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3.10.14

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte III - Revolução em Berço Esplêndido



Engenharia Reversa


Parte III - Revolução em Berço Esplêndido


No começo da década, o cenário político no mundo era instável. A Guerra do Milênio entre os EUA e a China havia acabado sem que houvesse um vencedor, deixando ambos os países em uma situação crítica e com suas economias arrasadas. A União Europeia, que decidiu não participar da guerra, se consolidou como um bloco econômico autónomo juntamente com a Rússia, Japão, Singapura, Taiwan e Oceania. O bloco foi nomeado com a sigla GFA, do inglês “Global Freetrade Alliance”, ou Aliança de Livre-comércio Global. Algum tempo depois a Coréia Unificada, inicialmente uma grande rival do bloco, foi forçada a entrar na aliança. A NATO/OTAN se tornou o braço militar da GFA e mais tarde, com a participação da Rússia, passou a ser o maior poder militar vigente no planeta, uma vez que os exércitos dos EUA e da China estavam sucateados e esgotados pela guerra.

A quebra das duas maiores potências mundiais abalou profundamente o equilíbrio de poder no mundo, além deixar o mercado financeiro em pedaços e frear a globalização. Muitos países de fora do bloco GFA estavam enfraquecidos e endividados, enfrentando índices alarmantes de desemprego e inúmeras revoltas populares. A ONU estava estagnada e o seu destino era incerto; as entidades internacionais mais fortes, como o FMI, o Banco Mundial e a Cruz Vermelha, estavam encerrando suas atividades ou sendo remanejadas.

Algumas poucas regiões conseguiram manter certa estabilidade com os países mais ricos se juntando e formando blocos ultra protecionistas. Isso aconteceu no Oriente Médio, com a união de Israel, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Kwuit, que formaram o bloco CHEVER, e também na América, com a união entre o México e o Canadá; outros países em boas condições socioeconômicas fecharam suas fronteiras e sacrificaram o desenvolvimento tecnológico, cessando diversas atividades comerciais com o resto do mundo e concentrando seus esforços na criação de mercados internos sustentáveis, mesmo que isso implicasse em um retrocesso industrial.

Além da GFA e dos novos blocos de poder havia uma nova potência econômica e militar que ficava mais forte a cada dia, se estabelecendo como uma opção de salvação para os países em situação de emergência: as gigantescas corporações privadas globais. Chamadas de GC - Global Corporations - Esses conglomerados empresariais tinham suas sedes na Europa, Rússia e Japão, e durante a guerra muitos deles haviam conseguido licenças para criar seus próprios exércitos, sob o pretexto de proteger suas instalações e funcionários.

As GC passaram a exercer uma enorme influência nos países de fora da GFA, principalmente naqueles que estavam em situação emergencial e não conseguiram se juntar aos blocos protecionistas. O novo modelo foi amplamente executado na África, onde as corporações assumiram o controle das maiores nações muitas vezes comprando as estruturas de produção e reservas naturais diretamente do governo, que era então substituído por um conselho de executivos. Sob o controle empresarial vários países foram “quebrados” em cidades-estado independentes, chamadas também de megalópoles, pois esse era o modelo mais eficiente apontado pelos computadores biológicos das megacorporações.

Porém, nos blocos protecionistas, muitos culpavam as GC e os governos das antigas potências como os principais responsáveis pelo terrível cenário em que o mundo se encontrava, e assim leis que restringiam ou mesmo proibiam as operações das megaempresas foram aprovadas. Mas como resultado prático, essas medidas só aumentaram o isolamento e restringiram os avanços tecnológicos nos países que as adotaram, o que para muitos líderes foi considerado um mal necessário.

Na América do Sul a situação havia fugido do controle. Protestos cada vez mais constantes se transformavam em revoltas, que na maioria das vezes terminavam em verdadeiras batalhas urbanas. Desesperados, os governos começaram a reduzir as liberdades individuais e a impor medidas autoritárias, como toques de recolher e forte censura aos meios de comunicação.

No Brasil, quase dois séculos de corrupção desmedida, ingerência dos recursos públicos e uma massiva estagnação econômica, levaram os protestos populares a níveis colossais, onde imensas passeatas repletas de atos políticos culminaram em greves generalizadas e invasões de prédios públicos e meios de produção privados.

