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11.5.15

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte VI - Emboscada!



Engenharia Reversa


Parte VI - Emboscada!


O bairro Santo Antônio, em Vix, possui uma história secular: colonizado por imigrantes diversos, em pouco tempo o comércio foi estabelecido como a atividade econômica dominante, perdurando até os dias atuais; durante a revolução, com o controle da cidade sob as rédeas das Corporações Globais, a região foi deixada de fora dos planos arquitetônicos que transformaram o cenário urbano em um complexo labirinto de metal e vidro, além disso, a vista grossa das autoridades, principalmente a UNI-Tron, estimularam o desenvolvimento do crime organizado, que se consolidou sob as rédeas da centenárias famílias locais.

Com suas construções de baixa estatura para os padrões vigentes, o bairro abriga uma grande diversidade étnica e cultural, que pode ser apreciada nas agitadas ruas do Mercado Popular Allegra, um imenso shopping center a céu-aberto, bem ao lado das docas do recente porto Guizzo, de propriedade da família de mesmo nome. Nas galerias do mercado, nipônicos, árabes, africanos, latinos e a população local se misturam entre vendedores de rua e lojas de diversos tipos e tamanhos; nos céus, vários flymobs de carga decolam das docas próximas, enquanto outros mais chegam trazendo mercadorias para abastecer o varejo.

No centro do shopping, na área conhecida como "A Esfera", uma grande estrutura de vidro e ferro com vários andares, dezenas de pessoas e principalmente muitos jovens adultos e adolescentes se encontram nos cafés e lanchonetes para curtir, conversar e realizar pequenas trocas envolvendo os bio-programas mais quentes do momento, especialmente os ilegais. No meio deles, um rapaz que aparenta ter uns vinte e poucos anos se senta em uma mesa do café "Vapor Trails" e pede um cappuccino. Ele possui os cabelos longos tingidos de prateado e óculos escuros de um modelo clássico escondem seus olhos. Com um comando mental em seu CND, o jovem se conecta a um canal de audio protegido, do outro lado da conexão, Thiago Klein recebe a chamada e ativa sua interface de comunicação.

- Grande Osias! E então? Que mandas, matador?

O jovem de cabelos prateados esboça um pequeno sorriso.

- Matador?! Tá doido! Eu só quebrei uns Goozes que tentaram me derrubar do servidor da Matsudana, porra, um bando de lesados!

- Cê tá me zoando, cara? Você mandou os trouxas direto para a oficina!

Osias riu alto dessa vez, lembrou do pânico dos oponentes quando ele invadiu seus sistemas, sentia-se de fato poderoso por ter colocado os quatro no hospital, poderia, inclusive, tê-los matado, mas aí a coisa ficaria séria e ele acabaria se dando mal.

- E eu fiz tudo isso dá casa da minha garota, usando só o console podrão do velha dela, e que agora virou metal reciclado! Tronca a parada, né não? Agora imagina se eu tivesse aí, detonando com o seu PowerDesk! Boy, seria épico!

- Certamente, maluco, certamente... Mas, enfim, chega de babar seu ovo, imagino que a galera deve tá te idolatrando que nem astro de Glitchcore, é a glória, né? Então, bora falar de negócios - Thiago muda o tom da voz, como aprendera com Maestro - Conseguiu ou não clonar a parada?

Osias, ainda empolgado, aproveita para beber um gole do cappuccino e então abre outra tela virtual, visualizando um diretório em três dimensões, ele rapidamente navega entre os dados e localiza um arquivo entre muitos.

- Tá tranquilo, boy. Deu um trabalhinho, mas eu consegui chegar lá roteando um CND daqueles otários, o cara tinha mesmo ligação com a ProtoLogics! A informação de vocês vingou!

- Beleza, Osias, passa prá cá que já tô fazendo a transferência para a sua conta. E se liga maluco, pega parte da grana e some por uns tempos, entendeu?

- Claro, claro, fechou! É sempre animal trabalhar para você!

Os créditos em bitcoins aparecem instantaneamente na tela virtual de Ozias, antes mesmo do arquivo terminar de ser copiado para o sistema de Thiago. O rapaz termina seu café, passa a mão nos cabelos pratrados e se prepara para sair do estabelecimento.

- Ei, Osias, vê se não esquece de apagar o programa de comunicação!

- Lógico, cara! A gente nem se conhece! - Ele ri enquanto passa pela porta do Vapor Trails, nesse exato instante, um sensor capta o sinal de seu CND e debita de sua conta o valor do cappuccino. Ele então deleta o pequeno programa que acabara de usar para falar com Thiago, o software era tão protegido que só funcionava se os dois usuários estivem numa distância mínima de três quilômetros um do outro, uma precaução de segurança.

A exatos dois quilômetros de distância da Esfera, na base de operações de Maestro, Thiago termina o download do precioso programa e envia uma mensagem para o chefe, avisando-o sobre a nova aquisição. Ele então levanta da confortável cadeira que usa para operar o Saturn Mark III e vai até uma bancada próxima, pega um cinto repleto de pequenos dispositivos eletrônicos, é um console bio-digital portátil, praticamente uma versão menor do Saturn, porém menos poderosa. Coloca o cinto, em seguida abre uma gaveta e pega uma pistola, confere se a mesma está carrega e então a coloca em um coldre, para em seguida fixá-lo na perna direita. Por última veste sua costumeira jaqueta verde-oliva.

Sai de sua sala, entrando em um espaçoso corredor com paredes amareladas e castigadas pelo tempo, exatamente como todos os outros cômodos do prédio.

Vários homens que trabalham para Maestro, em sua maioria samurais urbanos e soldados das ruas, passam por Thiago carregando armas pesadas e equipamentos diversos, Klein grita para eles:

- Pessoal, faltam 30 minutos!

Alguns respondem, outros não, continuando seus afazeres como se o hacker nem estivesse presente, o que para Thiago já era bem normal, com o tempo se acostumou a trabalhar com aquele pessoal.

O nervosismo começa a crescer novamente na alma de Thiago, conversar com Osias tinha sido muito bom, eles eram amigos de longa data, porém, agora a realidade voltava a tona e mais uma operação de código 302 estava prestes a começar, a coisa ficaria feia.

Ele entra no elevador, aperta o botão da cobertura do prédio, as engrenagens iniciam a subida. Thiago estava prestes a se encontrar com o Coveiro, o assassino mais famoso do continente, mas que para ele não passava de um açougueiro, um psicopata que deu muita sorte na vida.

