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19.6.15

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte VIII - Demônio



Engenharia Reversa


Parte VIII- Demônio


A massificação do uso do CND nas cidades-estado e nos países membros da GFA possibilitou uma verdadeira revolução nos meios de comunicação e na forma como as pessoas interagem com eles. Milhares de "canais" com os mais variados conteúdos são criados a cada dia, alguns mantidos por indivíduos ou pequenos coletivos, outros são remanescestes bio-digitais dos antigos impérios midiáticos.

Os grandes canais voltados para as notícias foram oficializados, e alguns passaram a ser controlados pelo Estado corporativo, ou seja, o conselho de segurança da GFA. Certas transmissões, classificadas como de suma importância, são enviadas automaticamente para todos os CND's, e entram no ar no instante em que o usuário ativa seu sistema.

Apesar do uso ser obrigatório, muitas pessoas escolhem operar o CND apenas por poucas horas ao dia, e outros, mais radicais, quase nunca ativam seus bio-computadores, preferindo os meios mais tradicionais de comunicação, que ainda persistem. Devido a esse e a outros fatores, as autoridades instalaram vários mega-monitores pelas ruas das cidades-estado, que transmitem informações sobre o clima, eventos esportivos e, principalmente, comunicados do governo e notícias relevantes.

O maior monitor em Vix fica localizado na Praça do Papa, flutuando a quarenta metros do chão, que é um grande parque verde repleto de jardins e agraciado com uma lagoa ao centro, artificial, mas de águas transparentes e repleta de peixes ornamentais

O parque é delimitado por imensos arranha-céus e passarelas suspensas, com extensões que descem até ele. Muitas pessoas ocupam as passarelas, e o monitor foi posicionado de tal forma que seja visível tanto por quem trafega pela passarelas quanto para os que estão no parque.

Nesse exato momento, 16:40 da tarde, o local está repleto de cidadãos, muitos dos quais no espaço verde, apreciando a natureza sentados nos bancos na beira da lagoa e saboreando doces diversos, vendidos ali mesmo.

O telão exibe uma entrevista com um famoso ator local, algo já corriqueiro. Então, subitamente, as imagens são interrompidas, atraíndo a atenção de todos. Após a vinheta da RGC, o canal que detém os direitos daquele monitor, cenas de um sangrento combate são exibidas, deixando os expectadores ansiosos. Em seguida, a tela é dividida em duas partes, tendo na primeira, a esquerda de quem assiste, a figura de um conhecido jornalista local, a outra tela prossegue exibindo cenas de violência desmedida: homens armados atirando a esmo contra seguranças da VNR e em um flymob de transporte, claramente uma ambulância. Visivelmente transtornado, o homem começa a gritar:

- Terroristas! - seus olhos fixos na câmera, de forma e confrontar os expectadores, a expressão conturbada, a voz de trovão, tudo minuciosamente feito para impactar ainda mais os expectadores.

Nos CND's, todas as transmissões foram interrompidas, exibindo a mesma cena grotesca. O homem se contém, e agora assume uma expressão mais severa:

- Nossa cidade foi brutalmente atacada! Um grupo de assassinos, chefiados por um tal de Maestro, e, pasmem, com a ajuda do Coveiro, um conhecido caçador de recompensas que muitos pensavam estar do nosso lado, atacou covardemente um transporte médico da VNR, matou vários agentes - ele faz uma pausa, põe mais ênfase na voz - pais de família! Para em seguida, sequestrar uma uma mulher inocente, uma executiva acometida de uma grave doença, que estava sendo transportada para um hospital europeu, o único que poderia salvá-la. Covardes!

Imagens de Maestro disparando contra Amanda, do Coveiro matando violentamente um dos agentes, e de Jonas abrindo fogo contra o transporte, são exibidas em repetição. Em seguida, fotos de Davi e de Thiago Klein são apresentadas e marcadas como "cúmplices", várias imagens e videos de Bel aparecem, ela é classificada como vítima e refém.

