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12.2.16

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XXIII - Reboot

André Luis Almeida Barreto


Engenharia Reversa


Parte XXIII - Reboot


Masayoshi Ikeda está confortavelmente sentado na luxosa poltrona. Em suas retinas, várias telas virtuais exibem em tempo real os últimos dados empresariais das operações da VNR: vendas de robôs, vendas de sistemas de software, faturamento com flymobs, lucros trimestrais, semestrais, anuais, market share… Contudo, os números não são bons, e a reestruturação, que significou demissões em todo o planeta, não ajudou como o esperado.

Porém, diferente de todos os dias anteriores, o emaranhado de dados ruins não deixam o homem apreensivo, pois para ele, no atual momento, informações empresariais não significam nada. Sabe que precisa ser forte, que precisa fazer exatamente o esperado de um executivo em sua posição. Se segura para não chorar, mas mesmo assim uma singela lágrima desce por seu rosto. Como uma sequência de dominós em queda, uma a uma as telas virtuais perdem seus dados, deixando apenas a mensagem “Acesso Negado”.

Ikeda começa a remover as telas, liberando sua visão do mundo virtual e passando a enxergar seu escritório. O encosto da poltrona automaticamente começa a se mover, voltando para sua posição padrão, ficando totalmente na vertical. Ele olha para a superfície de sua mesa de trabalho, limpa, impecável. O escritório é todo ele um quadrado de vidro inteligente, que no momento está completamente transparente, permitindo que os subordinados de Ikeda o vejam. Ele olha para o único móvel da sala, um armário baixo. Sobre o armário, no vidro digital, fotos de sua mulher e filha são exibidas em sequencia em um pequeno retângulo. “Ela vai entender”, pensa. Então se levanta, anda para o pequeno móvel. Do lado de fora do quadrado, seus funcionários olham assustados, muitos já sabem o que vai acontecer, mutos já viram isso antes.

Ele abre uma das portas do armário, de onde retira uma caixa retangular, toda negra. Leva a caixa para a mesa, a abre e retira a arma, uma pequena pistola. Se volta para as fotos da família, ficando de frente para toda a equipe. Alguns funcionários se desesperam, mas sabem que não devem interferir. “Seja firme, Ikeda, o fracasso nunca foi uma opção”. Sente a mão tremer, e mesmo assim leva à arma até a cabeça, apontando-a para uma têmpora.

Fecha os olhos. Puxa o gatilho. O corpo de Masayoshi Ikeda tomba, gotas de sangue escorrem pelo vidro digital. Alguns colaboradores desmaiam. Cinco minutos depois uma equipe de segurança aparece no andar. Ele entram no quadrado, com muita naturalidade, removem o corpo do executivo, colocando-o sobre uma maca, enquanto isso, uma senhora limpa o sangue espalhado na superfície do caro vidro digital.

***

[Sistema reinicializando em dez segundos…]

Amanda abre os olhos. De imediato reconhece o teto. Está na enfermaria da sede da VNR, em Vix. Braços robóticos terminam de fazer as últimas soldas nas partes eletrônicas de seu corpo, corpo cada vez menos humano. Agora ela possui uma perna e dois braços cibernéticos. Atualizações de software, blindagem de última geração, placas de metal ultra finas, ainda assim super resistentes, sensores especiais. A empresa fez uma completa renovação de seu corpo cibernético, atualizou o sistema e ainda lhe pagou um adicional por danos em campo. “Se Masayoshi tivesse cumprido com sua palavra, eu estaria em alguma lixeira nesse momento”, pensa, sem entender o porquê daquilo tudo.

[Reinicialização concluída. Sistemas atualizado.]

Os braços robóticos se retraem para dentro das paredes. Amanda perde os sentidos por alguns segundos, como se morresse, como se experimentasse uma pequena morte.