A repressão por parte do governo só aumentava e em resposta grupos radicais se armaram e passaram a confrontar o Estado, transformando passeatas em conflitos armados e aterrorizando a sociedade, que se polarizou. A situação chegou a um ponto insustentável e o governo decretou Estado de Sítio em quase todo o território nacional. Os grupos rebeldes foram imediatamente tachados de terroristas ou guerrilheiros, sendo então declarados inimigos da nação.

Leis restritivas foram aprovadas e qualquer coletivo ou indivíduo que demonstrasse apoio aos terroristas era imediatamente investigado e na maioria das vezes preso, sob a alegação de prisão preventiva para o bem comum. Movimentos separatistas tornaram-se populares em vários estados; a economia afundou de vez; e a palavra “Revolução” passou a ocupar as manchetes dos jornais e as redes sociais.

Os atos terroristas se espalharam e as Forças Armadas ocuparam as ruas, mas ao mesmo tempo os grupos rebeldes se fortaleciam e se financiavam; o bloqueio das redes privadas digitais e da Internet não foi suficiente para conter as vozes da revolução, pois a tecnologia cada vez mais avançada e acessível era difícil de ser controlada. Os mercados virtuais livres ou MVL's, antes chamados de mercados negros digitais, haviam se espalhado de tal forma que era impossível bloqueá-los. A UNI-Tron - a polícia internacional bio-digital - tirava do ar cerca de duzentos MVL's por dia, mas para cada site derrubado surgiam mais cinco, espalhados em servidores escondidos em países distantes.

Dessa forma projetos de armamentos como robôs de batalha, armaduras biomecânicas, drones, micro-motores de fusão nuclear, rifles de todos os tipos, granadas e vírus bio-digitais estavam disponíveis e livres do controle do Estado. No fim das contas era apenas uma questão de quanto dinheiro e influência você ou sua organização possuía.

No início, os grupos radicais conseguiram muitas tecnologias bélicas nos MVL's, porém os rebeldes ainda não eram fortes o suficiente para confrontar diretamente as forças do governo, sendo forçados a adotar técnicas de guerrilha ao estilo “sobreviver hoje para poder lutar amanhã”. Mas de alguma maneira as forças revolucionárias começaram a ter acesso a armamentos e equipamentos cada vez melhores. Muitos militares que também estavam insatisfeitos com a situação do país desertaram para se juntar aos revoltosos.

Os ataques contra o governo se tornaram comuns e logo a população se viu no meio de um guerra não anunciada. As maiores empresas de comunicação foram estatizadas, o toque de recolher foi declarado, e os conflitos armados se espalharam por todo o território nacional. Ficou evidente que as forças federais não eram suficientes para manter a ordem, e além da terrível guerra, uma escalada de violência varreu o país, assustando ainda mais a população civil. Conflitos urbanos não diretamente ligados a revolução tornaram impossível a vida em muitas cidades. A força policial era insuficiente e rapidamente foi vencida, em muitos lugares não havia mais lei ou ordem. O número de refugiados aumentava de forma progressiva com imensos comboios fugindo para as cidades onde ainda existia alguma segurança.

As principais organizações revolucionárias ou terroristas, dependendo do ponto de vista, eram: o Comando Para a Liberdade, a Frente Armada Socialista, a União Conservadora Nacional e a Vanguarda Anarquista. Todos esses grupos tinham apoiadores anônimos e apesar de fortes divergências ideológicas visavam o mesmo objetivo: derrubar o governo e reformar o Estado. Porém alguns deles arquitetavam planos mais obscuros, e por isso foram acusados de almejar a implantação de algum tipo de regime autoritário.

Os combates se intensificaram e os rebeldes começaram a atacar alvos estratégicos para incapacitar as forças da União. Essa estratégia funcionou, forçando o comando militar em Brasília a separar suas tropas. Ao mesmo tempo, aproveitando a situação, muitos grupos separatistas conseguiram tomar o poder em alguns estados e montaram seus próprios exércitos independentes, que lutavam contra o Governo Federal e também contra os revolucionários.

Três anos de guerra se passaram e apesar dos esforços de ambos os lados o final do conflito parecia cada vez mais distante; o caos havia se instalado e as milhares de mortes estavam se tornando rotina. Cidades inteiras se transformaram em campos de batalha e gigantescas zonas de refugiados começaram a aparecer aos montes. Mas nem nesses locais as pessoas conseguiam escapar da violência, que se alastrava como uma epidemia.

