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29.4.16

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XXVII - Águia de Pedra

André Luis Almeida Barreto


Engenharia Reversa


Parte XXVII - Águia de Pedra


Os raios de sol causam reflexos nas poças. A garoa, que ocorreu alguns minutos atrás, se encarregou de lavar do asfalto o sangue que se recusou a escoar para os bueiros, mas lavou os corpos estirados no meio do beco. Os poucos moradores dos cortiços, que se esconderam durante os tiros na madrugada, ousam se aproximar das janelas, observando com cautela o homem que caminha devagar em direção à armadura reluzente caída no asfalto.

Centenas de drones inutilizados, espalhados ao longo da calçada esburacada, enchem de esperança os olhos de alguns moradores de rua, que cobiçam por as mãos nos avançados componentes eletrônicos daquelas máquinas tão comuns e ao mesmo tempo tão restritas. A armadura feminina estirada no chão também atrai a atenção dos indigentes, mas eles sabem, eles aprenderam que depenar uma máquina como aquela só traz problemas, então, apenas observam, esperando que o homem de feições indianas, nunca visto por ali, retorne logo para o moderno flymob que flutua próximo a entrada do beco.

Raji já esperava por isso, fatalmente o dia chegaria. Quem o observa vê apenas um senhor bastante calmo, mas por dentro, seu coração bate acelerado enquanto uma tempestade de emoções e lembranças alimentam uma ansiedade crescente. Ele se ajoelha ao lado do corpo de Dianna, toca levemente a armadura, lágrimas nascem e descem por seu rosto.

Um som estridente espanta os mendigos e catadores de sucata, que correm carregando os drones que conseguiram pegar. Lá no alto, uma nave de tamanho médio, toda negra e imponente, começa a descer em ângulo vertical, as turbinas flexionadas para baixo levantando a poeira da ruela.

Ficando a cinco metros do asfalto, o transporte abre uma porta lateral por onde duas figuras, um homem e uma mulher, ganham o chão. Ao ver a Gladium VI inutilizada, o homem corre na direção da armadura.

- Yuri! O que você está fazendo? - Inquere a mulher.

- É a Fúria! É aquela maldita!

Raji olha para trás e, vendo o brutamontes se aproximar, se vira para ele e fica de pé, então saca uma arma de aspecto ameaçador, um revólver de grosso calibre. Ele estreita o olhar e ergue o braço, a massa de mira perfeitamente alinhada com a cabeça do recém chegado, que por sua vez estanca surpreendido.

- Mais um passo e eu estouro seus miolos, Coveiro. - Diz o indiano.

Yuri exibe os dentes em um sorriso largo, contemplando o corpo de Dianna.

- Vejam só! A desgraçada enfim bateu as botas! - Diz eufórico, mas então olha para o chão, curvando as pálpebras - Uma pena, seja lá quem for o bastardo que acabou com ela, o cara me tirou um grande prazer.

Três pequenos pontos vermelhos formando um triângulo equilátero aparecem no meio do peito de Raji, que continua firme com a arma apontada para o Coveiro. Ele ignora totalmente a ruiva com o rifle, o reflexo da mira laser apenas o faz piscar um pouco.

- Você morre antes de puxar o gatilho, quer apostar? Seu bosta! - Zomba Yuri.

- Os registros. Queremos os últimos registros gravados pela Fúria; audio, video, fluxos de dados, tudo. Nos entregue e você viverá. - Diz Amanda com extrema frieza, um pouco mais atrás do Coveiro, o rifle em punho como se fosse uma extensão de seu próprio corpo.

- Tenho uma outra proposta, moça. Deixe-me matar esse facínora. Será rápido, só um tiro no meio da testa. Então te falo o código de acesso. - Responde Raji, firme.

- Acaba logo com ele, chefe. Depois a gente hackeia a armadura e descobre até qual foi a última vez que a cadela cagou lá dentro. - Diz Yuri, rindo e tentando desestabilizar Raji.

- É impossível hackear a Gladium VI. Qualquer tentativa e ela simplesmente vai queimar os registros. - Raji sobe o tom - Acredite em mim, eu programei a coisa toda. E então, moça, qual vai ser? - ele segura a arma com as duas mãos, flexionando o indicador rente o gatilho, mas sem ir até o fim. Yuri começa a aparentar um pouco de ansiedade.

Então dois homens descem do flymob negro, trajados com armaduras leves mas sem os capacetes. Flanqueiam Amanda e tal como ela apontam suas armas para o indiano. O mais alto e perturbadoramente magro, movendo-se com passos calculados, chega mais perto do Coveiro.

- O que tá rolando, Yuri?

- Tu é cego? Esse fodido aí tá fazendo jogo duro! - Responde o Coveiro, então Rat Bones faz uma careta e examina Raji dos pés a cabeça, esboçando extremo desprezo.

- Odeio esses imigrantes de merda! - Diz o mercenário magricela.

- Vamos acabar logo com isso! Somos quatro e ele é só um velho! - Grita Jonas, mais atrás, ao lado de Amanda.