As cenas brutais de violência, exibidas constantemente e sem cortes, impressionam, chocam os transeuntes. Imagens das famílias dos agentes mortos, suas esposas, seus filhos, intercalam a transmissão provocando ainda mais comoção nos expectadores.

A logomarca da UNI-Tron aparece, e então Daniel Schiavam, tenente-diretor da força policial em Vix, surge na tela. Sério, impecável em seu traje oficial, o homem de cabelos brancos e traços duros assume a palavra.

- Caros cidadãos, um ataque sem precedentes aconteceu ainda pouco em nossa pacata cidade, mas eu lhes asseguro que todas as forças da UNI-Tron estão empenhadas em capturar esses assassinos e resgatar a jovem executiva capturada por eles. Não vamos descansar até que nossa missão seja findada. Por hora, peço a todos que evitem a região de Alta Santa Maria, pois nossas forças estão nesse exato momento perseguindo os anarquistas naquele local. Além disso, estamos decretando oficialmente toque de recolher, que entrará em vigor as vinte e duas horas de hoje.

Logo o apresentador aparece novamente, dessa vez, ele muda o tom de voz, ficando mais cordial, e dirige a palavra para o tenente:

- Mas senhor comandante, o que esses terroristas queriam atacando uma nave desarmada? E como eles conseguiram tal proeza? E mais importante ainda: Porque uma nave hospitalar, sem armamentos ou carga valiosa?

Prontamente, como se já tivesse a resposta na ponta da língua, Daniel responde:

- São terroristas, João Paulo, terroristas! Suspeitamos que eles estejam a serviço de forças externas à cidade, talvez até mesmo trabalhem para os brasileiros. Certamente estão atrás do CND da executiva, querem as senhas de acesso dos servidores do sistema de defesa da cidade.

- Como assim do sistema de defesa?

O tenente se mostra um pouco embaraçado, espera alguns segundos e então responde.

- Bem, não é segredo para ninguém que a corporação VNR administra os servidores da UNI-Tron...

- Entendo, tenente. Mas então estamos correndo um risco altíssimo, já que esses terroristas escaparam levando a moça junto!

O tenente Daniel fecha ainda mais a cara, olha fixo para a câmera, fica de pé, assumindo uma postura altiva:

- Não vamos descansar até capturar o último dos terroristas. Eu lhes dou minha palavra que Vix não vai sucumbir ao terror! Além do quê, a VNR nos garantiu que todos os seus executivos usam o bio-programa defensivo conhecido como Biocrom, impossível de ser vencido!

João faz mais algumas perguntas ao tenente, porém, a população fica em polvorosa. O pânico se espalha rapidamente. A cidade poderia ficar vulnerável as gangues criminosas que se escondiam nas Zonas de Exclusão, ou pior, poderia ser atacada sem trégua pelas milícias armadas que ainda ocupavam os territórios sem lei entre as cidades-estado.

No mesmo instante em que o tenente fala, centenas de flymobs da UNI-Tron, praticamente todo o efetivo da força, começam a preencher os céus da metrópole, cortando de norte a sul os eixos de cidade, tentando passar segurança para população. Outros milhares de policiais em motos-áreas surgem mais rente ao chão, entrando em ruelas e lugares de difícil acesso.

Mas muitos não acreditaram no que estava acontecendo, pois desde a guerra revolucionária, quando Vitória assinou o acordo de proteção com as Corporações Globais, não haviam decretado um único toque de recolher.

A figura do tenente se desfaz, voltando à frente o nervoso jornalista e as cenas da carnificina. Então, a imagem de uma repórter de campo, ao vivo, direto do local do ataque, é exibida em metade da tela. A mulher veste um traje de corpo inteiro, protegido em várias partes, com a logomarca da RGC bem visível no peito, e apesar da roupa reforçada, ela está bem maquiada e com os cabelos tratados, bastante atraente, é uma das principais repórteres da emissora. Na parte de baixo da tela, a frase "Rebeca Santos ao vivo da zona de guerra" aparece repetidamente durante a transmissão.

