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5.6.19

Oryx e Crake, Vol. 01 - Trilogia MaddAddão [Margaret Atwood]

Cortesia da Editora Rocco

Mundo desencantado

Poderíamos dizer que depois do sucesso de “O conto da aia” não haveria mais nada a dizer sobre Margaret Atwood, mas estamos enganados, sempre há mais a dizer sobre ela e muito. Quanto mais leio Atwood mais me encanto com sua escrita, mais me espanto com seu poder divinatório. Ela é um oráculo e seu exercício de futurologia é prova cabal de que podemos e devemos clamar por mudanças.

Oryx e Crake (Rocco, 352 páginas) é o primeiro volume da “trilogia MaddAddão”, ficção científica de primeira grandeza que mistura biologia, religião, política, meio ambiente e alta dose de especulação quanto ao que estamos fazendo conosco e com nosso planeta, abordando questões éticas e morais que redundarão numa viagem interior aos sentimentos de seus personagens. Talvez a única salvação se encontre dentro de nós mesmos.Apenas talvez.

Título: Oryx e Crake
Autor: Margaret Atwood
Tradutor: Léa Viveiros de Castro
Série: MaddAddão
Editora: Rocco
Gênero: Distópico, Ficção científica
Páginas: 365
Edição:
Ano: 2018
❤ Favorito
Onde comprar: Amazon

Nesta fábula distópica moderna o mundo já não existe mais como uma sociedade politicamente organizada, há apenas o caos. O conhecimento científico sem limites visando apenas ao lucro acabou por destruir tudo. O Homem das Neves parece ser o único indivíduo que sobreviveu a uma contaminação que varreu a raça humana. Ele dorme em cima de uma árvore enrolado em seus pensamentos e em seu lençol imundo.

Como em “Eu sou a lenda” de Richard Matheson, o Homem das Neves luta para manter-se vivo sem perder a razão. Vive com seres mais evoluídos biologicamente, porém puros e inocentes como crianças, os “crakers” (filhos de Crake), criados através de manipulações genéticas. Ele aceita o destino de ensinar a proteger tais criaturas.

“– Seja bem-vindo, Homem das Neves – diz o que se chama Abraham Lincoln. – Você gostaria de entrar em nossa casa? – Esse aí está se tornando uma espécie de líder. Cuidado com os líderes, Crake costuma dizer. Primeiro os líderes e os liderados, depois os tiranos e os escravos, depois os massacres. Sempre foi assim.”

Homem das Neves (Jimmy)

Antes de se tornar o Homem das Neves, ele era apenas Jimmy,um garoto que cresceu observando o sucesso do pai como genógrafo, principal arquiteto do projeto “porcão”, um porco transgênico, criado para ser hospedeiro de órgãos humanos para transplante; e a depressão da mãe, uma promissora microbiologista. Triste e ressentido, Jimmy vai moldando sua personalidade no convívio com seus pais que têm problemas de relacionamento. Este desequilíbrio familiar redunda na fuga de sua mãe e seu único apoio é seu amigo Crake.

“No quartinho abafado ele sonha outra vez com sua mãe. Não, ele nunca sonha com sua mãe, só com a ausência dela.”

E é através de flashbacks da vida do Homem das Neves (Jimmy) que vai sendo demonstrado o porquê de o mundo ter chegado ao ponto em que chegou – pandemia e escassez de recursos naturais.

Crake é um aluno brilhante e introvertido que se interessa por genética, enquanto Jimmy é seu contraponto, extrovertido, amante das artes e das mulheres.

“(... ) havia alguma coisa em Crake. Aquele jeito desleixado e indiferente sempre impressionava Jimmy, quando vinha de outro cara: era a sensação de energias sendo contidas, reservadas para alguma coisa mais importante do que a pessoa que o acompanhava naquele momento.”

Crake se preocupa com a construção de um mundo melhor (em sua própria concepção do que seja um mundo melhor) e é através de seu sonho que o mundo vai sendo moldado. Os amigos se separam com Crake indo para um colégio elitizado e Jimmy para outro marginalizado. Voltam a se encontrar no futuro quando Crake convida Jimmy a trabalhar com ele (para ele).