Então as forças revolucionárias perceberam que com cada uma lutando por uma causa e não raro lutando entre si, seria muito difícil ou até mesmo impossível derrotar o Governo Federal. Em um ato inédito, colocaram suas diferenças ideológicas de lado e resolveram juntar as armas, firmando um pacto que levou à criação da “Frente de Libertação Nacional”, chamada oficialmente de FLN.

Em um ato surpreendente, a primeira ação da FLN foi a tomada do estado do Rio de Janeiro, onde suas forças derrotaram em um único combate as tropas federais e as milícias armadas do crime organizado. O evento ficou conhecido como a “A Batalha da Guanabara”, sendo o Rio de Janeiro declarado como o primeiro território livre de um novo país.

Aquele combate foi uma grande derrota para a União, levando o comando militar federal a ordenar uma retirada de todas as tropas que restaram no front fluminense. Em seguida, o comando deslocou mais da metade das forças que protegiam outras cidades visando um reagrupamento. Essa foi uma decisão impopular, que deixou vários pontos estratégicos com pouca capacidade defensiva, dentre eles os portos e refinarias no Espirito Santo e as instalações industriais em vários estados do norte e nordeste. O Governo Federal alegou que era uma manobra temporária e que novos reforços seriam despachados, mas isso não acalmou os ânimos das populações dessas cidades. As tropas da União se dirigiram para o norte do território de Minas Gerais, onde o que parecia ser uma grande ofensiva contra a FLN estava sendo preparada.

Desesperados, muitos governadores e prefeitos que perderam o apoio da União tentaram acordos com os estados que se emanciparam, mas poucos conseguiram e mesmo assim a ajuda era incerta. Temendo uma represália da FLN, esses governos recorreram a única opção que restou: a ajuda das corporações globais.

Vitória foi uma das cidades que negociou com várias megacorporações, e em troca da criação de zonas de livre comércio, onde as empresas poderiam instalar suas filiais com uma tributação mínima, recebeu um avançado contingente militar e um upgrade em sua estrutura portuária e industrial. Mas ficou evidente que o próprio governo da cidade pouco a pouco seria substituído por um conselho de executivos. “Foi o preço a pagar pela segurança do povo”, como disse na época em um famoso pronunciamento a prefeita Carla Moratelli.

As forças federais também chamadas de Exército da União eram comandadas por uma junta militar composta por três generais, todos muito bem protegidos e alojados em uma base secreta localizada em Brasília. Dentre os três, o marechal Guedes da Fonseca, já idoso porém bastante experiente, era o supremo comandante de todo o contingente militar. Sua estratégia consistia no uso irrestrito da força bruta e ele planejava um ataque massivo e direto contra a base central dos revolucionários: a cidade do Rio de Janeiro. As forças federais eram constituídas primariamente pela infantaria, com mais de seiscentos mil soldados, em segundo vinham as divisões de veículos blindados e robôs bípedes de combate, chamados de droides, e por fim a força aérea, composta por dez mil aeronaves de caça e bombardeiros.

As tropas da FLN eram formadas por duas grandes divisões, a primeira, a “divisão Gavião”, era constituída por soldados experientes, desertores do exército da União, que contavam com apoio aéreo e uma brigada de veículos blindados, totalizando um efetivo de quatrocentos e cinquenta mil homens, dez divisões blindadas e sete mil caças. Esse contingente era comandado pela general Sônia Ramos, ex-militar da república de tendências conservadoras. Suas tropas foram responsáveis pela conquista do Rio de Janeiro na Batalha da Guanabara e agora protegiam a cidade.

Entretanto, a segunda divisão das forças revolucionárias era um mistério para a inteligência militar do Governo Federal. Sabia-se que tal força era liderada por um ex-ativista e guerrilheiro de ideologia radical, conhecido como Sánchez, ou General Sánchez. Ele havia sido o responsável por várias vitórias da FLN no norte e no nordeste, usando táticas experimentais de guerrilha e tecnologias de camuflagem, que tornaram impossível descobrir o efetivo total de suas tropas. Essa força era chamada de “divisão Camaleão”, e relatórios da ABIN indicavam que era formada por algo entre duzentos e trezentos mil homens, sem tanques ou aeronaves. Porém, em uma grande batalha em Olinda, a inteligência afirmou que o general rebelde havia sido morto em combate, entretanto não foi possível recuperar seu corpo, que teria sido dilacerado por uma bomba térmica.