Minutos depois ela recobra a consciência, é sempre assim depois de uma atualização demorada. Se senta na cama, rotaciona a cabeça, alongando o pescoço, estalando os músculos que ainda lhe restam naquela região. Toca o chão com seus pés descalços, sente o piso frio com a ponta dos dedos que ainda são de carne. Vê sua imagem refletida em um espelho na parede. Encara ela mesma. O cabelo curto e desgranhado a deixa com um uma aparência meio selvagem, apesar de seus implantes cromados e brilhantes. Um pensamento atípico invade sua mente: “O que eu me tornei? Quem eu sou, afinal?” As perguntas fomentam uma estranha tristeza, algo que a muito ela não sentia.

De súbito, uma porta que parecia não estar ali se abre, revelando um senhor oriental de avançada idade, ladeado por duas mulheres maquiadas e vestidas da forma tradicional japonesa, duas gueichas? supõe, espantando os pensamentos sombrios.

O senhor entra na sala, seguido pelas acompanhantes. Uma instantânea pesquisa no banco de dados corporativo alimenta Amanda com tudo que ela precisa saber sobre ele, é Seiji Nakashima, supremo diretor, um dos fundadores da VNR.

- Senhor - ela abaixa a cabeça em sinal de respeito.

- Por favor, sem formalidades. - Responde ele, tranquilo. Continua a falar - Como você já deve presumir, seu antigo chefe está morto. Era o mínimo esperado. - faz uma pausa - Hoje mais cedo fizemos uma conferência de imprensa. Para todos os efeitos, os terroristas foram mortos, assim como Bel Yagami.

Amanda franze a testa. Seiji prossegue:

- A uma hora dessas eles já devem estar fora de Vix. O alto escalão da UNI-Tron tem fortes convicções de que estão levando a EBC-25 para o Brasil, e essa é nossa única e melhor aposta.

A Rainha de Fogo continua em silêncio por alguns segundos, seu cérebro positrônico funcionando a plena capacidade, finalmente fala:

- É. Faz todo o sentido.

O velho produz um pequeno sorriso.

- Eu gosto de você, Amanda. Não foi culpa sua a decisão desastrosa que Masayoshi tomou. Por isso estou lhe dando essa chance. Liberei uma conta especial, não rastreável, com recursos mais do que suficientes para você montar um pequeno grupo de mercenários. Entenda, nada será oficial, e se por algum motivo isso vier a tona, a VNR vai negar qualquer envolvimento.

- Perfeitamente entendido, senhor.

- Bom! Também fizemos aprimoramentos em seu sistema. Agora você poderá desligar toda a parte eletrônica mas ainda assim seus implantes biomecânicos funcionarão, você manterá sua força e velocidade, e ficará imune aos ataques de Bel, mas terá que lutar como um ser humano a moda antiga, sem nenhum auxílio biodigital.

Amanda se lembra da onda de energia liberada pela garota biocomputador, que matou centenas de oficiais e agentes, e se não tivesse desligado seu sistema imediatamente estaria morta também.

- Me desculpe pelas perdas dos recursos, senhor Nakashima.

- Não se preocupe. Faz parte do ofício. Porém, você deve entender que dessa vez só poderá voltar com a missão cumprida. Estou apostando tudo em você, compreende?

Amanda se levanta da cama, assume uma postura de respeito, exatamente como um militar. Fixa o olhar em Seiji

- Compreendo, senhor. E muito obrigada por confiar em mim. Tenho apenas uma pergunta, de quanto tempo dispomos?

- Do tempo que for necessário, Para todos os efeitos, Bel já está morta. Apenas te falo que ela não pode, em hipótese alguma, colocar os pés na República Federativa do Brasil. Você deve matá-la e a todos que tentaram protegê-la.

- Estamos entendidos, senhor.

- Ótimo!

O ancião dá as costas,andando para fora da sala e seguido por suas acompanhantes, mas antes de sair ele se detêm, voltando a falar:

- Te peço apenas uma coisa, Amanda.

- Senhor?

- Seja rápida. Seja breve. Não quero que Bel sofra.

- Entendido.

Seiji e suas acompanhantes deixam a sala médica, a porta se fecha e Amanda respira fundo.

***

O homem caminha a passos vagarosos, grilhões em seus pés dificultam seus movimentos, mas é a dor proveniente das muitas fraturas que lhe foram impostas a principal causa da morosidade. Dos grilhões nos pés parte uma corrente que se une as algemas em suas mãos, e dessas uma outra corrente sobe até seu pescoço, fixando-se a uma coleira de ferro que abraça a carne, quase sufocando o condenado.

