e tão díspares que eu já estava escrevendo um outro livro só para explicá-los.
No momento estou boquiaberto. O prazer de ler contos desta natureza (e olha que tenho inúmeras restrições e dificuldades com contos, inclusive os do mestre Stephen King) não tem preço! Não fui cru em direção ao autor, já conhecia parte do trabalho organizado pelo mesmo na “Antologia de contos fantásticos” e fui novamente fisgado por suas palavras:
São trechos e mais trechos que me faziam reler palavra por palavra para degluti-los melhor, como a tradução da ausência:
Existem ótimas sacadas com frases bem construídas, provocativas, tapas na cara de uma sociedade hipócrita e dissimulada:
Como não se apaixonar pela escrita, como não se envolver, ainda mais quando o autor caminha por uma estrada de várias realidades em que Philip K.Dick reina lisergicamente absoluto:
A simplicidade de uma avó diante do inexorável:
A loucura descrita pela mente do próprio louco (ou seria o único de mente sã?):
E há mais... muito mais. Contos fugindo da estrada certa, ganhando atalhos, equilibrando-se entre razão e loucura, numa linha delicada que pode se romper. O autor Rubem Cabral é, sem sombra de dúvidas, um destes autores que continua oculto do grande público, o que é lamentável. Precisa ser reconhecido com urgência.
Só me senti assim quando li André Carneiro e Braulio Tavares pela primeira vez, ambos também se mantêm repousando em algumas bibliotecas, sem o devido reconhecimento.
Se recomendo? É lóóóóóógico que sim. Livro imperdível! Tomem conhecimento de mais um autor nacional com talento de sobra!
Este é o último livro de uma série de livros da Caligo Editora que recebi de presente de minha querida amiga Bia Machado. Quero dizer aqui que ele não me surpreendeu, muito pelo contrário. Fui brindado com um livro de qualidade superior, não menos que excelente. Já esperava por isso – capa e edição caprichados são lugares-comuns na editora, assim como autores criativos e originais.
O livro A linha tênue (Caligo, 264 páginas) de Rubem Cabral, inexplicavelmente, mexe com a gente: de religião à fantasia, do policial ao corriqueiro, do horror à FC. Tudo se resume ao prazer de se finalizar cada conto com um sorriso no rosto ou com uma interrogação enorme no semblante (pura provocação que aceito sem restrições).
Iniciei a leitura do livro pensando em comentar um pouco de cada um dos contos e me deparava com pérolas que me faziam retornar à infância:
“... Você encheu o balde de água e foi brincar nos fundos, perto do galinheiro... Não se importava com vermes nesta época, você saíra sem camisa, mas filtro solar também não existia. Crianças tinham lombrigas e tomavam purgante, se queimavam demais de Sol, viviam de joelhos esfolados e bochechas descascadas de tanto soltar pipa. Crianças eram crianças e não estas coisas pálidas e mimadas, que só conhecem a luz da TV e do computador...”
Putz... maior paulada não é mesmo? É difícil ler isso e não se emocionar ou se revoltar, principalmente se for da geração Z. E passeando lentamente por cada conto e cada verdade cheguei à conclusão que não conseguiria comentar um a um. Os contos eram tão instigantes e tão díspares que eu já estava escrevendo um outro livro só para explicá-los.
No momento estou boquiaberto. O prazer de ler contos desta natureza (e olha que tenho inúmeras restrições e dificuldades com contos, inclusive os do mestre Stephen King) não tem preço! Não fui cru em direção ao autor, já conhecia parte do trabalho organizado pelo mesmo na “Antologia de contos fantásticos” e fui novamente fisgado por suas palavras:
“— A meta da linguagem é a metalinguagem — pensou, em um último lampejo, já desconectado de qualquer sentido ou razão.”
São trechos e mais trechos que me faziam reler palavra por palavra para degluti-los melhor, como a tradução da ausência:
“Ainda nos primeiros dias em que fiquei só, uma dor forte no meu ombro esquerdo quase não me permitia levantar o braço. Logo descobri que a razão era a posição de deitar: que, inconscientemente, eu tentava abraçá-la e passava a noite com o corpo pesado sobre o braço. Meu corpo estranha a ausência dela.”