Em minutos chega ao destino, a porta do elevador se abre e o jovem adentra a grande área que fora transformada em aeroporto para os veículos da organização criminosa. Caminha um pouco e olha para os céus, algumas nuvens ofuscam o sol, nem sinal da nave do Coveiro, ainda. O barulho das ruas pode ser ouvido com clareza, ele se aproxima do parapeito. Vê, ao longe, as ruas abarrotadas do mercado Allegra, vislumbra a Esfera, onde Osias provavelmente ainda deveria estar, gastando a grana do serviço, importunando algumas garotas, e garotos também. "Quem me dera estar lá agora", pensa.

Preocupado, ele olha para o relógio, "Cadê o merda do Coveiro?" Então, uma idéia recorrente volta a mente de Thiago: mandar aquilo tudo para o inferno e sumir no mundo. Sim, ele poderia conseguir os próprios trabalhos, poderia fazer uma boa grana, já conhecia os esquemas, tinha alguns contatos...Mas o problema era sua ficha criminal, apagá-la seria um trabalho hercúleo, que demandaria recursos e ação no mundo real, invadir os sistemas de UNI-Tron era barra-pesada demais. Novas olhadas para o céu, nem sinal da nave do assassino midiático.

De repente, a porta da torre do elevador se abre sem que Thiago perceba. Dois homens entram na área da cobertura, eles andam calmamente na direção do hacker. Um deles é baixo e atarracado, usa uma camiseta branca estampada, cortada nas mangas, que deixa seus torneados braços cibernéticos cobreados bem à mostra. A estampa da camiseta exibe as palavras em inglês "Fuck You!" em cor preta e fontes alongadas. Possui um corte moicano aplicado sobre os cabelos tingidos de verde; a aparência do homem é bizzarra, quase cômica, mas a metralhadora automática XS MAG que ele carrega acaba com qualquer impressão zombeteira, é conhecido nas ruas pelo nome de Jonas.

Já o outro é bastante magro e alto, de semblante sério, cara de nenhum amigo, possui a pele muito pálida, quase como a de um cadáver, veste uma jaqueta de couro preto bem surrada, quase não tem cabelos e usa um curioso modelo de exosqueleto, que visto de longe lembra uma aranha de apartamento, daquelas com o corpo bem pequeno e esférico e com longas pernas, nesse caso, o corpo da aranha é o módulo de controle do equipamento, que fica posicionado nas costas, como uma mochila, e a partir do qual se projetam membros mecânicos que se prendem aos afilados braços e pernas do sujeito. O equipamento é incrivelmente silencioso, embora confira ao homem força sobrehumana. "Rat Bones" é o seu nome no submundo de Vix.

Ambos trabalham para Maestro em missões ocasionais, e Thiago não gosta de nenhum dos dois, especialmente o "cadáver tunado", como ele chamava Rat Bones, com quem já teve inúmeras discussões acaloradas no passado, muitas das quais terminando em agressões.

Apesar de ser um criminoso, Klein havia crescido em uma família de intelectuais e pacifistas, que eram contrários tanto as forças revolucionárias quanto a ocupação da cidade pelas Corporações Globais, ele havia sido ensinado a ficar do lado da justiça e dos mais fracos, a lutar pela liberdade das pessoas, por isso havia se tornado um hacker e embora com o tempo a ideologia enfraqueceu, ele ainda cultiva seus valores e ideais, mesmo que de uma maneira heterodoxa.

Já Rat Bones e Jonas, como a maioria dos soldados das ruas, não tinham escrúpulos ou respeito pela vida alheia, cresceram em ambientes devastados pela pobreza pós revolução e haviam aprendido desde cedo que o dinheiro era o verdadeiro Deus dos homens. Tinham ideologias e visões de mundo completamente opostas à maneira como Thiago pensava.

Então Jonas, como sempre, é o primeiro a falar:

- Thiago, cadê o cara?

A voz do homem é bastante grave, destacando-se frente aos sons das ruas, Klein se assusta por um breve instante, mas logo percebe se tratar de um dos insuportáveis mercenários de aluguel. Ele se vira e não gosta nada de ver Rat Bones ao lado de Jonas, fecha a cara e faz uma expressão de quem não sabe de nada.

- Não faço idéia, Jonas. Ele deve tá chegando a qualquer momento, enviei a mensagem como o Maestro mandou e o babaca confirmou que iria participar, mas você sabe como esse açougueiro é, só pensa na grana e em trucidar os mais fracos, é um bosta!

Os dois mercenários se espantam com a frase de Thiago, eles se entreolham, Rat Bones encara o jovem e ruivo hacker com uma expressão inquisitiva e autoritária.

- Como é que é? Babaca? Bosta? - Retruca ele. - Porra, mais respeito, Klein! Tu não vale um terço da merda do cara!

A voz do homem é irritante, e Thiago já estava de saco cheio de toda aquela situação. Ter que aturar aqueles dois, que eram fãs assumidos da Hora do Caçador e mais fanáticos ainda pelo Coveiro, só piorou a situação. Ele não consegue se conter.

- O cara é um bosta, sim! E você, Rat Bones, e tão bosta quanto ele, ou até pior, pensando bem, tu é um covarde, que se esconde atrás dessa coisa aí agarrada nas suas costas para surrar os outros! - ele para de respirar por um segundo e então aumenta o tom da voz - Tu é um covarde!

Rat Bones não se segurou, a raiva dominou seus pensamentos e num gesto muito rápido, ele partiu para cima de Thiago, ativando mentalmente o exosqueleto e erguendo o braço direito para acertar um belo soco na cara do rapaz.

Mas o hacker conseguiu ser ainda mais rápido, e num movimento perfeito, sacou a pistola, destravou a arma, e então a apontou certeira para o rosto de Rat Bones, mirando bem entre os olhos cansados do mercenário.

- Ei, ei vocês dois! Chega disso! - Interveio Jonas, gritando e se colocando entre os oponentes. Com um braço ele segura firme o pulso de Thiago e com o outro intercepta o golpe de Rat Bones.

- Porra! Nós temos uma missão a cumprir! Vocês vão estragar a jossa toda! Rat Bones, meu chapa, tu pode acertar as contas com o fedelho depois!

- Larga meu braço, Jonas! Foda-se a missão! Eu não tolero mais um frangote desses me tirando!