Os guardas ao lado do prisioneiro o empurram, tratando-o com o máximo possível de ignorância. Após andarem por um longo corredor, onde as outras pessoas, ao verem o homem acorrentado, desviavam de seu caminho, eles chegam a uma pequena sala, onde um agente de segurança monta guarda.

- Entre por favor, minha chefe o espera. - diz o sisudo segurança, a voz baixa, o olhar inexpressivo, abrindo a porta para a prisioneiro.

Os dois oficiais se olham, um deles confirma com a cabeça e então se volta para o homem grilhonado.

- Vamos, entra logo aí, Yuri.

O Coveiro obedece, e ao adentrar o recinto se surpreende ao ver Amanda Makarim sentada ao fundo. Ela aponta para a outra cadeira, próxima a entrada. O segurança fecha a porta.

- O que você quer comigo? - Pergunta Yuri, encarando a mulher, sentando-se.

O rosto dele está desfigurado pelos hematomas. Lhe falta um olho e outro está quase negro de tão roxo. Nenhum criogel lhe foi aplicado, foi tratado do jeito antigo. Amanda examina bem a fisionomia abatida. Repara que mesmo sem armadura aquele homem é quase um urso, talvez por isso aguentou o linchamento que os policiais da UNI-Tron lhe proporcionaram.

- Você foi condenado à morte. Será executado dentro de alguns dias. Eu estou aqui para lhe dar uma segunda chance.- diz ela, altiva.

Yuri flexiona o tronco para frente, levanta as sobrancelhas.

- E se eu te disser, cadela, que não quero porra nenhuma vinda de você? - Um sorriso provocativo se forma na boca deformada do Coveiro.

Amanda cerra os dentes, afina o olhar.

- Eu posso te poupar da agonia da espera e matá-lo aqui mesmo. Porém, também posso providenciar que seja libertado e lhe dar a chance de matar Maestro e recuperar sua presa, a engenharia Marcela.

O sorriso desaparece do rosto de Yuri. Ele se joga contra o encosto da cadeira, levantando o rosto.

- Eu quero mais. Eu quero a cabeça da Fúria.

- Isso é com você. Se me ajudar, lhe deixarei livre nas Terras Ermas. Jamais poderá voltar à Vix ou a outra cidade controlada pela GFA, mas terá acesso as Zonas de Exclusão, poderá recomeçar a vida.

Ele pensa por alguns instantes.

- É, é uma boa oferta, ruivinha, e seremos só nos dois? - ele pisca o olho roxo, como um cafajeste. Ela ignora o gesto.

- Não. Preciso de mais mercenários, aliás, estava esperando que me indicasse alguns.

- Fácil. Eu quero Jonas e Rat Bones!

- Aqueles dois que sobreviveram ao ataque ao meu transporte? Eles estão na crioprisão, mas posso tirá-los de lá.

- E depois do trabalho os quero livres também! Vão ser a minha nova equipe!

- Tudo bem. Temos um acordo então, senhor Yuri?

- É, ruivinha, temos sim!

Amanda se levanta, anda em direção a porta, se aproximando do Coveiro. Ele olha para ela com um semblante divertido.

- Veja só como o mundo dá voltas! Um dia eu te dou uma surra, no outro você pede a minha ajuda! Que coisa, não? - Começa a rir, zombando.

Amanda flexiona os dedos da mão da direita, cerrando o punho, então se vira para a ele girando o tronco e projeta um potente cruzado no rosto do Coveiro.

Yuri cai da cadeira, os dentes que lhe restavam voam de sua boca e atingem o chão envoltos em sangue, sua mandíbula é deslocada. A dor é terrível, por pouco não o faz perder os sentidos.

- Nunca mais dirija à palavra a mim de maneira desrespeitosa, seu merda.

Ela dá as costas, o segurança abre a porta da sala. Amanda se detém por um momento, atraindo a atenção dos oficiais que trouxeram o Coveiro, então fala:

- Você é patético, Yuri. Mas nos veremos em dois dias. Minha equipe vai cuidar de você.

