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17.8.17

Otelo [William Shakespare]

Otelo
Ed. Penguin Companhia, 2017 - 368 páginas:
- "Em Veneza, Otelo, um general mouro à serviço do Estado, conquista Desdêmona, uma jovem, filha de um nobre local. Após enfrentar a ira do pai e defender-se com sucesso contra a acusação de tê-la “enfeitiçado”, ele parte a Chipre em companhia da esposa para combater o inimigo turco-otomano. Lá, seu alferes, o manipulador Iago, consegue paulatinamente instilar na mente do mouro a suspeita de que Desdêmona o traiu. Otelo é a tragédia em que Shakespeare estudou os mecanismos da imaginação, da paixão e do ciúme."

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Nascido em 1564, na Inglaterra, William Shakespeare é simplesmente o escritor mais importante da história da literatura inglesa e, também, o mais influente dramaturgo do mundo. Se você nunca leu nenhuma de suas peças, com certeza já viu (ou leu) uma das inúmeras adaptações delas para o cinema, a televisão, o teatro, quadrinhos, novelas... A mais famosa delas, sem dúvida, é sobre a trágica desventura amorosa do casal Romeu e Julieta.

Mas a resenha de hoje é sobre uma outra obra de Shakespare que, como vocês vão ver mais a frente, influenciou até mesmo o nosso Machado de Assis.

Escrita por volta de 1603, Otelo, o mouro de Veneza é uma história sobre o mais corrosivo dos sentimentos humanos: o ciúme. Nosso protagonista é um engenhoso general mouro que serve a província de Veneza, no território que hoje conhecemos como a Itália. Ainda jovem, Otelo conhece a belíssima Desdêmoda, uma jovem da aristocracia veneziana, por quem o mouro se apaixona instantaneamente.

Ambos são de classes sociais e culturas diferentes, e isso é bastante ressaltado na peça. Otelo é um homem de pele escura, de fisionomia meio bárbara, enquanto Desdêmoda é alva, sofisticada e delicada. Mas apensar das diferenças (inclusive de idade), os dois acabam se apaixonando e, eventualmente, se casando.

Acontece que, enquanto mouro, Otelo possui diversos alferes, isto é, oficiais de menor patente sob seu comando. Um deles é o astuto e invejoso Iago, que nutre uma inveja latente por seu general comandante. Inconformado com o tratamento que Otelo lhe destina, Iago cobiça o cargo de tenente do mouro de Veneza, patente ocupada pelo melhor amigo de Otelo, Cássio, que é também seu conselheiro.

Me desculpem por dizer isso, mas Iago é simplesmente o melhor vilão da história da literatura. Pensa numa bicha vingativa e venenosa, dessas que causam intrigas e jogam uns contra os outros. Com certeza, vilãs consagradas como Nazaré Tedesco (de Senhora do Destino) e Paola Bracho (de A Usurpadora) tiveram muito a aprender com Iago.

William Shakespare

Na verdade, esse nosso antagonista é responsável por fazer dessa tragédia de Shakespare quase que uma comédia absoluta. Iago é extremamente astuto e sarcástico, e a forma como ele revela seus intentos é quase como a risada maligna de um cientista maluco em seu laboratório.

A trama da peça ganha força quando Iago decide colocar seu minucioso plano de vingança em prática. Seu alvo: a amizade de Otelo e Cássio, e o amor de Otelo por Desdêmoda. Ciente de que seu general é um homem de personalidade forte, Iago logo consegue fazer com que Otelo desconfie que seu melhor amigo e conselheiro, Cássio, vem flertando com Desdêmoda, a então esposa de Otelo.

Aqui a gente já tem a primeira grande crítica social que permeia essa peça de Shakespare. Apesar de ser tido como um homem virtuoso, honrado e de boa índole, Otelo guarda um profundo complexo de inferioridade por conta do seu tom de pele. Ele não só vem de uma cultura diferente de seus alferes, como também é fisicamente diferente em se comparado a eles. E Iago não só identifica essa fraqueza, como também passa usá-la para alimentar a desconfiança de Otelo em relação a Cássio, um legítimo veneziano, inteligente, branco e, portanto, muito mais digno do afeto e do interesse de Desdêmoda do que Otelo.

Apesar de sua boa índole e caráter, Otelo vem de uma cultura bastante extremista. De acordo com a sua tradição familiar, a esposa que trai seu marido não deve ser punida com um discurso conservador, mas com a própria morte e, a partir daí, vocês já podem imaginar porque essa peça é considerada uma tragédia.

