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16.11.15

Redrum: Contos de Crime e Morte [organizador: Vitor Toledo]

organizador: Vitor Toledo
Ed. Caligo, 2014 - 150 páginas:
      Sete contos dão corpo a “RedruM – Contos de Crime e Morte” que, naturalmente, transitam pelos campos do assassinato em seus enredos. “Refração”, conto que abre o livro de Diogo Bernadelli, “Segunda Sombra”, de Vitor Toledo, “A Noiva Liberdade” de José Geraldo Gouvêa, “Benevolência”, conto de Bia Machado. Os contos “A Vidente” de Pedro Viana e “A Marca” de Fabio Shiva. “Uma Noite no Farol”, de A. Z. Cordenonsi. Não tenha medo de um olhar torto por segurar este livro ensanguentado. Os vizinhos não bisbilhotarão pelo vão da cortina. A polícia não baterá em sua porta. Ninguém saberá de nada. De agora em diante, tudo o que encontrar nestas páginas será mantido no sigilo dos cúmplices.

Onde comprar:

Sangue a cada passo

Contos são beijos roubados no portão, é preciso aquela empatia, aquela conexão temperamental “autor/leitor”, que transforma páginas e mais páginas em magia. E isso aconteceu comigo neste livro.

Em mais um presente da Editora Caligo, vi-me arremessado sem dó nem piedade no meio da tormenta que é Redrum: contos de crime e morte (150 páginas), coletânea organizada por Vitor Toledo, também um dos autores.

Relativamente curto, porém com um apetite imenso pelo crime, o livro possui sete contos bem diferentes, com um traço peculiar que os liga: sangue! A visão especular transforma Redrum em Murder, altamente apetitoso para todos aqueles que lembraram a cena de “O iluminado” de Stephen King. Quem não conhece, não haverá problemas, irá saborear da mesma forma.

Refração - Diogo Bernadelli. A estrutura do conto me fez lembrar o filme “Irreversível” (inclassificável). Cru e violento é uma pancada no plexo solar. Com flashbacks a todo momento picando seu andamento para que possamos entrar na mente e na perspectiva de cada personagem, vai se desenrolando sem dó, só dor.

A paralisia diante do impensável. O descongelamento lento e gradual, antinatural, num corpo cheio de droga:

“Meu coração torna a bater atrás dos ouvidos, ensurdecendo-me momentaneamente para o mundo de fora e abrindo-me a todas as emoções, que por sua vez se perdem furiosamente em um ralo no meu peito. Não há nada dentro de mim e, por outro lado, isso é muito mais que o suficiente. O que diabos você está esperando?, pergunto-me, então me liberto daquele cimento psicossomático que me envolve dos joelhos aos pés.
Disparo para baixo, vencendo três degraus da cada passada. As calças encharcadas de cerveja, o coração batendo, os ouvidos parcialmente imprestáveis, os gestos como reflexo do medo. E o corpo um manequim da droga.”

Segunda sombra – Vitor Toledo. Com grande habilidade, o autor vai alinhavando a mente de um personagem complexo e doentio que se arvora no direito de ser Deus — ter a vida e a morte em suas mãos. A epígrafe do início já nos dá o gostinho do que vem pela frente:

“Decididamente, não compreendo por que é mais glorioso bombardear uma cidade do que assassinar alguém a machadadas.” (Crime e Castigo – Dostoiévski).

Escrita vigorosa, a lembrança do sangue aguça e dirige a atenção do leitor:

“Se escrevo estas linhas é porque sucumbi à utopia de buscar alívio sem trair o meu silêncio. Bem sei que isto não me traz nenhuma dignidade... O tempo pode ter depositado uma fina camada de poeira sobre estas imagens, no entanto jamais me abandonarão por completo. Já o sangue... Em minhas lembranças, ele nunca descolore. Sempre o mesmo escarlate morno e denso.”

A noiva liberdade – José Geraldo Gouvêa. O tom confessional deste conto nos faz mais próximo da personagem, tornamo-nos íntimos ao compartilhar de suas dores e do peso de sua culpa. Podemos pecar pela omissão?