Ao seu lado, uma figura bizarra é o seu completo oposto estético: Um homem idoso, imundo, vestido com trapos rasgados repletos de restos de circuitos enferrujados, sujeira por toda a pele, que se apresenta enrijecida, castigada pelo sol. Os cabelos crespos acinzentados envolvem sua cabeça em um blackpower selvagem. Ele possui no rosto várias tatuagens em cor azul, que formam símbolos estranhos, lembrando a escrita árabe; no pescoço, um colar preteado com um pingente semelhante a um olho se destaca no conjunto, atraindo o foco dos milhares que acompanham a transmissão, mas no final, o mendigo é a personificação da pobreza, o avatar da miséria. A repórter, visivelmente incomodada, se afasta um pouco do homem. Ela olha para o drone-câmera que flutua em sua frente:

- Estamos aqui ao vivo do Campo do Nascente, na zona norte, onde ainda a pouco um transporte da VNR foi interceptado por um grupo de terroristas fortemente armados. João, esse senhor aqui ao meu lado alega ter visto tudo de perto, ele tem mais detalhes sobre o que aconteceu.

A repórter estica o braço, levando o microfone bem próximo da boca do sujeito, que arregala os olhos, como se estivesse intimidado pelo drone. Não diz nada durante prolongados segundos, a jornalista, um pouco constrangida, o indaga:

- Senhor... Senhor? Diga para a gente, o que o senhor viu?

O velho parece estar em transe, ele continua encarando a câmera, então, toma uma espécie de susto, piscando os olhos e sacudindo a cabeça; ergue um braço e aponta o dedo em direção a lente da câmera flutuante, Rebeca olha para o drone, exibe um sorriso envergonhado. A boca do velho finalmente se move, e com uma voz rouca, quase fantasmagórica, as palavras são pronunciadas:

- O demônio está solto! E ela vai pegar cada um de vocês, ela vai se vingar. Brincar de Deus tem um preço, homens do leste, e o de vocês não será barato!

A transmissão ao vivo é abruptamente interrompida. João, o jornalista que está no estúdio, aparece com uma cara perplexa, mas rapidamente ele volta para sua costumeira postura.

- Senhores expectadores, mil desculpas... tivemos alguns problemas técnicos com a transmissão da Rebeca...

Ele dá mais algumas explicações, muda de assunto, e logo as imagens do ataque voltam a ser exibidas, em seguira, a gravação do pronunciamento do tenente Daniel é novamente exibida.

Ainda mais assustadas, as pessoas pelas ruas, nos escritórios, nas fábricas e residências começam a se perguntar quem era aquele mendigo, o que ele estava dizendo afinal? Que delírio seria aquele? Quem ou o quê era o tal "demônio"? A Hypernet, a rede de informações mundial e interplanetária, é inundada por posts e mais posts comentando o ataque e tentando decifrar quem era o misterioso velho e o quê suas palavras significavam.

***

Na muito bem protegida e tecnológica sede da VNR, Masayoshi-Tono cerra os punhos. Ele desliga seu CND cortando a transmissão da RGC. Quase que imediatamente, uma série de mensagens surge em um grande monitor na parede da arrojada sala em que ele se encontra, todas provenientes da Europa e do Japão, todas originadas de seus superiores.

Ele havia apostado alto em usar Bel como isca, agora teria que assumir toda a responsabilidade por perder a bio-computador, sua última chance de recuperar a preciosa bio-máquinas da corporação era a chefe da segurança, todas as suas fichas estavam depositadas em Amanda Makarim.

As mensagens são automaticamente abertas e exibidas, em todas elas, uma única frase se destaca em letras vermelhas fosforescentes em um fundo negro: 48 horas.

Masayoshi começa a suar frio, sente o coração acelerar. Ele contacta Amanda.

- Makarim, você tem 48 horas para recuperar a EBC 25, nem mais, nem menos. Estou autorizando o uso das armas inteligentes, seu perfil agora tem acesso total ao projeto Hórus.