Otelo

A história de Otelo e Desdêmoda já foi inspiração para diversas outras tramas envolvendo intrigas e traições na história da literatura. Um exemplo mais direto é a história de um tal Bentinho, completamente apaixonado por sua Capitu – cujos olhos são de cigana oblíqua e dissimulada – e, ao mesmo tempo, convencido de que sua amada mantém um caso com seu melhor amigo, Escobar. Sim, meus queridos: a peça de Shakespeare serviu como pano de fundo para uma das mais consagradas obras de Machado de Assis, tendo inclusive diversos estudos comparando as duas histórias.

O curioso sobre a tragédia do mouro de Veneza é que a peça toda se passa num período de mais ou menos quatro dias. Nesse tempo, Iago consegue fazer com a amizade de tantos anos entre Otelo e Cássio seja posta à prova com muita facilidade, compelindo o general estrangeiro a fazer justiça com suas próprias mãos. Isso é extremamente engraçado de perceber, isto é, como o ciúme às vezes é capaz de cegar a gente para situações que, ao primeiro olhar, parecem possíveis, mas que na verdade são absurdas!

Otelo é um herói trágico. Ele mesmo se impõe aos sofrimentos que vivencia, sobretudo pela questão da honra, que para ele é muito importante. Em contrapartida, Iago é um vilão astuto e mau-caráter, mas brilhantemente convincente. Chega a ser engraçada a forma como ele manipula os outros personagens – principalmente Otelo. Os diálogos criados por Shakespeare são deliciosos, e a leitura flui com extrema facilidade, apesar do vocabulário rebuscado.

William Shakespare

Vale a pena ressaltar que apesar de a figura do vilão estar concentrada em Iago, não é certo dizer que ele é o único responsável pela tragédia em que se encerra esta peça. Antes de tudo, o coração de Otelo já era um solo propício para que Iago plantasse a semente da maldade. Em resumo, essa peça retrata os mais corrosivos sentimentos que o ser-humano é capaz de abrigar dentro de si: o ciúme doentio, a inveja desregrada, o medo da traição e a honra posta acima do amor e da confiança – isso tudo de uma forma cômica e, ao mesmo tempo, trágica.

Sobre a edição da Penguin Companhia, só tenho elogios a fazer. A nova tradução ficou por conta de Lawrence Flores Pereira, professor da Universidade Federal de Santa Maria que fez um brilhante trabalho na recriação da linguagem grandiosa de Otelo e a prosa nefasta de Iago. Esta nova edição também conta com uma longa introdução e notas contextuais do tradutor, bem como de um ensaio de W. H. Auden, um dos grandes autores do século XX.


Thiago Oliveira
Leitor Preguiçoso, não sai de casa sem levar um livro, é sentimental, e só começa o dia depois de uma boa caneca de café.
Cortesia do Grupo Companhia das Letras
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16 comentários em "Otelo [William Shakespare]"

  1. Oi Thiago, mesmo não tendo lido uma obra literária de Shakespeare, eu o conheço, acho que não deve ter quem não o conheça e o ache talentoso, já vi algumas adaptações e conheço algumas de suas história, apesar de não ser fã. Nesse clássico que você tá resenhando o vilão parece ganhar destaque e achei graça de você achar graça dele rsrs, eu iria odiá-lo, vilões que ficam sussurrando desconfianças no ouvido são os piores e mocinhos que permitem isso acontecer também tem sua parcela de culpa nas tragédias como você bem disse.
    Ótima resenha ;)

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  2. Thiago!
    Otelo é mais um clássico Shakespeariano, uma pena que ainda não li nenhum dos livros dele, acredita?
    Gostei demais da sua análise detalhada, mostrando o vilão e o perfil do próprio Otelo.
    “Para cultivar a sabedoria, é preciso força interior. Sem crescimento interno, é difícil conquistar a autoconfiança e a coragem necessárias. Sem elas, nossa vida se complica. O impossível torna-se possível com a força de vontade.” (Dalai Lama)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE AGOSTO 3 livros, 3 ganhadores, participem.

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  3. Oi Thiago,
    Não tenho nenhum experiência com a escrita de Shakespare, mas já assisti a muitas adaptações de suas obra e adoro os enredos. A capacidade de um ser humano em induzir outro indivíduo por meio de uma fraqueza chega a ser assustadora, pois isso só mostra o quanto somos é frágeis e por muitas vezes manipuláveis. Otelo é uma história tão antiga, mas tem tanta coisa na trama que faz com que em pleno século XXI, seja possível ao leitor se identificar e se interessar pela história. A sagacidade de Iago é notável e digna de uma grande obra e fica difícil não admirar o vilão, quando o autor o desenvolveu tão brilhantemente. Como já li Dom Casmurro (e gostei muito) consigo ver as similaridades das duas obras e isso me deixa mais curiosa para ler Otelo.

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  4. Oi Thiago! Tudo bem?