Então, no dia 27 de Abril de 2048, ao sul do estado de Minas Gerais, na mesorregião da Zona da Mata, próximo a cidade de Juiz de Fora, as tropas da União lideradas de Brasília pelo marechal Fonseca avançaram contra uma linha defensiva formada por tanques da divisão Gavião. Os droides e blindados federais iniciaram um ataque de artilharia devastador, que arrasou uma parte do terreno abrindo uma brecha na linha dos revolucionários; em seguida, a Força Aérea Federal bombardeou a infantaria da general Ramos, mas os bombardeiros foram interceptados pelos caças rebeldes.

O combate que se seguiu foi o mais violento de toda a guerra. As forças federais atacaram com bravura, forçando os rebeldes a retrocederem para um vale cercado de pequenos morros e montanhas cobertas por densa vegetação. Em Brasília, eufórico com o resultado do conflito até aquele momento, o marechal Fonseca ordenou que suas forças perseguissem e destruíssem todo o inimigo.

O exército da União entrou no vale. A infantaria estava na dianteira, seguida por dezenas de colunas de blindados e robôs. Os rebeldes se espalharam abandonando seus tanques e buscando posições defensivas nas encostas dos morros em meio as árvores. Os federais, certos da vitória eminente, continuaram a perseguição disparando suas armas a esmo; eles não perceberam que estavam caindo em uma armadilha.

Enquanto em terra as forças da divisão Gavião retrocediam, nos céus o combate estava equilibrado. Muitos caças rebeldes foram abatidos, inclusive sem chances para que seus pilotos ejetassem, mas um pequeno esquadrão formado por oficiais de elite estava dando o troco: usando mísseis inteligentes eles conseguiram provocar muitas baixas à força aérea federal.

Muitas aeronaves em chamas caiam no meio das tropas, matando soldados de ambos os lados e provocando baixas inusitadas. O caos reinava, transformando o outrora belo e verde vale em um sangrento campo de batalha, talvez o mais atroz de toda a história da América do Sul.

Então o inesperado aconteceu: camuflados em meio as árvores e enterrados no solo, dezenas de milhares de soldados da temida divisão Camaleão saíram de seus esconderijos e entraram na batalha. Eles rapidamente flanquearam as forças federais e começaram a destruir um por um os tanques e robôs. Sem saber o que fazer, os soldados da União se viram no meio do fogo cruzado.

Em Brasília, dentro da sofisticada central de comando e cercado por militares de altas patentes, o marechal Fonseca não acreditava no que via diante de seus olhos. Subitamente, a grande tela que transmitia ao vivo as imagens da batalha perdeu o sinal, ficando completamente azul. Um míssil rebelde havia atingido o satélite militar que transmitia as informações. Instantes depois, a maioria dos dados táticos das forças federais sumiram dos monitores, restando apenas aqueles das tropas de apoio e logística, que ainda estavam estacionadas nas proximidades de Juiz de Fora. O último comando do marechal naquele dia terrível foi ordenar a retirada imediata daquela tropa, enviando helicópteros de transporte e solicitando aos caças restantes que dessem cobertura para a evacuação.

Tomado pela raiva, o marechal finalmente havia entendido: As informações da morte de Sanchéz eram falsas. Toda a rede de inteligência federal estava comprometida. Brasília poderia estar cheia de espiões.

Alguns dias depois, as forças da FLN lideradas pelos generais Ramos e Sánchez marcharam para Brasília. Outras tropas menores, vindas das regiões norte e nordeste, se juntaram ao exército vitorioso e engrossaram suas fileiras. Era só uma questão de tempo e a antiga capital federal seria conquistada.

Entretanto, o marechal Fonseca não se deu por vencido. Em um ato desesperado e sob a justificativa de livrar a cidade da presença de espiões, ele derrubou todo o governo civil e estabeleceu uma junta militar de sua confiança, depondo o antigo presidente e tomando o seu lugar. Logo em seguida reuniu as forças restantes e as enviou para as fronteiras dos estados da região centro-oeste. Cercado por seus seguranças, o novo presidente fez um discurso enfurecido, onde prometeu lançar bombas atômicas contra o Rio de Janeiro e todas as outras cidades controladas pelos rebeldes. Ele brandou que a república jamais morreria, decretando que agora toda a antiga região centro-oeste seria o novo Brasil.