“— Fui criado para crer que Deus era justo, mas ele não é. Tanta gente inocente sofre, se humilha e vai morrer sofrendo. Antigamente a gente acreditava em sofrer para comprar o céu, mas hoje sei que isso é só para o pobre sofrer calado. O pobre tem que acreditar que o inferno é para o rico e que o sofrimento é uma espécie de sabão do espírito.”

Benevolência – Bia Machado. Conto surpreendente em que a personagem tenta se eximir da culpa de ter as mãos manchadas de sangue por vivenciar indiretamente um crime.

Gosto de contos que não se concluem em si, deixam aquela pequena fagulha que nos força continuar, nos acende, nos captura. O final é previsível e por isso mesmo excelente. Manteve-me o tempo todo ligado:

“... E só de lembrar que quase dois anos depois a cidade estava em todos os jornais, pelo pior motivo... Sim, fomos todos culpados, cada cidadão que estava aqui à época. Todos nós, que convivemos com essas pessoas sem nos darmos conta do que acontecia. Ou sem nos importarmos. É muito fácil ver as coisas do lado de fora, bem longe, afastados do tudo o que aquilo significava. É tão... reconfortante!
... Às vezes, aceito que não, não foi real. Na maior parte do tempo, porém, minha impressão é outra. Mas é melhor não falarmos sobre isso. É melhor encerrarmos por aqui.”

A vidente – Pedro Viana. Este conto foge um pouco à regra. O fantástico imiscui-se ao dia-a-dia, tornando verossímil um embuste muito bem planejado. A consequência não poderia ser outra a não ser – sangue.

“A faca moveu-se na direção... Por um momento, foi apenas um toque frio e metálico, que não lhe trouxe nada além de um leve formigar. Mas depois uma dor cruzou seu corpo como um raio cruzaria o céu. Não viu o sangue, mas pode senti-lo fluir. Tentou pedir por socorro, mas o que saiu foi apenas um grito de agonia. Sem forças, sentiu seu corpo sucumbir à dor e tombar no chão.”

A cena final me arrancou uma lágrima, tremendamente poético, estupidamente real:

“Sem saber exatamente como... teve outra visão. Longe dali, uma mulher espantosamente bonita abraçava o marido e os dois filhos para tirar uma foto num parque de diversão. Comemoravam o aniversário dos gêmeos e todos sorriam, com exceção da mulher. Aquele momento a fez lembrar de alguém que desejava esquecer, mas nunca conseguira. O marido não percebeu, assim como os filhos, mas naquele instante, a mulher recordou-se da mãe e sentiu uma pontada de saudade no coração.”

A marca – Fabio Shiva. Por sua versatilidade, o autor não cansa de me surpreender positivamente. Um espetáculo visceral e visual. Traz para o romance policial a ufologia, terreno fértil e espinhoso. É preciso dupla habilidade e conhecimento profundo de ambos os temas para não se perder em vazias divagações.

O autor, com mãos delicadas, insere o assunto e nos faz pensar sobre nossa origem, mas não sem uma pitada vermelha de violência inerente ao ser humano:

“... De dentro de cada garrafa plástica de 50 ml, nadando em um líquido composto por água, aminoácidos, minerais, vitaminas, glicose, soro fetal e antibióticos, centenas e centenas de mudas testemunhas presenciaram o evento de minha explosão emocional, acontecimento muito vasto, complexo e demorado para ter qualquer significação em suas curtas vidas celulares.”

Uma noite no farol – A.Z.Cordenonsi. Fechando a coletânea temos um conto denso, clássico. A morte nem sempre é o que parece, há camadas e camadas a serem reconstruídas e desvendadas.

Seguindo a tradição do gênero detetivesco, calcado no whodunit, que deu inúmeras alegrias aos fãs de Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e Edgar Allan Poe, o autor mergulha fundo em carruagens e castelos, com ausência de tecnologia, para desvendar um crime utilizando somente a razão:

“Fiz e refiz o trajeto várias vezes, mentalizando meus passos com extrema precaução. Depois entrei e saí de cada aposento sem escrúpulos, mesmo com a presença do vigário a me observar. Por último, retirei dos bolsos o relógio que havia encontrado no quarto.
Sorri com satisfação quando a compreensão me atingiu. Retirando um elemento da equação, finalmente todo o resto fazia sentido.”

Livro pra lá de saboroso. Então preparem-se – haverá sangue pelo caminho! Cuidado com cada passo! Parar em meio a uma leitura assim é impossível!

Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!
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19 comentários em "Redrum: Contos de Crime e Morte [organizador: Vitor Toledo]"

  1. Oii, confesso que não sou fã de contos mas me interessei bastante por esse esse livro de contos, pois me parecem bem legais...
    Bjos

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  2. Contos são prazerosos de se ler, não sou fascinada por eles, mas quando encontro boas coletâneas gosto de dar uma chance e parece que esse livro é uma delas.
    A premissa já me pegou por uma palavra: sangue. Quem me conhece sabe como gosto de histórias que o envolvam, tanto que sou amante de romances policiais.
    Cada conto parece possuir cenas incríveis, apenas esses breves trechos na resenha aguçaram minha curiosidade com o modo como conseguiram prender a minha atenção.
    O livro pode ser relativamente curto, mas creio que sua qualidade é imensa e abordando um tema que gosto tanto, não posso deixar de me interessar.
    Não sei quando poderei ler Redrum, mas espero faze isso ainda no próximo ano.
    Abraços

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  3. Oi Rodolfo! Sou apaixonado por histórias de terror. O frio que te dá na barriga quando você está lendo algo do gênero... realmente não tem explicação! Curto bastante contos, pois são narrativas gostosas de ler, geralmente vc termina de uma tacada só... Me interessei bastante. Com certeza já entrou pra minha lista, haha. Abraços! ;)

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  4. Oi, Rodolfo. Eu não depositei muita expectativa sobre o livro, mas ao decorrer da resenha fui me impressionando por cada conto e sua ligação, como disse, o sangue. Confesso que o crime presente nesta história me envolveu bastante, dando destaque para o conto Uma noite no farol. Quero!

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  5. essa livro parece promissora. As referências a Edgar Allan poe e Hercule Poirot já demonstram tanto o nível, quanto a atmosfera dos contos. Pedro Viana, premiado aos 12 premiado...

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  6. Gratidão mais uma vez, querido amigo, por sua leitura atenta e apaixonada, e por sua incansável defesa da literatura brasileira! Viva viva viva!!!

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  7. RedRum,assim que vi o título lembrei de O Iluminado.
    O legal da sua resenha é que você comentou um pouquinho de cada conto,afinal uma coletânea pode ser bem oscilante.Uma Noite no Farol foi o que mais chamou minha atenção,adoro um bom mistério para desvendar através da lógica.Os autores usados de referência são fantásticos.

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  8. Inicialmente eu não tinha muito interesse em contos e não gostava muito, mas agora depois de ler alguns contos muito bons, comecei a gostar de livros de contos, e lendo um pouco mais sobre Redrum: Contos de Crime, acredito que irei gostar do livro, pretendo lê-lo.

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  9. Ah, beijos roubados no portão... sim, ótima metáfora para contos, adoro ambos! Friozinho na barriga, o inesperado, o não saber no que vai dar, a ansiedade do depois... Bem colocado para essa leitura, especialmente, um turbilhão de sensações.
    Tenho medo do sangue que jorra descontrolado nesse livro. Hemorragia é preocupante, leva ao choque, à beira do precipício (mais medo).
    Já no primeiro conto vc diz da crueza (aprecio, mas recuo), não sou corajosa, vá na frente, seguro sua mão, confio em você e me atrevo a continuar a leitura. 'Segunda Sombra' me faz pedir pra voltar, vou fechar o livro, mas vc aperta ainda mais a minha mão e me puxa, me encoraja. Fecho os olhos. Persisto (tremendo). 'A Noiva' me permite acreditar que dá pra segurar a onda e a frase ''o sofrimento é uma espécie de sabão do espírito'' me faz concordar, esboço até um sorriso, estou mais confiante. Seguimos...
    Bia Machado vem em seguida e já estou gostando, veja só! Tb gosto da possibilidade que se abre, no inconcluso. Aí vem 'A Vidente' e recomeça o meu tormento, acho que vou cair, começo a gemer, mas vc pergunta: "não confia em mim? tem poesia aqui!" (covardia, assim não consigo desistir).
    Chego na 'Marca', aí sorrio, ufologia, vejo estrelinhas, sinto um medinho estimulante e até me arrepio com o sangue (enquanto filosofo com vc). Chegamos ao final, 'A noite no farol', sobrevivi, agradeço sua paciência (e proteção), estou mais forte agora, superei meus medos, saí do meu lugarzinho confortável e por vezes monótono, me lancei, mas não conseguiria sem segurar sua mão. Adorei a viagem, fecho o livro e ele ganha lugar na minha estante de desejados.
    Palmas para você!