    Não sei muito bem como expressar, mas fiquei extasiado com a obra porque eu não me imaginava atraído por um livro clássico dessa forma. Adorei as fotos, inclusive parece as que eu tiro para as resenhas do meu site, fora que o que você descreve sobre você é exatamente como sou. rsrs

    Coincidência total!

    Grande abraço,
    www.cafeidilico.com

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  5. Olá, Thiago.

    Ainda não nenhum livro do incomparável Shakespeare e sinto por isso.
    Adorei sua resenha e o modo como você descreveu o livro me fez querer lê-lo o mais rápido possível.
    Vou adicionar a lista e com certeza quero ler em breve.

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  6. Oi Thi,
    Ainda não li nada de Shakespeare. Um sacrilégio, eu sei. Preciso corrigir isso o mais rápido possível. Adorei a resenha e fiquei com vontade de ler Othelo. Ainda bem que editoras como a Penguin Companhia estão trazendo novas versões da obra do dramaturgo inglês.
    Abraços,
    André | Garotos Perdidos

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  7. Olá, Thiago
    Hum,Shakespare,já li algumas obras desse consagrado autor,minha preferida é "Sonhos de Uma Noite de Verão".
    Ainda não li Otelo,mas gostaria...vou ficar inconformada com ele como fico com Bentinho? rs
    Gostei da sua resenha,a descrição do Iago me intrigou.

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  8. OI Thiago.
    Eu ainda não tive o prazer de ler nada do Shakespare e isso confesso é uma vergonha para mim, já que faz tempo que desejo ler algo seu, mas enfim eu gostei da premissa de Otelo, é algo que eu normalmente não daria muito atenção, só por essa capa (sim, desculpa. Eu sou uma pessoa que julga pela capa) o fato que tem vilão já me chamou bastante atenção e parece ser algo que eu desfrutaria lendo.
    Bjs.

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  9. Ainda não li nenhuma obra do autor, mas conheço, é difícil não conhecer rs. Fiquei muito curiosa com esse vilão ardiloso, embora quando eles são tão detestáveis assim passo muito raiva com eles. Mostra muito como o ser humano é, qualquer fofoca já se dá ouvido e começam as intrigas.

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  10. Oi Thiago, tudo bom?
    Amei a sua resenha e devo dizer que Otelo é uma das minhas obras favoritas de Shakespare, gosto muito de ler e assistir as adaptações, hahahah amei o que disso do Iago "Pensa numa bicha vingativa e venenosa, dessas que causam intrigas e jogam uns contra os outros" realmente isso descreve o que ele é hahahaha, e o ciume é algo que deixa o ser humano descontrolado não é mesmo, capaz de fazer o que Otelo fez com sua amada Desdêmoda.
    Beijos *-*

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  11. Olá! Já conheço a história de Otelo, no entanto, ainda não tive a oportunidade de realizar a leitura do livro, sem dúvida é uma obra que enriquece e engrandece a cultura do leitor. Espero encontrar o momento certo para que possa me dedicar ao livro totalmente, pois tenho certeza que será preciso muita dedicação para terminar a leitura, mas valerá muito a pena.

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  12. Olá!
    Não conheço muito as obras de Shakespare, mas só no momento uma que eu sou muito apaixonada Romeu & Julieta, quem não conhece né.. Gostei bastante desse livro, te uma trama muito envolvente e gostei como você comparou as atrizes com essa personagen, pelo menos temos uma ideia de que a personagen e ruim de sangue frio em...

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  13. Adoro as obras de Shakespare, e com Otelo não é diferente.
    Ele criou personagens fantásticos, e Iago é realmente um vilão muito vingativo haha
    Ótima resenha!

    beijinhos

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  14. Oi, Thiago!
    Do William Shakespare li apenas Romeu e Julieta, Sonho de uma noite de verão e A megera indomável, e apesar de ter gostado dos três nunca me interessei em ler Otelo, mas li Dom casmuro e não sabia que o Machado de Assis se inspirou em Otelo para escrever a história de Bentinho e Capitu, aliás, até hoje nunca me conformei com o final de Dom Casmuro, imagine então se eu fosse ler a tragédia de Otelo?!

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  15. Oi, Thiago!!
    Gostei muito da resenha e sou louca para ler alguma obra de William Shakespeare, até o momento só li adaptações das suas obras. Como Romeu e Julieta e A megera indomável. Sem dúvida adoraria ler Otelo, e descobrir mais sobre esse vilão que bate todos os vilões da estória.
    Bjoss

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  16. Nossa, melhor vilão da história?
    Fiquei curiosa demais! Não conhecia a história, só o nome mesmo e é ainda mais legal que haja outra história também tão conhecida que foi inspirada nela.

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