Exatos dez dias depois o grande exército rebelde chegava as fronteiras do novo território brasileiro. As ameaças de Fonseca se tornaram constantes, mas ele não lançou as bombas, porém conseguiu prender e executar muitos espiões rebeldes.

Militarmente superior e com maior contingente de tropas, os comandos da FLN impuseram muitas derrotas ao exército brasileiro, que só não foi derrotado graças a um acordo de última hora, assinado entre o presidente Fonseca e o primeiro ministro argentino, Sebastian Cortez. Quinhentos mil soldados profissionais argentinos equilibraram a luta, forçando as forças da FLN a recuarem, transformando a invasão rebelde em uma guerra de cerco.

Meses se passaram e o conflito entrou em um impasse. Os rebeldes não conseguiam derrubar as defesas das tropas brasileiras, que se protegiam em barricadas e trincheiras e recebiam suprimentos constantes do governo e da nova aliada, a Argentina.

Ao mesmo tempo o novo governo da FLN se via envolto em um mar de problemas crescentes: falta de comida e água nos territórios afetados pela guerra, a necessidade vital de reconstrução da infra-estrutura das cidades, pequenas revoltas que explodiam em vários lugares e a ameaça constante de ataques das cidades-estado corporativas ou dos antigos estados da União, que agora eram países autônomos, como São Paulo e a República dos Pampas.

A necessidade de manter as tropas abastecidas também começou a pesar, e logo os líderes rebeldes chegaram a um acordo com a nova república brasileira. Um tratado de paz foi assinado e o exército revolucionário se retirou para o Rio de Janeiro, deixando pelo caminho vários batalhões para reestabelecer a ordem.

De volta ao Rio, a general Ramos e o general Sánchez foram recebidos como heróis, atraindo cada um deles um imenso apoio político. O território livre sob o comando da FLN era imenso, e logo ficou claro que um governo centralizado e forte precisaria ser empossado o quanto antes. Os dois generais se candidataram ao cargo de presidente, cada um defendendo posições opostas: enquanto Ramos queria uma nova democracia federalista e uma economia alinhada com a GFA, Sánchez argumentava em favor de uma república popular, com o poder dividido em comunas e diretrizes econômicas socialistas e protecionistas.

O que se seguiu foi a total polarização do governo provisório que culminou em uma nova crise. Um grande debate aconteceu, após o qual as pesquisas indicavam que o lado da general Ramos, o Partido Federalista, iria vencer o pleito. Mas a aliança política que apoiava o general Sánchez reagiu, acusando os federalista de serem meramente herdeiros da velha política e quererem seguir os mesmos caminhos do antigo governo brasileiro. Não tardou, e logo os dois lados estavam se enfrentando nos meios de comunicação e nas ruas da capital fluminense.

A situação ficou fora de controle quando as forças da divisão Camaleão se negaram a obedecer as ordens do governo provisório, jurando lealdade ao general Sánchez. Dias depois, as tropas da general Rámos invadiram o palácio do governo e decretaram estado de sítio, removendo o governo provisório e tomando o poder.

Uma vez mais a guerra havia retornado, com os dois exércitos rebeldes iniciando um conflito nas ruas do Rio de Janeiro. A aliança que originou a FLN chegava ao fim. Os combates duraram quase um mês e ao final as forças do general Sánchez se retiraram da cidade, sendo perseguidas e caçadas pela divisão Gavião até o interior do antigo estado de Minas Gerais.

Enquanto isso, o território livre conquistado pelos rebeldes se desmantelava. Grupos armados em diversas capitais entraram em conflito com as antigas forças da FLN, e em muitos locais as derrotaram, tomando o poder e instalando regimes desumanos, onde os antigos cidadãos foram transformados em escravos. Os que podiam fugir chegavam aos campos de refugiados, mas em geral a grande parte do povo, a antiga população brasileira, estava abandonada à própria sorte, fazendo de tudo para sobreviver.

Algum tempo depois, a divisão Gavião retornou ao estado do Rio de Janeiro, que havia se tornado um novo país, batizado como a “República do Estado Fluminense”, ou REF, e governado pela general Ramos, empossada presidente Sônia.

O general Sánchez se estabeleceu no norte e nordeste, criando pequenos estados socialistas que se fecharam completamente contra todas as influências externas, isolando-se do novo cenário político-econômico que surgia na América Latina.