Jimmy e os "porcões"

Visando primeiramente a soluções dos problemas cotidianos, Crake reúne os cérebros mais privilegiados em torno de seu projeto maior chamado “Paradice” sobre a imortalidade, modificando geneticamente animais (bizarros e assustadores), plantas, alimentos. Em outro momento, visando ao lucro, modifica doenças e até seres humanos. A função de Jimmy neste cenário completamente adverso à sua natureza é a de criar propagandas dos produtos.

“– A imortalidade – disse Crake – é um conceito. Se você considerar “mortalidade” como sendo não a morte, mas o pré-conhecimento e o medo dela, então a “imortalidade” é a ausência desse medo. Os bebês são imortais. Apague o medo e você será...”

A amizade entre Crake e Jimmy entra em rota de colisão com o surgimento de Oryx – parceira e musa inspiradora de Crake, paixão proibida de Jimmy. Oryx, mulher de beleza escultural, servirá de modelo para os “crakers”. Mesmo tendo sofrido desde sua venda quando criança pela mãe para servir como prostituta não se deixa macular, é mulher forte e motivo do desenrolar dos acontecimentos.

“– Então eu aprendi sobre a vida – disse Oryx.
– Aprendeu o quê? – disse Jimmy. Ele não devia ter comido a pizza, e ainda por cima tinham fumado maconha. Ele estava se sentindo um pouco enjoado.
– Que tudo tem um preço.
– Nem tudo. Isso não pode ser verdade. Você não pode comprar o tempo. Você não pode comprar... – Ele queria dizer amor, mas hesitou. Era piegas demais.
– Você não pode comprar o tempo, mas ele tem um preço – disse Oryx. – Tudo tem um preço.
– Eu não – Disse Jimmy, tentando brincar. – Eu não tenho preço.
Errado, como sempre.”

Nesta edição ouve algo que me incomodou um bocado, a troca das letras "rn por "m", como por exemplo, a palavra "tornassem" estava grafado como "tomassem". Isso aconteceu inúmeras vezes. O contrário também, "tomava" passou a ser grafado como "tornava". Num determinado momento achei que fosse proposital. Espero que seja corrigido nas próximas edições.

Atwood vai pintando o Novo Mundo com as cores fortes da devastação, um mundo pós-apocalíptico que Crake ajuda a construir (destruir), e em suas palavras adverte: “(...)doutrina das consequências involuntárias está em franca expansão”. Mas seria mesmo involuntário ou tudo não faria parte de um plano maior e mais assustador?

Atwood não deixa pedra sobre pedra, através das relações interpessoais alimenta nossas mais loucas fantasias e nossos mais recônditos medos. A superexposição de sexo e violência acaba por banalizá-los (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência). Como se isso não bastasse, o papel da cultura e da religião é amplamente discutido e a conclusão não é nada promissora. Ainda há esperança na humanidade e qual é realmente o seu papel? Reflitamos!

Se você quiser conhecer um pouco sobre o livro posterior desta série, clique na capa para ler a resenha:


16 comentários em "Oryx e Crake, Vol. 01 - Trilogia MaddAddão [Margaret Atwood]"

  1. Olá Rodolfo!
    Já ouvi inúmeros elogios à autora, principalmente devido a sua escrita peculiar e realista. Ainda não tive a oportunidade de ler nenhuma de suas obras. Me assusta um pouco tais eventos futuristas descritos nesse livro, principalmente pelo fato de se assemelhar muito com a realidade. algumas coisas parecem até bizarras, como o porcão. Fiquei curiosa para saber qual a moral da história, embora já consiga imaginar qual seja.
    Beijos

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  2. Que livro é esse?!?!?!?
    Margarteh cria umas histórias a princípio tão absurdas mas que ao mesmo tempo podem ser reais! Ou pelo menos faz o leitor questionar: será que é possível?....

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  3. Oi, Rodolfo
    Ainda não conheço a escrita da autora, quero muito poder ler em breve.
    Já li algumas resenhas dessa trilogia, estou bem curiosa como a autora aborda temas que não estão longe da nossa realidade com tanta facilidade.
    Uma leitura interessante pelos olhos de Jimmy que vai situando o leitor antes de chegar nesse novo mundo onde tudo e todos são modificados geneticamente. Um enredo que nos faz refletir sobre a vida, atitudes, mesmo que seja distópico.
    Beijos

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  4. Oi Rodolfo, que ótima resenha! Eu ainda não li nada dessa autora, mas morro de vontade, especialmente de ler O Conto da Aia. Eu não conhecia esse livro ainda, mas também fiquei curiosa - embora não acho que é muito meu gênero de leitura. A capa é linda! Os Delírios Literários de Lex