O coração de Thiago disparou, ele havia perdido a cabeça. Sentiu a mão biônica de Jonas apertando seu braço, se o mercenário quisesse, poderia facilmente quebrá-lo.

- O moleque é importante, ele é parte do plano, Rat, além do que se você der cabo dele o Maestro nunca vai te perdoar, saca? Faz uma força aí, cara, pensa na grana!

Rat Bones respira rápido, mas o sangue começa a esfriar. Era realmente uma bolada o que os dois receberiam por aquele serviço, ele de fato poderia esperar um momento melhor para esfolar Thiago, um momento onde o riquinho metido a criminoso estaria desprevenido.

Então os três escutaram o barulho ensurdecedor de poderosas turbinas. Uma ventania produzida por elas fez com que os ânimos se acalmassem. Jonas largou o pulso de Thiago e a mão de Rat Bones, enquanto a grande nave do Coveiro manobrava acima deles, preparando-se para pousar na cobertura.

Por um breve momento os olhares de Thiago e Rat Bones se cruzam, ambos sabem que aquela história ainda não terminou.

A porta do elevador se abre mais uma vez e vários homens saem por ela, eles carregam muitas caixas com equipamentos diversos. Logo se dirigem para um ponto específico, bem demarcado no chão da cobertura, e começam a empilhar as caixas.

O elevador fez mais uma viagem, e um grupo de homens fortemente armados sai de dentro dele, eles se dirigem para a nave, que terminou sua manobra de aterragem e agora está desligando as turbinas, expelindo uma fumaça branca por pequenas escotilhas embaixo da fuselagem.

Thiago, Jonas e Rat Bones se dirigem para junto do grupo de samurais urbanos e soldados das ruas, que estão posicionados bem na frente da nave, do lado da pilha de equipamentos.

Então a rampa embaixo do grande flymob se abre, revelando um homem loiro, alto e bastante musculoso, é Yuri Webber, o Coveiro. Ao lado dele, surgem vários técnicos vestidos com roupas amarelas de borracha, que correm em direção a pilha de equipamentos e começam a transportá-los para dentro da nave.

Yuri termina de descer a rampa e se dirige para o grupo de homens de Maestro, fica bem na frente deles e olha cada um nos olhos, percebe que muitos estão empolgados. Examina cada detalhe dos homens, suas armas, coletes de proteção, armaduras, fisionomias; identifica que o equipamento é todo de primeira. Reconhece Thiago, o hacker ruivo que o havia contactado lá na Zona de Exclusão, não vai com a cara dele. E finalmente, após balançar a cabeça afirmativamente várias vezes, solta as esperadas palavras:

- Senhores, será um imenso prazer realizar esse trabalho com vocês!

Na maior parte dos rostos o contentamento fica evidente, exceto por um ou outro samurai e por Thiago Klein, que deseja ser tele-transportado para algum lugar bem distante dali.

***

Na zona norte da cidade, Maestro guia habilmente seu flymob, fitando, quilômetros a frente, a nave da VNR, que por sua vez acelera cada vez mais, seguindo por vias aéreas pouco movimentadas e entrando em zonas da cidade que parecem ter sido esquecidas, bairros que ficaram de fora da expansão imobiliária e são repletos de pequenas casas e condomínios de baixa renda, habitados pelos trabalhadores menos especializados.

Ao lado de Maestro, Davi começa a recobrar a consciência:

- Cara, minha cabeça... parece que explodiram uma bomba dentro dela.

- É o criogel, e também o bio-programa que detonou seu CND. - responde Maestro, sem tirar os olhos da aéreo via.

Então Davi se recorda de tudo que aconteceu: Bel, a transa dos dois, o momento crucial do serviço, em que deveria copiar os dados corporativos de dentro do CND dela, ele sente um calafrio, lembra-se da vitrotamida e do programa hostil que invadiu seu sistema, quase levando-o a morte. Maestro continua a falar:

- Você me chamou no último segundo, lembra ? Cheguei bem a tempo de remover seu CND, o vírus já tinha tomado conta dele e em seguida iria detonar seu corpo. Por sorte eu estava te monitorando.

- Ai! - Davi geme, passando a mão atrás da orelha direita, onde deveria estar a porta de dados do CND - Cara, você removeu meu computador?!

- Sim, era a única chance de te salvar. Nós ainda precisamos de você.

O bio-hacker fica em silêncio, Maestro faz uma pausa e então continua em um tom mais sério:

- Eu lamento, mesmo. Agora você terá que procurar um outro ganha pão. Mas a missão ainda não acabou, e o contratante deve te pagar um extra pela perda do seu equipamento, mais adicionais de insalubridade.

Davi fica consternado. Ele estava no auge da carreira, tinha dado muito duro para conseguir ser reconhecido como um dos melhores bio-hackers em atividade. Foram dezenas de trabalhos impecáveis, que alçaram o codinome "Vampiro" para as mais altas posições nos rankings do submundo. Mas agora estava tudo acabado, nunca mais poderia usar um CND novamente, teria que usar equipamento externo, o que nem de longe se compara a ter o próprio cérebro como plataforma de bio-computação. E a Bel? O que fizeram com ela? Onde ela estava? Como sabiam das intenções dele e instalaram nela um programa de defesa tão forte, capaz de subjugar o KDCode?

Pensando nela ele começou a sentir algo...Sentia saudades! Algo que nem se lembrava mais como era. Mas a raiva começou a surgir e a crescer em seu espírito, a raiva de ter sido humilhado, literalmente quebrado e jogado para escanteio. Então lhe veio a tona uma frase que Maestro acabara de dizer, afinal, o que ele quiser dizer com "Nós ainda precisamos de você" ?

- Cara, eu estou acabado, estou na merda, mesmo. Mas o que vocês ainda querem comigo? A missão falhou, Maestro! Bel deve estar morta - sentiu um pesar no coração - , eles com certeza copiaram todos os dados importantes da minha memória, inclusive o código-fonte do KDCode! Que merda, cara...

Maestro apenas ouviu. Davi, revoltado, começou a tirar conclusões, a xingar:

- Aqueles filhos da puta, eles sabotaram nosso plano! Na certa Infiltraram alguém dentro do seu pessoal, alguém que sabia que eu tinha o KDCode, e então passou todas as informações para a VNR. Porra, agora eles tem o código-fonte e na certa vão criar um vírus contra o KDCode, ou seja, estamos ferrados, cara. Ninguém mais vai conseguir hackear um Biocrom!

- Não é nada disso, Davi.