Outras megalópoles corporativas e países surgiram, adotando novas políticas e regras sociais, descartando as antigas instituições e recomeçando do zero. Ficou evidente que a vida nas cidades-estado era melhor, pois as mesmas contavam com o apoio e os recursos da GFA. Os governos dos novos países eram formados em sua maioria por descendentes das famílias mais poderosas do antigo Brasil, e eles repudiavam as megacorporações e suas cidades-estado, mas acabaram assinando pactos de comércio com elas, pois não tinham meios de produzir os vários insumos e bens de que necessitavam.

Mas um grande número de pessoas ainda estava a mercê da sorte, vivendo nos imensos campos de refugiados espalhados pelo antigo território brasileiro. Muitos tentaram entrar nas cidades-estado ou nos novos países, mas devido a políticas sociais rígidas eram expulsos dos centros urbanos, tornando-se excluídos. Essas pessoas foram chamadas de “expurgados”.

Pouco a pouco os expurgados começaram a aceitar a sua condição, muitos tentaram reconstruir suas antigas cidades, mas como não possuíam os recursos necessários, foram forçados a adotar estilos de vida arcaicos, utilizando equipamentos e máquinas do pré-guerra e iniciando culturas de subsistência.

Infelizmente, a violência ainda imperava, e logo as comunidades de expurgados passaram a lutar entre si, disputando os parcos recursos naturais que ainda restavam no território e não eram explorados pelas cidades-estado ou pelos países. Com o tempo, os grupos mais fortes foram conquistando suas terras e uma ética tribal surgiu entre as comunidades expurgadas, que então adotaram a denominação de “clãs”.

Alguns expurgados não aceitavam a vida nos clãs e tentavam a todo custo viver nas cidades-estado, onde de fato alguns conseguiam sub-empregos. Por algum motivo desconhecido, as megalópoles corporativas se tornaram mais tolerantes, permitindo que imensos assentamentos surgissem próximos as suas muralhas, verdadeiras favelas repletas de expurgados e criminosos perigosos. Esses locais foram chamados de “Zonas de Exclusão”, e era mesmo melhor para um expurgado tentar a sorte em uma delas do que em um novo país, onde os visitantes indesejados eram recebidos à bala.

Com o tempo, as Zonas de Exclusão cresceram sem nenhum tipo de governo ou lei, sendo o poder exercido por organizações criminosas ou clãs de expurgados. As corporações não interferiam em nada que acontecia fora dos muros de suas cidades, e assim um outro mundo surgiu, um mundo de criminosos, tribos e fugitivos de todos os tipos, abastecido por um imenso mercado negro e vivendo do que as megalópoles descartavam.

Para muitos estudiosos, a existência das Zonas de Exclusão e do povo expurgado eram a prova de que a revolução havia fracassado, pois ela havia segregado ainda mais a população brasileira e criado um abismo de desigualdades, algo digno da idade média; para muitos, o preço da liberdade pago com o sangue de milhões era amargo e injusto.


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Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.

28 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte III - Revolução em Berço Esplêndido"

  1. Gosto muito do modo como tu escreve, apesar de usa palavras não muito comuns no nosso cotidiano, o texto fica completamente compreensível, e prende muito o leitor. Parabéns, e eu vou continuar acompanhando a história por aqui!

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  2. Obrigado, Patrini! Sinta-se a vontade para comentar e dizer tudo que está achando da história, todas as críticas construtivas são muito bem vindas!

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  3. André, muito bom!!
    Percebi uma mudança significativa na escolha das palavras e confesso que gostei bem mais assim. Ficou mais fácil de ler, mais fluido.
    Adorei esse panorama geral do mundo, dos conflitos geopolíticos e econômicos globais. Deixou o contexto da trama mais compreensível e mais interessante.
    Minha única ponderação aqui é a de que fiquei com a impressão de que essa parte poderia vir antes dos dois primeiros capítulos. Mas como não sei exatamente como a trama discorrerá daqui para frente, pode ser que o capítulo se encaixe perfeitamente onde está. Vamos ver! rs
    Parabéns mais uma vez. A história está ficando muito boa!
    bjs

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  4. Oi, Ana. Excelente observação. Depois que eu comecei a escrever os dois primeiros capítulos, eu percebi a necessidade de uma contextualização do mundo, daí escrevi esse na sequência. Outra coisa que acho necessária é algum tipo de glossário para as tecnologias, não sei ainda, vamos ver como as coisas ficam no decorrer da história, Muito obrigado pelo seu feedback! Valeu!