- Mas...que barulho é esse!? - Diz Rat Bones, desviando o olhar para o céu.

Um zunido fraco se faz ouvir ao longe, bem acima do grupo. Em segundos ele se torna mais nítido.

- É a merda da UNI-Tron! - Esbraveja o Coveiro, ainda com o olhar fixo na arma de Raji.

- Coloquem os capacetes! A polícia não pode identificá-los!- Ordena Amanda.

- Esses bostas não vão colocar coisa nenhuma, moça. Acho que você já se decidiu! A vida dele é minha! - Diz Raji, estreitando o olhar.

Amanda sabe que não pode se arriscar, e embora odeie Yuri, abrir mão das habilidades do caçador seria um desastre para a missão, ao mesmo tempo, as informações da armadura são o bem mais importante no momento, então ela resolve arriscar.

- Senhor, diga o seu preço.

- O quê? - Raji pisca por um momento - Como assim meu preço?

- Pago o que você quiser pelos dados, vamos, diga!

Aproveitando-se do momento de distração, Yuri avança sobe Raji, porém, incrivelmente rápido para a idade, o indiano puxa o gatilho. A bala se choca contra a placa da armadura leve, atravessando a proteção e varando o lado direito do corpo de Yuri o fazendo girar no ar e cair aos pés do atirador.

- Porra! Você vai morrer, porco miserável! - Esbraveja Rat Bones, apontando sua arma.

- Vamos acabar com esse desgraçado! - Grita Jonas, também mirando no indiano.

- Não! Abaixem as armas! - Intervém Amanda.

Imediatamente a Rainha de Fogo envia um sinal através de seu cérebro positrônico. A frequência é captada por sensores subcutâneos, implantados em Rat Bones e em Jonas. Em segundos o sinal dispara uma onda de dor nos mercenários, os impedido de segurar suas armas e os fazendo arquear e gritar.

- Eu disse para baixarem as armas. - Afirma Amanda, serena.

Raji fica sem ação, olhando incrédulo para a ruiva de armadura negra, que continua com o rifle em punho fixo nele, enquanto no chão Yuri se lamenta e se debate de dor.

- Um milhão. É minha única oferta. - Diz a Rainha de Fogo.

As sirenes dos flymobs da UNI-Tron se tornam mais presentes, agora as naves estão próximas do asfalto. Raji engole seco, pensa rápido, então faz um gesto com a cabeça, aceitando a oferta.

Amanda abaixa a arma, o indiano se dirige à Gladium. Ao lado do elmo, ele abre uma pequena tampa que esconde uma porta de dados. Retira do bolso um pequeno dispositivo e o conecta na porta. Um led se acende no dispositivo. Em seguida se coloca de pé e se aproxima da mulher.

- Aqui, todas as gravações da armadura.

Amanda pega o dispositivo, então se volta para os mercenários, ainda tontos, porém já recuperados.

- Peguem Yuri. Vamos embora. - Ela encara Raji - os fundos foram transferidos para a conta de Dianna. Sinto muito por ela.

Amanda dá de ombros, subindo na nave. Rat Bones e Jonas carregam Yuri e rapidamente entram no veículo. As turbinas aumentam o fluxo e logo o flymob sem identificação começa a ascender e a acelerar, deixando um rastro de fumaça branca.

***

Dentro da cabine, sentado no banco do copiloto, Raji observa a vasta floresta passando ligeira enquanto o flymob se aproxima da propriedade da família Médici. Então o mar se agiganta logo à frente, e uma pequena ilha se destaca. A nave começa a desacelerar, parando perfeitamente alinhada com uma mansão que é a única construção da ilha; inicia o procedimento de pouso, planando para baixo sobre o átrio da residência.

No pátio, um grupo de seis figuras vestidas com mantos negros da cabeça aos pés aguardam em uma formação de semicírculo. Um pouco de poeira se dispersa no ar, uma batida seca é produzida entre o metal do trem de aterragem da nave as pedras que formam o piso, então a rampa lateral do flymob se abre, revelando um caixão prateado ladeado por quatro homens, com Raji a frente. A esquife flutua no ar e, com um leve toque, os homens o fazem se mover para fora da nave, descendo a rampa. Então os encapuzados assumem os lugares da equipe da Fúria, circulando o caixão e virando-o para o sul, para então levá-lo vagarosamente par fora do átrio. Os outros homens se colocam atrás, formando uma pequena procissão.

O grupo passa pelo portão de ferro e adentra a floresta, seguindo por uma estradinha rústica com o chão de paralelepípedos, as copas das árvores, imensas, bloqueiam os raios de sol. Minutos depois eles chegam a uma pequena clareira, onde mais pessoas aguardam. Ao lado de uma mulher de cara fechada, a pequena Graziella Di Médici, ao ver a sinistra comitiva, tenta segurar as lágrimas, se lembrando das palavras de sua mãe: seja forte nos momentos mais difíceis, pois são nesses momentos que seus inimigos vão fica de olho em você.