- Como é que é? O que eu disse faz todo o sentido! Pensa, cara, fomos traídos!

- Eu já lhe disse, e vou repetir: a missão ainda não acabou.

- Corta essa! Como assim, cara? Eu não consegui copiar droga de informação nenhuma, nunca mais vou poder hackear de novo, nunca mais vou ver a Bel, os caras conseguiram o código do único programa que representava uma ameça para eles... Como a porra da missão não acabou?

Maestro percebeu que deveria abrir o jogo para o bio-hacker. Havia muita coisa em jogo, e Davi era peça fundamental para os movimentos que deveriam ser executados.

- Davi, você realmente não deveria saber de nada, não agora. Mas nós íamos revelar o plano para você em algum momento futuro, pode acreditar, porém, como você se ferrou feio, e isso não era esperado, vou abrir o jogo.

O bio-hacker arregala os olhos e vira-se para Maestro, ignorando a dor de mexer o pescoço.

-Manda, cara.

- Nós não queríamos informações corporativas, Davi, nós queríamos que você sondasse a Bel para confirmar nossas suspeitas, e para isso vocês precisavam se apaixonar, precisavam criar um laço emocional.

Davi fica perplexo, por que queriam a Bel? Por que queriam que eles se apaixonassem? Quem era ela, afinal? Maestro contina:

- O KDCode continha um pequeno código que foi executado quando você invadiu o CND da moça. Sem você saber, o programa confirmou nossas suspeitas e nos alertou.

O rapaz ficou irado, quase gritando e batendo contra a porta do flymob ele indagou Maestro.

- Não acredito! Vocês sacrificaram o KDCode, me detonaram, e tudo para descobrir uma pessoa? Porra, ela deve valer trilhões de bitcoins! E pode saber, senhor deletador, que eu vou querer minha parte em dobro! Dobro! - ele toma fôlego e continua - Mas quem é ela afinal?

Maestro balança a cabeça em uma negativa.

- Não estamos falando de dinheiro, ainda, Davi, e o que aconteceu com você foi uma fatalidade, lamentamos por isso. A VNR estava atrás do KDCode à décadas, e eles de fato podem ter te rastreado. Mas entenda, a questão aqui é muito mais complexa, vai além de bitcoins e intrigas corporativas. A pergunta correta que você deveria fazer não é quem ela é, é: O que ela é?

- Não to entendo porra nenhuma, cara...Me explica esse negócio melhor!

- Tudo bem, eu serei o mais claro possível: a Bel não é humana. Ela é um bio-computador.

A frase foi um choque para Davi, que fica boquiaberto, ele não acredita nas palavras do deletador, o homem só pode estar doido!

- Maestro, na boa, que história é essa? Eu vivi com aquela mulher, passei momentos ao lado dela, eu transei com ela! Porra, vocês estão loucos é? Aquilo não é um bio-computador, é uma pessoa maravilhosa, que não merece sofrer!

- Olha, para um bio-hacker você está com idéias bem limitadas... Mas vamos lá, vou tentar resumir a história... - Maestro se prepara para explicar todos os fatos, porém, um alerta em seu CND chama sua atenção - Espere um momento!

- O que foi agora?

Uma chamada de videoconferência classificada como prioridade máxima chega ao CND de Maestro. Ele projeta uma nova tela virtual em sua retina e mentalmente liga o piloto automático do flymob, então se volta para Davi:

- Por hora fique sabendo o seguinte: estamos indo resgatar Bel. Tenha paciência que vou lhe explicar tudo no devido tempo. Agora me dê licença que essa chamada é muito importante.

- Resgatá-la? Ok, Maestro, você vai ter que me explicar tudo mesmo, e detalhe por detalhe, caso contrário, vou ferrar com esse esquema todo!

Maestro dá de ombros, voltando-se para a videoconferência. A imagem se forma exibindo uma sala onde estão Thiago, Yuri, Jonas, Rat Bones e Henry, o chefe de operações do Coveiro. Thiago é o primeiro a falar:

- Chefe, estamos à caminho. Embarcamos na nave do Coveiro e ...

- Olá, Maestro - Interrompe Yuri, entrando na frente de Thiago, que fica com cara de frustrado. Rat Bones e Jonas soltam um risinho provocativo, o coveiro prossegue - Então, chapa, quais são as coordenadas do ponto de encontro e qual é o plano?

Maestro não gosta da atitude de Yuri.

- Thiago, bom trabalho. O software de roteamento já calculou o caminho que o transporte da VNR vai seguir. E, Yuri, estou transmitindo os dados para sua nave nesse exato instante.

- Beleza, fera! Mas qual é o plano afinal? Vamos só derrubar o transporte e pegar a carga?

- Prefiro discutir isso pessoalmente, estou mudando a rota, vou encontrar vocês em alguns minutos. Encerrando por aqui.

- Certo, Maestro, nos vemos daqui a pouco, mas ...

A transmissão é cortada por Maestro. Ele faz uma curva fechada com seu flymob pegando uma outra aerovia, pouco movimentada, então acelera ao máximo os motores do veículo. Longe dali, a nave do Coveiro faz o mesmo. Ambos se dirigem para um ponto de encontro previamente definido.

***

Dentro do transporte da VNR, Amanda e o doutor Felipe entram em contato com a sede da corporação. Usando a transmissão holográfica, as imagens de ambos aparecem dentro de uma arrojada sala de reunião, onde um grupo de executivos aguarda pelas novidades.

- Bem vinda, Amanda, presumo que a missão foi um sucesso. - Diz em um tom cordial um homem oriental de meia-idade, vestindo um terno negro muito elegante, sua característica mais peculiar é ter implantes em forma de meias esferas no lugar das orelhas.

- Masayoshi-Tono - Amanda abaixa a cabeça em sinal de referência ao homem, o doutor Felipe a acompanha, após alguns segundos ela continua - Ainda estamos executando, senhor, conseguimos o código do KDCode, intacto, e estamos prestes a capturar o bio-hacker.

Masayoshi fechou o rosto.

- E a senhorita Bel? Precisamos dela intacta.

Foi a vez de Felipe falar.

- Ela está bem e saudável, Masyaoshi-Tono, vamos reiniciar suas funções cognitivas em breve, ela não se lembrará de nada.

- Você pode garantir, doutor, que as memórias referentes ao bio-hacker serão perdidas?