Existem ótimas sacadas com frases bem construídas, provocativas, tapas na cara de uma sociedade hipócrita e dissimulada:
“Na Avenida Mem de Sá, fieis da Assembleia de Deus dividiam uma marquise com os pecadores do centro espírita linha branca, de forma até respeitosa.
A chuva era por tudo isso democrática; ninguém deixava de se batizar com a água límpida que era aspergida dos céus, ninguém deixava de compartilhar um pouco de imundice também.”
A chuva era por tudo isso democrática; ninguém deixava de se batizar com a água límpida que era aspergida dos céus, ninguém deixava de compartilhar um pouco de imundice também.”
Como não se apaixonar pela escrita, como não se envolver, ainda mais quando o autor caminha por uma estrada de várias realidades em que Philip K.Dick reina lisergicamente absoluto:
“— Não, não sou você, seu idiota. Ao menos, não exatamente — ele riu. Sou as versões perdidas, de outras realidades, onde as coisas não aconteceram como você se recorda. Aquele muro que você se recusou a pular e por isto se safou de ser morto por um rottweiler, o atalho que você na última hora não tomou, escapando de ser violado e estrangulado com meros oito anos incompletos. Você é a versão com sorte, eu sou a soma de todas as outras. Afogado, estraçalhado, carbonizado. Infelizmente, este tipo de coisa, não me permitem esquecer.
... Hesitante, acabei por concordar. A criança me tocou o braço e percebi fatias geladas de melancia, rosto queimado de sol e melado de sorvete, moedas trocadas por dentes de leite sob o travesseiro, circo, gols, notas dez em matemática e redação, filhotes de cães, excursões escolares e bolos de aniversário passando céleres por meus olhos e deixando somente o vazio em seu lugar...”
... Hesitante, acabei por concordar. A criança me tocou o braço e percebi fatias geladas de melancia, rosto queimado de sol e melado de sorvete, moedas trocadas por dentes de leite sob o travesseiro, circo, gols, notas dez em matemática e redação, filhotes de cães, excursões escolares e bolos de aniversário passando céleres por meus olhos e deixando somente o vazio em seu lugar...”
A simplicidade de uma avó diante do inexorável:
“A porta com a pintura descascada protestou e rangeu. Entrei pela cozinha e a fragrância dela estava em todo lugar: um misto de alfazema, leite de rosas e sabonete Alma de Flores. ‘Não me deixem enterrar direto na terra, Cicinho. Não quero ficar lá num caixão que vá se encher de água quando chover e eu lá parada, lá dentro; presa me afogando...’”
A loucura descrita pela mente do próprio louco (ou seria o único de mente sã?):
“... Havia dias em que só queria berrar; tão alto e por tantas horas que nem mil injeções me interromperiam, que nem minhas cordas vocais feridas poderiam me impedir. Gritar por gritar, depois interromper de repente, sem ter ciência sequer da razão... Sabe, calmantes não funcionam comigo: os caras de branco não entendem, mas meu corpo, ele processa venenos. Eu poderia beber ácido de bateria se quisessem, aspirar fumaça direto do escapamento... comer chumbinho e achar graça do gosto... Acho que é o que acontece com todos nós; com os que ousaram transcender, com os que não se prendem mais às convenções castradoras que todos insistem em nos martelar nos miolos desde o dia em que somos cuspidos da carne de nossas mães. Eles nos trancam aqui porque nos invejam, porque ganhamos superpoderes.”
E há mais... muito mais. Contos fugindo da estrada certa, ganhando atalhos, equilibrando-se entre razão e loucura, numa linha delicada que pode se romper. O autor Rubem Cabral é, sem sombra de dúvidas, um destes autores que continua oculto do grande público, o que é lamentável. Precisa ser reconhecido com urgência.
Só me senti assim quando li André Carneiro e Braulio Tavares pela primeira vez, ambos também se mantêm repousando em algumas bibliotecas, sem o devido reconhecimento.
Se recomendo? É lóóóóóógico que sim. Livro imperdível! Tomem conhecimento de mais um autor nacional com talento de sobra!
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Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!
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