Ela reconhece Raji, o que a faz se sente um pouco melhor. O indiano se aproxima da menina, deixando o grupo de encapuzados para trás. Ele se ajoelha frente a ela, olhando fundo em seus olhos.

- Vai passar, querida, vai passar.

Então a comitiva fúnebre se move em direção a um círculo de pedra construído no centro da clareira, deixando o caixão sobre o mesmo. Solenemente, os homens se afastam. Um senhor vestido de preto se destaca das pessoas que rodeiam o círculo, andando em direção ao centro. Em sinal de respeito, todos abaixam as cabeças, o senhor encara a multidão, por fim cravando os olhos em Graziella. Em meio a um silêncio quebrado apenas pelo piar de algumas aves, o velho homem se pronuncia:

- Dianna de Médice. Mulher, mãe, intrépida, sagaz, forte, caçadora. Honrou seu clã, agraciou sua família. Viverá para sempre em nossos corações; e jamais, jamais será esquecida.

O velho se afasta do círculo de pedra, imediatamente, imensas labaredas surgem em volta do caixão, fazendo com que a multidão recue um pouco. As chamas logo começam a derreter a prata, que se funde ao corpo de Dianna para então correr para a superfície de pedra, que fora esculpida com o formato de uma grande água. A prata derretida corre pelos sulcos da pedra, preenchido o desenho e dando conteúdo a imensa águia. Impressionada, Graziella não consegue tirar os olhos do fogo. Quase uma hora depois, as chamas morrem e a multidão se dispersa.

***

Raji está sentado em sua estação de trabalho. O silêncio do salão é quebrado por passos vagarosos, que logo cessam. O senhor de preto agora está de pé observando um dos monitores, onde a imagem de um prisioneiro seminu, dormindo com a cabeça cheia de eletrodos, é exibida sem pausas.

- É a presa?

- Uma delas. - Diz Raji, apático - O que devo fazer com ele?

- Mate-o.

- Como o senhor desejar, senhor Vicenzo.

- Mas antes, me mostre o video. Preciso ver para crer nas suas palavras. - Diz o velho.

Raji pressiona algumas teclas, imediatamente em um dos monitores do console uma imagem se forma. A tela mostra uma jovem loira ajoelhada ao lado de outro jovem caído no chão, repentinamente, uma garota morena se coloca na frente deles. O punho de Dianna, vestida na Gladium, cruza a tela acertando o rosto da garota, que cai desnorteada.

- Espere, vou adiantar um pouco. - Diz Raji, acelerando a gravação - Aqui, nessa parte..

Vicenzo arqueia as sobrancelhas ao ver o brilho sobrenatural nos olhos da morena, então se assusta ao ouvir o desespero de Dianna enquanto os sistemas da armadura entram em curto circuito; aturdido, o velho italiano observa a queda da armadura o ângulo da câmera vira noventa graus. A última coisa que vê é a estranha jovem ajudando a loira e o rapaz, os trÊs rapidamente desaparecem na noite. O monitor fica sem negro. Um silêncio desagradável invade o ambiente.

- Quem é aquela mestiça?

Raji retrocede o video, congelando a imagem na cena em que Bel aparece com os olhos brilhando, então responde:

- É a Bel Yagami, executiva da VNR. Foi recentemente sequestrada por terroristas. Segundo a mídia, morreu nas mãos deles.

Taciturno, o senhor Vicenzo se aproxima bem do monitor, abismado com a imagem. Ele observa a tela durante vários minutos, deixando Raji incomodado, então se vira e começa a se afastar, mas, antes de sair do salão, se detêm por um segundo.

- Não sei o que ela é, mas quero a cabeça dela na minha mesa.

https://www.facebook.com/engenhariareversalivro

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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.

8 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XXVII - Águia de Pedra"

  1. André!
    Estava com saudade de ler a continuação da história.
    Adorei a capa, ficou bem feita.
    Sucesso querido!
    “Muitas palavras não indicam necessariamente muita sabedoria.” (Tales de Mileto)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

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  2. Oi!!!.

    Ótima parte, não estava acompanhando, mas vou começar com certeza me parece ser muito bom.
    Linda essa capa, detalhes interessantes.
    Muito sucesso.
    Boa Tarde.

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  3. Li esse capítulo e achei legal, mas ao mesmo tempo fiquei confusa por não ter lido todo o resto. Estou lendo do começo pra entender melhor.

    Abraços :)

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  4. Como não estava acompanhando, ainda não cheguei nesse capítulo. ^^

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  5. Olha eu aqui de novo! Estou lendo e acompanhando e gostando mto, parabéns!

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  6. Dei uma parada com a leitura da série, mas continuarei assim que possível.

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  7. Oii!
    Realmente tá mto bom os capítulos, achei mto legal!
    Qro conferir o livro tdo assim que der...
    Bjs!

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  8. Raji,Yuri,não lembro deles,hum...acho que são personagens novos nesse capítulo.Bel Yagami sempre importante.
    Como sempre,desejo inspiração pra você no projeto,André.

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