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27.6.14

Diga aos Lobos que Estou em Casa [Carol Rifka Brunt]

Ed. Novo Conceito, 2014 - 464 páginas:
      1987. Só existe uma pessoa no mundo inteiro que compreende June Elbus, de 14 anos. Essa pessoa é o seu tio, o renomado pintor Finn Weiss. Tímida na escola, vivendo uma relação distante com a irmã mais velha, June só se sente “ela mesma” na companhia de Finn; ele é seu padrinho, seu confidente e seu melhor amigo. Quando o tio morre precocemente, o mundo da garota desaba. Porém, a morte de Finn traz uma surpresa para a vida de June – alguém que a ajudará a curar a sua dor e a reavaliar o que ela pensa saber sobre Finn, sobre sua família e sobre si mesma.  


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O peso que a ausência carrega

Livro todo construído em cima de sentimentos profundos, por isso minha lentidão, por isso várias releituras, por isso tanta intensidade ao me expressar. Diga aos lobos que estou em casa (Novo Conceito, 464 páginas) é um daqueles livros que a gente se apaixona de cara. Desde o título até o belo trabalho gráfico. A autora era pra mim uma incógnita e eu tenho aquela comichão para me arriscar em novas empreitadas, então subi ao trapézio, sem redes em baixo. E não me arrependi em momento algum.

June ou “Crocodilo”, como queiram, vive em função de seu padrinho Finn, o único que a compreende, seu confidente, seu melhor e único amigo (pelo menos que ela queira). Garota tímida, não se dá bem nos contatos que faz, nem nas festas as quais participa, por isso as evita:

“... para mim, não há festas boas. Fico bem com uma ou duas pessoas, mas mais do que isso e eu viro um rato-toupeira-pelado. Essa é a sensação de ser tímida... Alguém me faz uma pergunta e eu fico olhando para a pessoa, sem expressão, meu cérebro congestionado com a força que estou fazendo para tentar encontrar algo interessante a dizer. E, no final, tudo o que consigo fazer é balançar a cabeça para cima e para baixo ou encolher os ombros... E, depois, há mais uma pessoa no mundo que acha que sou um desperdício completo e total de espaço.”

Esse rato-toupeira-pelado (fiquei gargalhando ao ler isso) é a grande personagem do livro, junto ao “ausente” tio Finn. Ausente porque foi levado pela AIDS e June está sozinha novamente. Não pensem que o livro é um manifesto sobre a doença. Não é panfletário e nem quer levantar bandeiras, a autora, Carol Rifka Brunt, uma estreante com raro dom de escrever ardorosa e detalhadamente o universo adolescente, preocupa-se com as relações, com o ato de juntar os cacos, pedacinho a pedacinho.

June vive uma relação tumultuada e muitas vezes bélica com sua irmã Greta. O rancor de sua irmã ciumenta doi na carne:

“Às vezes, o que Greta falava era tão afiado que eu podia mesmo sentir suas palavras cortando meu interior, abrindo caminho até meu estômago e meu coração.”

Seu mundo desaba, não há remédio que cure, então June começa a procurar por tudo que possa religá-la de alguma maneira ao padrinho. Percebemos a necessidade do contato com alguém que já partiu dessa vida:

“E se houver... um único fio de cabelo loiro ou uma marca do lugar onde Finn costumava se sentar? E se houver um único átomo de ar que Finn costumava respirar ali dentro?”

E é aí que entra em cena alguém que poderá ajudá-la a fechar as feridas, mas June terá que confiar nele – Toby, o homem que estava no funeral de seu padrinho, mas que não se aproximou em nenhum momento, assistindo a tudo de longe, tremendamente devastado – o namorado proscrito de seu tio.

Através de Toby ela percebe que sua história não era única em relação a Finn e que, talvez, sua história não chegue nem perto ao que os dois tiveram. Descobre que, apesar de venerar seu padrinho Finn, Toby tem mais histórias que ela pra contar e se utiliza de uma metáfora brilhante para demonstrar a diferença e o ciúme:

“Observei-o sentado ali com cartas na manga. Baralhos e baralhos de cartas-surpresa que ele poderia tirar sempre que quisesse. Histórias sobre Finn que eu nunca ouvira. Meu baralho era fino. Gasto por ser embaralhado de novo e de novo na minha cabeça. Minhas histórias sobre Finn eram chatas e simples. Pequenas e idiotas.”