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  10. Contos não são minha praia, mas gostei da temática. A sinopse me chamou bastante a atenção e a resenha só reforçou minha curiosidade. Talvez eu leia.

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  11. Olá Rodolfo!!
    Bom,assim como você eu sempre penso duas vezes antes de ler contos!!
    Mas com a sua resenha e o gosto que eu tenho por "sangue" por que não arriscar?
    Pelo que li tem muita coisa boa nessa seleção,mas um chamou minha atenção..o conto A Marca do Fábio Shiva.Ainda não li nada do Fábio e tenho muita curiosidade de conhecer a escrita dele.
    Então mais um pra lista!!
    Grande abraço!

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  12. Amo contos, porém sempre fico receosa quando compro um livro de coletâneas de contos de terror. Tem muita gente escrevendo contos, porém poucas sabem como realmente contar esse tipo de estória. Eu procuro ler contos de terror e horror nacionais sempre que me indicam um livro, e fico feliz por muitas vezes ver uma qualidade tão boa na literatura nacional. Dentre os contos que você descreveu, o que mais me deixou com vontade de ler foi justamente o último, Uma noite no farol. Amo Poe, e o fato de não haver tecnologia me deixou ainda mais interessada nesse conto.
    Mais uma vez amei sua resenha e sua indicação.
    Bjs.

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  13. Rodolfo
    Gosto de livros grandes, quanto mais tijolão melhor, pois me apego a história e aos personagens, assim eles demoram mais a acabar. Então leio pouco de contos, pois são muito rapidinhos, mas em geral, quando leio, gosto muito.
    Estes por serem de terror (sou um pouco medrosa) fico até satisfeita de serem contos, pois assim acho que o suspense é maior e o impacto vem mais rápido, mas lendo a resenha percebi que são vários os sentimentos que ele nos extrai.
    Obrigada pela Resenha.

    Abraços,

    Gisela
    @lerparadivertir
    Ler para Divertir

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  14. Definitivamente QUERO esse livro. Você me fisgou logo no inicio de sua resenha com a frase: "com um traço peculiar que os liga: sangue!" Adoooro terror sanguinário! hahaha (risada doentia)
    Me senti especialmente atraída pelos contos: "A marca" e "Uma noite no farol"
    Já correndo para o Skoob e colocando na minha lista de desejados.
    Parabéns pela (mais uma vez) magnífica resenha.
    bjocas
    Ni

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  15. Rodolfo amado!
    Apaixonada por bons contos e se são de crime e morte, mais atrativos ainda, e se tem um conto da amada Bia Mahcado, a quem admiro profundamente não apenas como escritora, mas como mulher forte... como me furtar da leitura?
    Quero para ontem...
    ”Uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida.”(Sócrates)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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  16. Oi Rodolfo :) Eu não tenho costume e nem muito interesse em ler contos, então já é meio explicito que eu não tive tanto interesse pelo livro!

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  17. O que eu gosto nos contos é a agilidade. A estória tem que ser boa mesmo senão nada poderá evitar a tragédia... Haha.
    Sem enrolação... É pegar ou largar.
    Gostei muito da proposta... Gosto de livros assim, com densidades... Aqui há os assassinatos.
    Eu gostei de conhecer este livro e leria sem problemas

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  18. Confesso que não sou muito fã de contos, mas esse livro parece ser bastante sangrento do jeito que eu gosto, apesar de parecer ser um livro um pouco pesado com certeza irei le-lo.

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  19. Livros de contos sempre me agradam, e vendo que sangue está em todos eles, meus olhos brilham. Adoro tramas com essa pegada mais pesada, e vejo que esse tem, e muita. Agora o que me agradou mesmo é ver que, mesmo sendo contos, as personagens e as tramas foram muito bem desenvolvidas. Não ficou nada corrido, nem sem agilidade. Enfim, vou querer ler sim!

    @_Dom_Dom

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