Desconcertado, o Coveiro olha para Amanda, vê os dois oficiais da UNI-Tron, que ao perceberem sua situação começam a rir copiosamente.

- Ei, Amanda - ele grita, a voz embolada, sangue escorrendo da boca - Temos que rastrear a Fúria, ela vai nos levar ao Maestro se a Marcela ainda estiver com ele!

A Rainha de Fogo desaparece entre os funcionários da VNR. Depois de um tempo os oficiais de UNI-Tron fazem o mesmo. Um grupo de agentes corporados entra na sala, levantando Yuri e o levando para outra área dentro das instalações da corporação. Porém, apesar da dor e da humilhação ele está feliz, e começa a sentir um desejo tomando conta de seu coração, um desejo que sempre o acompanhava nas caçadas, o desejo de matar, de trucidar, de esquartejar. Primeiro daria um fim em Maestro, o traidor, encheria o homem de porrada e então, lentamente, cortaria sua cabeça. Depois seria a vez da Fúria, ah, ela iria descobrir o significado da palavra dor, poderia torturá-la durante dias, até que Dianna implorasse pela morte, que seria degustada por Yuri com grande prazer; e por fim se voltaria contra Amanda, ele pensa em arrancar cada um dos implantes dela, desmontá-la, infligir dor de maneira minuciosa na carne que sobrou no corpo daquela ciborgue de merda, talvez até usando um bisturi laser! Sim, mostraria para a Rainha de Fogo com quem ela se meteu. O Coveiro sorri enquanto é carregado pelo corredor, causando espanto aos atarefados funcionários que cruzam o seu caminho.

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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.

17 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XXIII - Reboot "

  1. Oii André! Acho que já comentei em alguns lugares sobre o livro ... Tem cara de ser legal, pra quem gosta um prato cheio...Nâo curto mto livros assim...Quem sabe um dia me interesso....Parabéns pela resenha! Bjs

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  2. Oi André! Não me interesso pelo tipo de livro, mas pra quem gosta parece ser muito bom. Amei a edição de capa dessa vez! E a história parece estar cada vez mais a pleno vapor... Continuarei acompanhando.

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  3. Estou adorando acompanhar essa book série, a história está capa vez melhor, estou ansiosa para a próxima parte e assim continuar acompanhando a história.

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  4. Essa book serie parece muito interessante, ainda nao tinha ouvido falar mais gostei bastante da historia, apesar de ser um pouco bruta.... adorei a capa..

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  5. Adorei a nova capa do livro e o capítulo de hoje também. Esperando o próximo.

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  6. Gostei bastante dessa nova edição de capa de Engenharia Reversa, mesmo não sendo um grande fã do assunto, eu estou bem empolgado com os capítulos e quero muito mais.

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  7. Gostei muito dessa capa.
    Porem essa book serie não faz meu gênero literário, confesso que particularmente não gosto, mas espero que quem goste aproveite.

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  8. Bem, esse é o primeiro post que eu vejo desta book serie, então não sou suspeita a falar.

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  9. Como eu disse, não tenho uma aproximação tão forte com a engenharia, mas a sua escrita é bem agradável e fluente, continue assim.

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  10. Não tinha visto essa book série, mas agora que comecei a ler ta viciante!! Aguardando os próximos capítulos!

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  11. A capa nova ficou ótima, pelo que li a história continua boa. Desejo sucesso! Abraços e esperando por mais.

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  12. Trocou a ilustração da capa!Que legal,gostei,ficou bem-feita.

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  13. Primeiro: amei a nova imagem!!
    Segundo: Gente, o Caveiro e a Rainha de Fogo juntos numa missão contra Maestro e os outros?! Essa eu quero ver!
    Terceiro: Cadê o próximo capítulo???? rsrs.
    Parabéns, André!

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    1. Obrigado, Any! Como você pode ver, o bicho vai pegar! Abraços!

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  14. Não acompanhava a bookserie, e fiquei um pouco confusa quando comecei a ler. Mas gostei da leitura, vou acompanhar.

    Abraços :)

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