- Bem, não temos cem por cento de certeza, senhor, para assegurar isso teríamos que realocar a rede neural da EBC 25, o que poderia comprometer as habilidades desenvolvidas ao longo de sua vida, e para tal, teríamos que transferi-la para a matriz.

- Entendo. - o executivo faz uma pausa - Está bem, doutor Felipe, faça isso, estou autorizando a transferência da EBC 25 e alocando um VRI para levá-los à Tóquio. Não podemos correr o risco dela ter memórias residuais.

Felipe assentiu, então Amanda tomou a palavra:

- Masayoshi-Tono, acho que corremos muito risco desnecessário por expor uma EBC dessa maneira.

- Amanda, entendo suas preocupações, porém, só um EBC seria capaz de interceptar o KDCode. Como você bem sabe, restaram muito poucas dessas ... - ele para de falar por alguns segundos, procurando o melhor termo - "criaturas", e somos extremamente dependentes delas, entretanto, os ataques via KDCode estão comprometendo nossa estrutura de poder, acelerando o roubo de informações sigilosas e prejudicando nossa posição no Market Share global, agora, graças a você, obtivemos uma vantagem competitiva incomensurável, e vamos esmagar a concorrência!

Não havia muito o que argumentar. Embora Amanda não concordasse, ela não poderia voltar no tempo. Após um longo silêncio, apenas abaixou a cabeça, concordo com seu superior. Ele então prosseguiu:

- Vocês estão de parabéns, mas o trabalho precisa terminar. Amanda, elime o bio-hacker o quanto antes, apague todos os registros de suas atividades, faça com que ele nunca tenha existido.

- Perfeitamente, Masayoshi-Tono.

A transmissão termina. De volta ao transporte, o doutor Felipe vibra, pois terá uma chance de ir a Tóquio e realizar um procedimento que sempre quis fazer, a realocação neural.

- Não vejo a hora, minha cara Amanda, de sair desse fim de mundo e voltar para a civilização! Vocês não vão mais precisar de mim, vão?

Amanda ignora Felipe. Ela acessa seu CND e se conecta a rede orbital de satélites da VNR, usando um filtro de calor, scaneia todo o território por onde o transporte está se movimentando, troca o modo de buscas para um novo filtro, exclusivo da empresa, que consegue detectar assinaturas de armas eletrônicas e redes táticas digitais, geralmente utilizadas por comandos ou grupos de samurais urbanos. Bingo. Eles estavam chegando.

Ela se desconecta, pega o capacete de combate em cima de uma pequena prateleira e se move velozmente para o outro comodo da nave, mas antes, alerta Felipe:

- Doutor, ainda não acabou. Recomendo que o senhor fique junto de Bel e que se prepare para um ataque eminente. E faça uma injeção letal, porque caso algo dê errado, o que é pouco provável, não hesite em usá-la na executiva e depois em você.

-Ataque? - o velho tremeu - O que você quer dizer com ataque?

Amanda sai da sala. Ela encontra seus homens, todos prontos para o combate.

- Rapazes, chegou a hora!

***

Maestro havia deixado Davi dentro da nave do Coveiro, que estava escondida em um local próximo. Thiago também ficou na nave, e agora estava operando seu console bio-digital portátil, pronto para apoiar a equipe em terra. Olhando atentamente para um monitor virtual que exibe o mapa da região em três dimensões, ele vê um ponto vermelho se movendo rápido, entrando no quadrante, se aproximando de um outro ponto azul, que representa equipe.

- Pessoal, detectei a nava da VNR no perímetro! Eles vão ficar dentro do alcance de vocês em 45 segundos!

O local escolhido para a emboscada é uma zona abandonada, longe do centro da cidade, o terreno é ocupado por ruínas de prédios antigos e depósitos de carga protegidos por robôs de segurança. Os únicos habitantes são alguns poucos miseráveis, que dividem o espaço com refúgios de gangues de rua e laboratórios ilegais de drogas sintéticas.

A equipe está estrategicamente distribuída, dividida em três grupos distintos: o primeiro grupo, liderado por Jonas e Rat Bones, carrega as armas pesadas e tem a missão de derrubar o transporte da VNR. O segundo grupo é a força de assalto, chefiada pelo Coveiro, tem o objetivo de dar combate aos agentes inimigos, tirando-os de perto do veículo avariado.

A equipe de Jonas e Rat Bones então se juntaria a ação, dando mais trabalho para os homens da corporação.

Enquanto isso, o terceiro grupo liderado por Maestro entraria na nave e resgataria Bel, usando o rápido flymob do deletador para tirar a moça da zona de guerra.

- Temos contato visual! - Afirma Maestro - Jonas, Yuri, todos prontos?

- Tudo certo por aqui - responde Jonas.

- Só esperando para agir - diz o Coveiro, vestido com sua armadura "Marauder", que é bem diferente da Nosferatu, sendo mais pesada e fortemente blindada, quase um tanque de guerra.

Jonas, posicionado nos escombros de que fora um prédio comercial, ao lado de Rat Bones e mais três soldados das ruas, segura firme um lançador de foguetes. Ele mira no transporte da VNR.

- Atenção, moçada. Ao meu sinal...Três, dois, um... Fogo!

O míssil é lançado com um estampido, em seguida, os outros homens também disparam seus artefatos. Os cinco foguetes voam em trajetórias aleatórias pelo céu, tomando rotas diferentes mais mirando no mesmo alvo, o transporte da VNR.

A primeira explosão ocorre em uma das turbinas traseiras da nave, e logo o fogo se expande para as outras duas. Então, outros dois mísseis atingem as laterais do veículo, destruindo suas pequenas asas, mas numa manobra inusitada, a nave ativa as turbinas da parte de baixo do casco e consegue escapar dos dois últimos foguetes. A queda é inevitável.

O transporte começa a perder altitude muito rápido, tentando se estabilizar apenas com as turbinas auxiliares, mas em segundos atinge o solo, levantando uma nuvem de fumaça preta e detritos.

- Vamos pegá-los! - grita Yuri.

O Coveiro e sua equipe saem de seus esconderijos e correm em direção a nave avariada, cercando o veículo. Eles então abrem fogo contra a blindagem, que resiste aos disparos. Então, duas escotilhas se abrem, uma de cada lado da nave, mas ninguém parece sair de dentro dela.

Os homens param de atirar por um segundo, esperando os agentes de VNR, mas nada acontece. Rat Bones, Jonas e seu pequeno grupo se juntam aos homens de Yuri.