June se aproxima de Toby, tenta aceitá-lo, para saber quem foi seu tio Finn, sem saber o que pode acontecer quando fazemos uma escolha equivocada. Que avalanche podemos provocar ao empurrar uma pedrinha pelo penhasco. Ela se arrisca, investiga sua família, questiona a si mesma, vai a fundo sem nunca se deixar levar pelas aparências e principalmente tentando fazer a coisa certa:

“Não gosto de ouvir coisas escondida porque, na minha experiência, as coisas que os pais mantêm em segredo são coisas que a gente não quer saber. Não é gostoso saber que seus avós estão se separando porque seu avô perdeu a calma e deu um tapa na cara de sua avó depois de 52 anos de casamento sem problemas. Não é gostoso saber antes do tempo o que você vai ganhar de Natal ou nos aniversários de forma que você tenha de fingir surpresa apesar de ser péssima em mentir. Não é gostoso saber que seu professor disse à sua mãe em uma reunião que você é uma aluna mediana em matemática e inglês e que deveria ficar feliz com isso.”

Muitas vezes os sentimentos se confundem. O que sentir por Toby? Como se portar diante de alguém que se abre tão completamente, sem ressalvas, sem pudores? O doce sabor de um toque, do roçar de braços, do encostar de ombros:

“— Havia alguma coisa tão elétrica naquilo. Tão perigosa. Aqueles pequenos toques eram tudo. Eu vivia para eles. Você pode construir um mundo inteiro em volta dos menores toques. Sabia disso? Consegue imaginar?”

June consegue definir sua situação e é por frases como esta abaixo que digo que um livro vale a pena ser lido. Ela fica ruminando em minha cabeça, ganhando proporções que tomam meu dia de assalto:

“Eu gosto da palavra clandestina. Parece medieval. Às vezes, penso nas palavras ganhando vida. Se clandestina estivesse viva, seria uma garota pequena e pálida com o cabelo da cor das folhas no outono e um vestido branco como a lua. Clandestina era o tipo de relação que Toby e eu tínhamos.”

June é uma personagem doce e cativante, que irá fazer muita gente segurar o choro. E Finn não ficará atrás. Mesmo ausente ensinará através do que viveu com sua afilhada, o valor das pequenas coisas, a importância de se viver intensamente.

É um livro sobre o amor e a amizade, sobre como o amor pode estar escondido nos detalhes. Recomendadíssimo, com direito a lencinho aos mais emotivos.


Cortesia da Editora Novo Conceito
Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!

12 comentários em "Diga aos Lobos que Estou em Casa [Carol Rifka Brunt]"

  1. Rodolfo, parabéns pela resenha, está fantástica! Já tinha lido algumas opiniões sobre a história, mas essa foi a mais completa e profunda.
    O livro parece explorar muito bem a humanidade dos personagens, além de passar uma mensagem bacana sobre os vínculos e conexões que fazemos com os outros.
    A narrativa aparenta ser boa, assim como a construção dos personagens.
    Tenho a leve sensação de que vou ser uma das que precisará de um lencinho.
    bjs

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  2. Rodolfo, meu caro amigo, que resenha é esta? Esperei por ela porque sabia que seria definitiva na minha escolha pelo livro, que aqui aguarda paciente sua vez.
    Como vc bem sabe, tenho um carinho todo especial com protagonistas adolescentes, esse mundo conflituoso e inconsequente, dramático e especial que eles experimentam... fica mais interessante porque meu filho é adolescente, então acabo procurando nos personagens sinais que o Daniel possa ocultar, palavras que não queira dizer, pistas, pistas... como eles precisam de nós nesse momento! Com a mesma intensidade que nos repelem, que precisam de alforria, necessitam viver de maneira completa esse curto espaço entre a doce infância e a vida adulta (cruel, cruel).
    Tenho a impressão que June parece com a garota que eu fui um dia, tímida e sem palavras, um mundo todo interior. Nada melhor que um adulto que possa ajudá-la nesse processo de autodescoberta, mas o tio Finn partiu, e agora? Era muito cedo ainda para a terna June enfrentar o mundo sozinha...
    Mal posso esperar para descobrir que relação ela terá com Toby, que caminhos tomará, como será esse novo encontro de June. Já separei os lencinhos aqui, tenho certeza que precisarei deles.
    Maravilha de resenha!

