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Ed. Companhia das Letras, 2014 - 424 páginas: |
Ao conciliar a rigidez da construção formal e o mais genuíno coloquialismo, o autor praticou ao longo de sua vida um jogo de gato e rato com leitores e críticos. Se por um lado tinha pleno conhecimento do que se produzira de melhor na poesia - do Ocidente e do Oriente -, por outro parecia comprazer--se em mostrar um 'à vontade' que não raro beirava o improviso, dando um nó na cabeça dos mais conservadores. Pura artimanha de um poeta consciente e dotado das melhores ferramentas para escrever versos. Este volume percorre a trajetória poética completa do autor curitibano, mestre do verso lapidar e da astúcia.
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Imortal em mim
Poesia é coisa para o dia-a-dia e não para todos os dias – alimento lento, carboidrato complexo para a alma, oferece energia durante muito tempo. Escolho um poema qualquer num dia qualquer, não sigo regras, leio os versos, tento captar sua cor, sentir seu sabor, desmembro as palavras, coloco na boca, mastigo tudo. Se descer sem arranhar pela garganta regurgito e começo o processo todo novamente. É preciso arranhar, é preciso causar dano. Uns teimosos não dão em nada, impenetráveis, culpa de minha ignorância. Outros férteis iluminam tudo como um farol, fogueira em dia frio esquentando os pés e a espinha.
"Nunca cometo o mesmo erro / duas vezes / já cometo duas três / quatro cinco seis / até esse erro aprender / que só o erro tem vez"
Tenho meus poetas preferidos, todos a seu tempo, cada um em sua época – o fatalista Augusto dos Anjos, a visceral Florbela Espanca, o melódico Antônio Cícero, a profunda Cecília Meireles, o múltiplo Fernando Pessoa. E Paulo Leminski, indefinível. Lembro-me como se fosse hoje do haikai de Leminski que me pegou, daí foi só rolar morro abaixo, paixão à primeira lida:
“vazio agudo / ando meio / cheio de tudo”
A concisão, a genialidade, a descrição de um sentimento meu naquele momento. Nunca me sinto coautor quando me deparo com um poema, como acontece com um romance. O poema não vem semipronto, é preciso trabalho árduo para compreendê-lo, subjugá-lo. Ele precisa entrar na pele, fazer parte de você, se possível será preciso decorá-lo.
“... mesmo assim / te quis / mesmo sabendo / que ia te querer / ficar querendo / e pedir bis”
Ao me deparar com Toda poesia (Companhia das Letras, 421 páginas), antologia contendo todo trabalho de Leminski, fiquei alucinado. É claro que queria sorvê-lo o mais rápido possível. Eu sabia da dificuldade que seria, mas o prazer suplantaria tudo. Não há arrependimento, apenas deleite.
“não discuto / com o destino / o que pintar / eu assino”
Não é romance, namoro antigo, cotidiano. Nem conto, crônica, beijo roubado. É conquista, desafio de amor platônico, coragem de adolescente imberbe, subida ao Everest. E sei que venci, principalmente quando consigo enxergar o amor contido no final de um poema, como em “Campo de sucatas”:
“... sempre como toda coisa nossa / que a gente apenas deixa poder / que possa!”
O firme propósito, a vontade férrea de poder fazer, e de fazer acontecer. Sim, sinto-me minúsculo diante da grandiosidade das palavras, mas iluminado ao contemplá-la, ao entendê-la tão bem:
“eu / tão isósceles / você / ângulo / hipóteses / sobre meu tesão
teses / sínteses / antíteses / vê bem onde pises / pode ser meu coração”
O paradoxo em Leminski me encanta, ele que se auto-intitulou “punk parnasiano”, “dadaísta clássico”. Joga com os contrários, com contrastes expressos até nos títulos de seus livros: “Caprichos & relaxos”, “Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase” (esse, em especial, me fez ficar matutando por semanas), “Distraídos venceremos”.
Enfim, Leminski continua perene e indelével, porque dispara algo incontrolável, que o mantém vivo e produtivo dentro de mim.
“Pra que cara feia? / Na vida / Ninguém paga meia”
Inteligência, sensibilidade e excelentes sacadas fazem de Leminski um poeta atemporal, sempre moderno, sempre inquietante. Sou fã e recomendo!