- Coveiro, o que aconteceu? Cadê os otários? - Pergunta Rat Bones, surpreso.

Nesse instante, Maestro percebe que as coisas realmente não serão fáceis, ele contacta Thiago e abre um canal comum a toda equipe dentro da rede privada, tenso, ele grita:

- Klein! Rápido, transmita o ODE para todos os homens, agora!

O ODE, Optical Decipher Engine, ou simplesmente Decodificar Óptico, era o software que Thiago havia requisito para Osias, um software militar desenvolvido pela ProtoLogics.

Maestro havia se preparado para quase todas as surpresas, e uma delas estava se revalando nesse exato instante.

Subitamente, um disparo de fuzil se fez ouvir e dois homens da equipe caíram, atingidos na cabeça. Os demais começaram a atirar para todos os lados, olhando em volta e procurando de onde os tiros saíram.

- Que porra é essa? - gritou Jonas, enquanto corria para procurar abrigo.

Mais disparos se seguiram, e mais homens foram atingidos. Yuri logo entendeu:

- Os filhos da puta estão invisíveis!

Então ele sentiu o soco. Um cruzado de direita atingiu seu capacete com a força de várias toneladas, em seguida outro, e agora um de esquerda. Rat Bones vê a cena e não acredita, algum "fantasma" estava nocauteando o Coveiro! Ele então saca sua metralhadora e dispara contra o local que imaginou estar ocupado pelo atacante, atirou no vazio.

Um sinal chega aos CND's dos homens, indicando um download seguro, prontamente, os arquivos são baixados e os sistemas operacionais são atualizados com o ODE. Imediatamente uma retina azul preenche os olhos dos samurais urbanos e dos soldados de rua, deixando as cores em tons azulados e revelando a presença de quatro agentes corporados, trajados em modernas armaduras táticas, e literalmente destruíndo um a um os membros da equipe de Maestro.

- Agora você vai ver, seu desgraçado! - Rat Bones abre fogo contra o agente que estava atacando o Coveiro, vários tiros atingem o homem, mas de alguma forma ele se esquiva e responde ao fogo, acertando dois tiros em Rat Bones, um atinge seu joelho esquerdo, deixando a panturrilha solta do resto da perna, que balança pendurada no exosqueleto, o outro atinge o lado direito do peito, atravessando o corpo e fazendo o mercenário girar no ar antes de cair de costas no chão de asfalto.

O Coveiro se recupera e, aproveitando que o agente estava atirando em Rat Bones, o pega com um mata leão e começa a apertar o pescoço do homem, usando toda a força da armadura. O corporado tenta se soltar, largando o fuzil e aplicando golpes com os braços e pernas, mas Yuri é implacável, e com o um estalo seco, quebra o pescoço do homem destruído a camada protetora de sua armadura. A Marauder continua pressionado até esmagar completamente a carne. Menos um.

Ele olha em volta, muitos homens morreram, mesmo sem o artifício da invisibilidade, os soldados da VNR são letais, rápidos, precisos, eles vivem para momentos como esse. Eram apenas quatro agentes, enquanto a força de resgate possuía trinta homens.

Jonas está encurralado com o que sobrou dos homens de Yuri, três agentes atiram incessantes contra eles, não dando chance para contra-ataques.

Um pouco distante dali, Yuri vê a dificuldade de seus colegas e ativa o lança-granadas da Marauder. As bombas explodem no ar, liberando uma chuva de estilhaços e desnorteando dois dos inimigos, que caem derrubados também pela onda de choque.

É a chance de Jonas. Ele avança com seus homens, concentrando o fogo nos agentes caídos, ao mesmo tempo, o corporado que não foi afetado pelas granadas corre em direção ao Coveiro, entrando em luta corporal com o caçador.

Um dos agentes caídos é morto pelas rajadas concentras das armas dos samurais, mas o outro consegue se levantar e responde o fogo, atingindo fatalmente mais homens, Jonas por pouco não é atingindo. Então a arma do corporado subtamente trava! O homem tenta de todas as formas fazer o fuzil funcionar, em vão. Jonas se aproveita da situação e descarrega sua XS MAG no capacete do soldado inimigo, a blindagem não resiste, e o agente cai em meio aos corpos dos homens de Maestro.

Yuri e o inimigo restante, identificado apenas pelo número 5 em seu capacete, travam uma luta terrível. A Marauder é muito forte, porém lenta, e o agente já percebeu isso. Ele desfere vários golpes em pontos críticos da armadura, como nas juntas do joelho e em sensores espalhados pelo dorso. O Coveiro responde tentando agarrá-lo para imobilizá-lo, mas na maioria das vezes o oponente consegue escapar de seus golpes, então, o soldado da corporação saca uma espécie de faca, cuja a lâmina parece vibrar em uma frequência muito rápida. O primeiro golpe da estranha arma é certeiro, abrindo um rasgo profundo no metal da Marauder. "Mas que merda é essa?" Os próximos ataques abrem brechas mais profundas ainda, atingindo alguns nervos de Yuri.

O Coveiro ativa a metralhadora da armadura, embora esteja muito próximo do alvo, dispara uma rajada descrevendo um movimento de leque, mas nenhum tiro atinge o homem, não existe ângulo para tal. O agente salta sobre a armadura de Yuri, e, com uma velocidade absurda, desfere um golpe no pescoço do oponente. Esguichos de óleo lubrificante escapam pelos cabos cortados, estalos e pequenas explosões elétricas ocorrem nas placas de circuito à mostra, na ferida aberta no metal. As telas virtuais na retina de Yuri começam a falhar, mensagens de erro em vermelho são exibidas.

- Filho da Puta!

Por muito pouco a lâmina não atingiu a jugular do caçador, mas o golpe fez com que o agente ficasse vulnerável por um segundo, e esse era todo o tempo de que o Coveiro precisava. Num movimento bruto, Yuri levou seu braço direito para trás e então descarregou um potente soco contra o abdômen do atacante, que rompeu a blindagem de sua armadura e varou seu corpo, estraçalhando os órgãos internos. O corpo do agente número 5 cai inerte, o sangue escuro e suas tripas se espalham pelo chão de asfalto desgastado. Yuri respira aliviado, leva as mãos ao pescoço para verificar o dano. Olha em volta, todos os homens dos dois grupo estão mortos ou incapacitados, exceto por Jonas, que um pouco distante, olha para ele com uma expressão de espanto, boquiaberto.

- Você poderia ter me ajudado! - Grita Yuri, enfurecido, porém esgotado.