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  3. Oi, Rodolfo
    Estou com muita vontade de ler esse livro desde o seu lançamento. Agora, lendo a sua resenha, a minha vontade aumentou. Parece ser um livro muito emocionante e reflexivo. Fiquei interessada na relação do Toby com a June.

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  4. Já tinha visto a capa e me apaixonado, mas não sabia do que se tratava o livro. E caramba... porque eu não procurei antes? Parece ser um livro lindo de ser lido, com personagens cativantes e lições lindas de serem aprendidas. E eu sou chorona, já sei que vou ter que comprar lencinhos pra ler esse livro. Mas cá entre nós, amo livros assim.

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  5. Não gosto muito de drama, mas o livro me parece muito bom, fiquei curiosa para saber mais sobre a estória, principalmente, o rumo que tomará a amizade entre June e Toby.

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  6. Que ótima resenha, Rodolfo!! Mais uma vez!!! =D
    Confesso que quando vi esse livro entre os lançamentos, não me interessei muito. Se bem que achava que era uma aventura infanto-juvenil. Me enganei completamente. kkkkkk
    Mesmo não sendo muito o meu estilo, histórias assim, às vezes, me fazem sair da zona de conforto. Me parece muito sensível e cheios de reflexões interessantes. Os quotes que o digam, né?!?!

    @_Dom_Dom

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  7. Adorei sua resenha, Rodolfo. Ultimamente tenho deixado de lado esse tipo de livro, mas confesso que esse ele despertou minha curiosidade. Gosto muito de livro assim e talvez eu leia.

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  8. Gosto do universo adolescente quando retrata histórias mais reais (estou saturada de sobrenaturais!).
    Então o mistério de Toby e a amizade que se desenvolve entre ele e June me deixou bem curiosa em relação ao livro! Ainda mais com essa conclusão da sua resenha de que deve-se ler com um lencinho do lado. Sim, adoro drama! :)

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  9. Rodolfo, lendo a resenha decidi que assim que meu livro chegar vou passá-lo na frente da listinha haha, morri de rir só de ler rato-toupeira-pelado ^^ imagino que vou gostar da história.
    Beijocas ^^

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  10. Adorei o título do livro e imaginei ao lê-lo ser uma estória de fantasia.
    mas ao ler a resenha percebi que é mais que isso, que de fato é algo mais palpável e trás grandes lições, ainda mais quando os personagens são adolescentes. Eu sempre gosto mais e sinto como se estivesse lendo histórias e não estórias, sabe?
    ... o tema aids é bem delicado e o perdão pode parecer simples para alguns, mas é algo difícil.
    Achei a personagem sensível e cativante. Adorei a capa... tudo a ver com o estória.
    Adoorei e quero ler.

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  11. É tão bom quando leio uma resenha e ela me surpreende de uma maneira tão positiva. Foi isso que sua resenha fez comigo Rodolfo. Não esperava que se tratasse de algo tão profundo. Quando vi a capa e li o título não dava nada por ele. Muito legal saber que o livro vale super a pena de ser lido. Vou colocá-lo na minha lista de próximas leituras.

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  12. Lembro de ter lido algo muito vago sobre esse livro e para falar a verdade, não sabia exatamente qual era o foco do enredo. Gostei demais, Rodolfo! Como deve ser complicado se sentir ligado a apenas uma pessoa, até dependente dela, e de repente ter que "abrir a guarda" e se jogar no mundo (ou não!). Imagino que deve ser uma história para se ir degustando aos poucos porque tem um número considerável de páginas e tenho a impressão de que cada parágrafo deve ser bem pensado e aproveitado, por que não? Mais uma linda resenha, Rodolfo!

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