Perto dali, a Rainha de Fogo está prestes a embarcar em uma moderna nave de combate da VNR, um novo modelo. Escoltada por uma nova equipe tática, ela recebe a mensagem do superior e, indiferente, não a responde, apenas entra no veículo. Mas por dentro, Amanda é somente fúria, raiva, sentimentos impulsionados por um desejo de vingança. Tudo que ainda é humano em seu corpo anseia pelo castigo daqueles que mataram seus homens e quase a destruíram.

Do outro lado da linha, Masayoshi sabe que Amanda o ouviu, ele conclui a transmissão:

- Não existe espaço para falhas, Amanda. Conto com você.

Minutos antes da nave decolar, uma equipe de técnicos entra no veículo trazendo duas caixas de metal, em uma delas, a maior, seis rifles de última geração, proeminentes do projeto Hórus, são entregues aos agentes. Da caixa menor, um pequeno aparelho semelhante a uma tiara, com um design bastante sofisticado, é retirado e entregue a Amanda, que prontamente o coloca em sua cabeça. Em seguida, os técnicos pegam duas braçadeiras prateadas, que possuem o mesmo design da tiara; cuidadosamente, eles posicionam os artefatos nos braços de Amanda, para logo em seguida fixá-los na nova armadura. Os motores da nave são iniciados, o grupo de técnicos desce correndo, a rampa na parte de baixo do veículo se fecha. Em instantes o flymob decola, assumindo uma trajetória vertical para então projetar-se para fora do hangar. Outras duas naves, menores e mais parecidas com caças de combate, ladeiam o transporte de Amanda. As três aeronaves assumem uma formação de combate, com a nave da Rainha de Fogo à frente, então aceleram, desaparecendo no horizonte de arranha-céus. Na mente de Amanda, a maior certeza é que essa será uma missão de vida ou morte, pois ela não pretende retornar sem Bel Yagami, a executiva bio-computador, e sem exterminar, sumariamente, Maestro e seus comparsas.

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Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.

10 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte VIII - Demônio"

  1. André!
    Ficando viciada em sua Engenharia Reversa...
    Quero mais... e mais...
    Parabéns!
    “A amizade é , acima de tudo, certeza – é isso que a distingue do amor.”(Marguerite Yourcenar)
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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  2. Até que fim mais um capítulo. rs
    Gostando cada vez mais da estória.
    Espero poder ler mais em breve.

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  3. Booooom demais, André! Já termino louca para ler mais rs. Fico imaginando as próximas cenas aqui, curiosidade monstro rs!

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  4. Dois capítulos em um mês *.*
    A Rainha de Fogo indo ao ataque, estou ansiosa; quando um vilão é bem construido você acaba se tornando fã dele, apesar das maldades por ele cometidas, mas acabou que sou fã da Amanda, oponente difícil de vencer, hein?!
    Ainda bem que está perto o próximo capítulo!
    Bjos!

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  5. @RUDYNALVA
    Oi Rudy, ficando viciada na estória ? :)
    Tá ficando bom então né? Muito obrigado pela motivação!

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  6. @Gislaine Silva
    Grato, Gislaine! Já tem mais coisa pronta e saindo do forno em breve!

    Thanks!

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  7. @Larissa Oliveira
    Muito legal, Larissa! Vamos ver se aumentamos essa curiosidade! Rs...

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  8. @Any
    Olha, Any, geralmente quando as pessoas gostam mais dos vilões é um bom sinal!

    Obrigado pelo comentário!

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  9. A cada parte, a coisa só vai melhorando. Agora a pergunta que não quer calar... Alguma proposta para publicar em e-book ou impresso?!?! Deveria pensar nessa possibilidade.

    @_Dom_Dom

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  10. @Nardonio
    Oi, Nardonio. Não recebi nenhuma proposta, mas tenho planos de publicar na Amazon, como e-book. Vamos ver.
    Abraços

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