Enquanto isso, Maestro e sua equipe se aproximam do transporte, "chegou a hora de enfrentar a Rainha de Fogo", pensa ele, e não poderia estar mais certo. Amanda sai da nave com um poderoso salto, e então ela para no ar, flutuando, sua armadura possui um jetpack, e lá de cima ela grita:

- Onde está o bio-hacker? Me entregue o rapaz que deixarei você e o que restou do seu pessoal sair daqui com vida.

- Eu tenho uma proposta melhor, moça!

Maestro saca uma pistola diferente, Amanda a reconhece na hora, é uma arma EPM, uma arma de pulsos eletromagnéticos, uma das poucas coisas capazes de detê-la. "Mas como aquele homem conseguiu isso?"

O deletador dispara contra Amanda, que em plano o ar se esquiva habilmente do feixe disforme de raios roxos; então ela contra ataca, usando munição explosiva, consegue derrubar vários homens de Maestro, mas este consegue se desvencilhar, movendo-se velozmente para mais perto da nave avariada.

- Yuri, Jonas, preciso de vocês, agora! - Ele vocifera.

A agente líder aterrissa debaixo de uma rajada de tiros, os soldados das ruas que restaram não dão trégua, fornecendo cobertura para Maestro chegar até uma das escotilhas abertas do transporte corporativo. Protegida atrás de uma pilha de escombros, Amanda coloca a potência de sua amadura no máximo, destrava sua faca sônica e guarda o fuzil em um coldre nas costas, então, parte para cima dos homens em uma corrida desenfreada, rápida como uma sombra, ela derruba um a um os guerreiros que restaram, executando um preciso balé mortal. Algumas balas conseguem acertá-la e atravessar sua armadura, mas mesmo assim, Amanda não para até eliminar o último homem.

Ela vê a silhueta de Maestro entrando na nave, toma fôlego a empreende uma nova corrida para interceptar o líder dos selvagens, para ela aquele bando não passava disso, uma corja de xucros. Então um míssil atinge suas costas. A explosão avassaladora a lança de encontro à fuselagem de sua própria nave. A temperatura da explosão derrete boa parte de sua armadura, seu braço de carne e osso é quase arrancado. O cérebro positrônico interrompe os sinais nervosos, impedindo que ela sinta qualquer dor. Jonas e Yuri se aproximam do corpo de Amanda, que parece estar desacordada.

- Essa já era! Agora é só pegar a executiva e dar o fora daqui!

- Calma aí, Jonas. - Yuri aponta para o céu, onde um comboio de flymobs da UNI-Tron se aproxima do local do combate.

Rápida como uma cobra, Amanda se levanta e acerta um chute no rosto de Jonas, ele desaba e deixa sua arma cair. Quando o Coveiro percebe, Amanda já está com a XS MAG do mercenário na mão; ele repara que apesar das pesadas avarias na armadura e com a carne queimada à mostra em várias partes do corpo, a mulher demonstra não sentir nada; o capacete dela foi removido, revelando além de um rosto cheio de cicatrizes e agora chamuscado, um olhar perturbador, enfurecido, o olhar de uma assassina; pela primeiras vez em décadas, Yuri sente um calafrio.

Ela abre fogo, o Coveiro avança e com um golpe rápido acerta a XS MAG, mas sem conseguir evitar várias balas que se cravam na blindagem da Marauder, algumas atingindo seu corpo.

Dentro da nave, Maestro avança pelos compartimentos até encontrar uma porta de metal bem fechada. Ele arma pequenos explosivos na superfície da porta, checa o relógio, o tempo mais uma vez é o pior dos inimigos, pois a qualquer momento os reforços da VNR e da UNI-Tron vão chegar. Contacta Thiago:

- Klein, venha para cá o mais rápido que pude! Pegue meu flymob e traga o Davi, avise o pessoal do Coveiro para iniciar o procedimento de remoção.

Maestro detona os explosivos, a porta abre facilmente após as cargas, ele saca sua pistola automática e entra no compartimento, ao fundo, vê Bel atada a uma maca, drogada, e ao lado dela um homem velho, o médico.

- Remova todos os grampos que você instalou nela.

O doutor Felipe ri.

- Com um comando mental eu posso matá-la, acho melhor você passar essa pistola para cá.

Fora da nave, o Coveiro e a Rainha de Fogo travam uma luta de vida ou morte, ambos estão muito machucados, mas Yuri leva uma pequena vantagem. Ele soca várias vezes o abdômen de Amanda, depois alterna os golpes tentando danificar mais ainda as feridas abertas pela explosão do míssil. A mulher-máquina nem sequer treme, não esboça o menor sinal de sofrimento, ela recebe uma forte sequência de golpes, então retrocede alguns passos. Yuri está cansado, arfando, Amanda se aproveita e parte para cima dele, consegue acertar um forte chute no joelho do homem, arrebentando as engrenagens daquele ponto, fazendo com que ele se ajoelhe.

Ela então gira o corpo e aplica outro potente chute, dessa vez mirando a cabeça da Marauder, a força é tamanha que parte da perna cibernética de Amanda fica danificada, mas o capacete da armadura é arrancado com extrema violência, revelando o rosto de Yuri, repleto de hematomas. Mas ele não se dá por vencido, e usando um dos braços acerta outro forte soco na barriga da Rainha de Fogo, para em seguida segurá-la pelo tronco e lançá-la com brutalidade para longe.

Ela rola no chão alguns metros, então se apóia no braço que restou, revelando enfim que está cansada. Os flymobs da UNI-Tron estão se aproximando, e Yuri começa a se apavorar. Amanda fica de pé e novamente, respira fundo e então parte para cima dele, correndo com tudo o que tem.

- Henry! Cadê a porra da minha nave! Me tirem daqui, caralho! - Yuri está apavorado.

A poucos metros do Coveiro, a Rainha de Fogo salta no ar e desce como uma vespa, o único braço, o biônico, projetado para frente acerta o olho esquerdo do caçador, mas ele a segura no mesmo instante e aplica um golpe virando o corpo da mulher e jogando-o violentamente contra o chão. Então Yuri sente a dor excruciante, ele quase desmaia, então percebe que não consegue mais enxergar nada com o olho esquerdo, está parcialmente cego. Seu globo ocular foi esmagado pelo soco de Amanda. Ela mais uma vez se levanta e rapidamente se move para longe, preparando-se para uma nova investida.