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  5. André, gostei bastante da continuação do texto e notei que você está evoluindo cada vez mais, detalhando mais as coisas e trabalhando mais o jogo das palavras e de descrições que enriquecem mais o texto. Bem legal você abordar esse tema tão envolvente, com questão global referente a economia e política.
    Está ficando uma obra muito rica em seus detalhes, sem dúvida.

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  6. "Desbravadores de Livros", muito obrigado pelo comentário positivo. É bem gratificante perceber que os leitores estão apreciando a obra e de certa forma contribuindo com ela. Mais uma vez obrigado!

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  7. André gosto muito da maneira como você escreve, pois me prende de um jeito que não dá para desgrudar os olhos da leitura até que não tenha mais nada a ser lido! Estou amando cada detalhe e como sempre ansiosa por mais.

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  8. Gostei do texto, tive de ir ler as outras parte e só depois voltar aqui para acompanhar.
    Achei a temática do texto bem interessante e virei com certeza acompanhar as sequencias para criar conclusões mais fortes sobre ele.

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  9. Que bom saber, Wanessa! Acho que você vai gostar ainda mais do próximo capítulo!

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  10. Legal, Kris! Opiniões dos leitores são sempre muito importantes!

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  11. Adorei o texto, muito bom. Vou lá ler os outros!
    Adoro esse tema, adoro livros/crônicas com o tema Guerra.
    Parabéns!

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  12. Desculpe André, peguei o barco andado, e terei que voltar ao início para entender melhor tudo.
    Bjs, Rose.

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  13. Gabrielly, não é bem Guerra o tema do livro, foi só esse capítulo que era para contextualizar melhor a história, mas beleza, espero que goste dos dois primeiros capitúlos!

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  14. Legal, mas queria saber se tem ilustrações na obra, me interessei bastante, gosto de temas com a intenção dos personagens a sobreviver e as guerras, acho bastante difícil escrever sobre guerras e lutas pois é um assunto muito complexo e acho que tem que ter um baita cérebro para este tipo de escrita, achei boa a forma que você escreveu para qualquer tipo de leitor pudesse ler e compreender.
    Beijos e parabéns, está ficando ótimo.
    ThaynáQ.

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  15. @thayna ta Obrigado, Thayna. Eu realmente gostaria que tivesse algumas ilustrações, ou pelo menos um mapa, vamos ver!

    Abraços!

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  16. Gostei bastante do texto... A sua linguagem é bem legal de entender, apenas algumas palavras que são um pouco mais complicadas, mas nada que impeça a leitura... E gostei bastante de tantas referências históricas... Está bem legal... Já quero ler o próximo...
    Kisses =*

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  17. @Loly Fonseca
    Obrigado, Loly! E pode realmente dizer tudo que está achando da história!

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  18. Fiquei "boiando", pois não li os anteriores, mas desejo boa sorte em sua carreira!

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  19. Gostei muito da sua escrita, me pareceu uma historia bem interessante.
    Tive que volta e ler os outros capítulos. E achei tudo muito legal, estou aguardando por mais. :)

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  20. Estou gostando bastante da sua história, André! A cada capítulo lançado, vou me envolvendo cada vez mais. No começo, tive uma leve dificuldade com os termos tecnológicos, mas logo esse probleminha passou, pois a ambientação está ótima. Aguardando as próximas partes.

    @_Dom_Dom

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  21. @Ingrid Moitinho
    Muito obrigado, Ingrid! Está chegando já o momento de publicarmos a continuação! Abraços!

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  22. @Nardonio
    :-) Pois é, Nardonio, esse lance com os termos técnicos merece um glossário, que provavelmente irei criar! Muito grato por estar curtindo a história! Abraço!

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  23. Bem diferente e criativo. Gostei muito da forma que foi escrito e espero ter oportunidade de conhecer mais do seu trabalho. Parabéns!!!

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  24. @Gislaine Silva
    Muito grato, Gislaine, se ainda não leu recomendo que leia as outras partes também. Thanks!

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  25. O texto ficou muito bom....
    A escrita é muito boa, realmente.... é de uma maneira que a leitura fica devagar, por causa da escrita difícil, mas o entendimento é tranquilo.

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  26. @Karolyne K.
    Ei Karolyne, vc quis dizer que a escrita está complicada? Poderia explicar melhor por favor?

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