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  5. Amo, amo de paixão o trabalho da autora e estou maluca pra conferir este último livro que mesmo trazendo a marca peculiar da autora, a luta, traz também elementos novos e um enredo de tirar o fôlego do leitor.
    Isso de juntar cultura, religião, sexualidade, sei lá, como um grande pacote completo deixou tudo ainda mais admirável e o absurdo que ela desenha, torna-se tão....realidade!!!
    Lerei com certeza!!!!
    Beijo

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  6. Olá Rodolfo,
    Eu amo a série The Handmaid's tale, quero muito ler outras obras da autora. Ela cria um universo que você acreditar estar bem distante, quando na verdade é bem real e estamos quase chegando perto de viver uma sociedade dessas.

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  7. Lembro que quando li O Conto da Aia, me apaixonei completamente pela escrita e imaginação da Atwood. Ela realmente consegue pensar em coisas para um futuro muito aterrador. Essa série/duologia parece ser incrível. Quero muito poder ler e matar a saudade da escrita da MArgaret genial.

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  8. Estou com O conto da aia para ler e espero fazer isso em breve, quero muito conhecer a escrita da Atwood para decidir se vou ler os outros dela.
    Amei a resenha, amei saber que é uma fábula distópica e essa maneira que Atwood cria parece ser fascinante
    Difícil ser proposital, tem livros que estão vindo com pequenos erros.

    Beijos

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  9. Olá Rodolfo!
    Margaret Atwood já nasceu aclamada, né? Só tive a oportunidade de ler a obra mais conhecida da autora, porém depois de conhecer a escrita fiquei morrendo de vontade conferir outros títulos da mesma. Oryx e Crake inicia a trilogia com as características principais da narrativa de Atwood, que numa linguagem ácida e direta expõe ao leitor um universo complexo que exige reflexão e calma para ler assimilado. O que chama mais atenção, contudo, é o viés mais científico e "pé no chão" escolhido pela autora para a construção desse mundo distópico, uma decisão que corrobora para que a experiência seja ainda mais vívida.
    Beijos.

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  10. Olá! Definitivamente a história me deixou bem curiosa, pois não sei se estamos tão longe de um mundo onde não respeitam o meio ambiente, descartamos móveis, equipamentos e roupas (talvez até pessoas!) sem muito bom senso, apenas porque queremos sempre o modelo mais moderno, e o que estamos fazendo na prática para evitar esses problemas? Não muito, infelizmente, acredito que um livro com uma escrita tão intensa, uma realidade um pouco absurda, mas com muitos pontos que poderiam se tornar reais é fundamental para que possamos refletir.

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  11. Olá!
    Não li nada da autora mais lendo a resenha me deixa bastante curiosa por ele. Eu não me admiraria muito se o nosso cotidiano terminasse dessa forma. O bom dele que retrata o meio ambiente mas o menos igual a nossa sociedade. Adorei muito e pretendo muito ler!

    Meu blog:
    Tempos Literários

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  12. Olá Rodolfo,
    É muito bom ver que a Margaret Atwood vai além do Conto da Aia, que por sinal gostei muito.
    As ilustrações na resenha são interessantes, me sentindo olhando esse 'outro mundo' com o Jimmy/homem das neves.
    Curto distopias especialmente pelas reflexões que tais histórias proporcionam.

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  13. Eu adoro essas fantasias distópicas que a Margaret atwood consegue criar mas eu não sabia que esse livro se tratava de uma trilogia. Achei interessante a forma como ela envolve todos os elementos da sociedade de uma maneira que faz a gente refletir sobre os caminhos que nós estamos tomando

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  14. Não conhecia essa autora, mas o pouco que foi mostrado ja percebi que sua escrita é perfeita. Curto ficção e històrias que envolve vários temas sem se perder. Com certeza quero ler esse livro.

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  15. Este comentário foi removido pelo autor.

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  16. Oi, Rodolfo!!
    Conheço o livro O conto da aia e assisti a adaptação de Vulgo Grace na Netflix e agora estou bem curiosa para ler a trilogia MaddAddão que parece ser um ficção científica bem interessante. Aguardo ansiosa para ler a resenha do terceiro livro aqui no blog.
    Bjs

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