Uma pancada forte atinge a Marauder. Yuri sente alguma coisa pesada chocando-se contra seu corpo, é o cabo de resgate! Imediatamente a pesada armadura começa a levitar, sendo puxada pelo forte cabo de cobre, levando-a para o imponente flymob que flutua sobre o campo de batalha. A nave do Coveiro exibe mais uma vez seus canhões, mirando na pequena frota de flymobs da UNI-Tron e também em Amanda, que, percebendo a nova ameça , retrocede e procura refúgio nos escombros próximos. Yuri, exausto e aterrorizado, desfalece em plano ar.

Enquanto isso, dentro do transporte corporativo, o tempo chega ao fim. O doutor Felipe encara Maestro, buscando qualquer sinal de perigo nos olhos do homem de dreadlocks.

- Então, selvagem, o que vai ser? Já vou te adiantar: Você e sua corja jamais vão por as mãos nessa obra de arte!

"Um comando mental ele disse, só tenho uma chance", reflete Maestro.

O deletador então trava a mira, enrijecendo o braco, e com um leve movimento, puxa o gatilho. O disparo é certeiro, impecável, a bala abre uma pequena brecha entre os olhos do médico, que morre com os olhos arregalados, uma veia de sangue escorre pela fenda da bela, ao mesmo tempo em que o corpo de Felipe Pavlos despenca rumo ao piso do que fora seu último consultório, a bala venceu seus pensamentos.

Maestro expira com vontade, aliviado, corre em direção a maca e rapidamente se conecta ao sistema de Bel, ela está bem, dopada, mais bem. Ele remove rapidamente as amarras e pega a jovem executiva no colo, ligeiro, volta pelos compartimentos do transporte e sai pela escotilha oposta a que entrou, do lado contrário ao campo de batalha. Seu Flymob está pousado a poucos metros de distância, com as portas abertas.

Davi, ainda fraco, sai da nave e recebe Maestro, pegando Bel e a colocando nos bancos traseiros do veículo, o deletador entra rapidamente no lugar do motorista, Thiago está ao seu lado, ainda bastante tenso. Então ele percebe que além de Thiago, Davi e Bel, havia outra pessoa no carro, outra mulher, uma loira vestida com uma suja jaqueta azul que tem a logomarca da VNR estampada.

- Thiago? Quem é essa mulher?

Klein gela, não consegue esconder o constrangimento; Maestro o encara, irritado. O hacker engole seco, mas enfim solta a voz.

- Ela é... é a Marcela. Eu a encontrei na nave do Coveiro, quase morta... Vou ajudá-la a fugir de Vix.


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Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.

18 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte VI - Emboscada!"

  1. Adorando acompanhar essa estória. Vejo que cada capítulo há uma evolução na sua escrita e desejo que obtenha muito sucesso e que sua criatividade seja maior do que já é. Parabéns!

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  2. Ainda não li os outros postados, mas ja estou voltando os anteriores,
    pelo visto o pessoal que esta acompanhando este adorando, curiosa agora,
    beijos.

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  3. @Gislaine Silva
    Muito grato, Gislaine. Estou tentando melhorar para de fato me tornar um escritor.

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  4. André!
    Gosto da mistura de ficção e assassinos contratados, negociações, etc...
    Achei apenas que esse capítulo ficou um tanto longo, poderia ser dividido em duas partes.
    Sucesso! Você tem o dom.
    Bom domingo!!
    “A vida apesar de dura é mágica, por isso sempre acredite no inesperado.”(Maria Miranda)
    Cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

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  5. @RUDYNALVA
    Ficou mesmo, Rudy, tanto que os próximos estou dividindo, fica mais fácil para ler e tals.
    Obrigado pelas de carinho e incentivo!
    Forte Abraço!

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  6. Estou acompanhando esse booksérie desde o início e estou gostando a cada capítulo. E concordo com a Rudynalva, achei esse capítulo bem longo, mas como você já vai dar uma arrumadinha nos próximos, tá de boa.
    Parabéns pelo progresso, André!!! A cada capítulo a coisa só está melhorando.

    @_Dom_Dom

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  7. De tirar o fôlego, André! Mais uma vez, parabéns.
    Fico impressionada em como a linguagem da história tem melhorado com o tempo.
    Aliás, quais os planos para o livro? Tem previsão de publicação ou algo do gênero?
    bjs

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  8. @Nardonio É mesmo, Nardonio, você é um dos que está firme e forte aí, desde o início! Já virou sócio...rs

    Valeu!

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  9. @Ana Paula Barreto
    Oi, Ana Paula. Depois de pronto, será publicado na Amazon. Vou até tentar publicação em papel, mas vamos ver.
    Obrigado pelo comentário! Bjs!

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  10. Não conhecia essa série e ainda não li as partes anteriores. Gostei muito desse capítulo, o clima de ação misturado com ficção científica; sua escrita, também, me chamou bastante atenção. Quero voltar e ler os outros capítulos e poder acompanhar daqui para frente. Parabéns e sucesso!

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  11. Gostei da sua escrita, ela flui dê uma maneira tão rápida que quando fui perceber já tinha terminado a leitura do capítulo. Amei a cena dê ação entre Amanda - a Rainha de fogo - e Yuri, parecia que eu estava vendo um filme!
    Parabéns pelo o universo que você criou pra escrever a história, achei bem interessante.
    PS: Não valeu, terminou na melhor parte! Rsrs
    Bjos!

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  12. @Any
    Rs...Só tenho a agradecer pelos eu comentário, Any. Mas se prepare que os novos capítulos já estão programados! Abraços!

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  13. @Larissa Oliveira
    Muito obrigado pelo comentário, Larissa, de coração! Sempre é bom ver o reconhecimento pelo trabalho executado! Abraços!

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  14. Muito legal poder acompanhar cada capítulo do seu livro André, e ver como a trama tem se desenvolvido e como você tem se aprimorado na escrita. Se você quer mesmo ser escritor, continue persistindo que vai dar certo.

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  15. @Luana Rabbi :)
    Bom saber que está gostando,Luana. Eu realmente quero ser escritor, publicar aqui no blog tem sido uma experiência e tanto, e como você falou, persistir é fundamental!
    Abraços!

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  16. Ainda não consegui acompanhar a série como gostaria, mas espero poder fazer isso. Achei interessante a proposta de ser postado em blog.

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  17. @Erica Martins
    Acompanhe sim, Erica, e depois comente! Cada opinião aqui conta muito! Abraços!

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