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17.6.16

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XXVIII - Segredo Revelado

André Luis Almeida Barreto


Engenharia Reversa


Parte XXVIII - Segredo Revelado


Dentro do imenso galpão, na Zona de Exclusão IV, vários strikers estão sendo carregados e reparados por um exército de trabalhadores maltrapilhos. Eles empurram carros-plataforma cheios de caixas para dentro dos veículos, enquanto nas proximidades, várias pessoas aguardam para embarcar. O galpão é tão grande que dois pequenos prédios de escritórios se erguem dentro dele, cada um com cinco andares. Perto da entrada do prédio 'B', sentada no chão e encostada na parede do edifício, Bel tem o olhar perdido. O barulho incessante produzido pelos trabalhadores são como música para seus ouvidos, e o brilho branco das soldas industriais não a incomoda, diferente dos grupos de passageiros que desviam o olhar a cada estalo dos massaricos.

Duas mulheres jovens e um senhor com uma barba volumosa se aproximam de Bel; eles observam com pesar o feio hematoma no rosto dela, bem ao lado da boca, cochicham entre si, então uma das mulheres chega mais perto, se abaixando:

- Você está bem, querida?

Bel continua concentrada, ignorando completamente a presença dos humanos.

- Ela deve estar drogada. - diz a outra - Ei, garota, que parada é essa que tu tá usando? Tem mais disso aí?

Yagami fecha os olhos. Numa velocidade absurda se conecta aos CND's dos três passageiros, para logo em seguida invadir suas mentes e suas memórias, simultaneamente. "Tão fácil, tão natural", ela pensa. As duas moças tem histórias parecidas, pobres, viviam fazendo pequenos bicos até que foram encontradas pelo velho, mas uma delas tem algo a esconder; Bel se concentra um pouco mais, ainda está cansada devido o embate contra a Fúria, mas logo consegue passar a barreira mental. A mulher havia cometido um crime, roubara seu ex-chefe, ele era um... era um cafetão! "Não posso culpá-la, ele mereceu." Então Bel percebe que o homem também tem segredos; ela agora foca em invadir o lado mais obscuro da mente dele. Imagens de um lugar distante surgem, uma pequena cidade no meio de um deserto, homens com armas, centenas de escravos, mulheres escravizadas. "Que horror é esse?", então ela entende: o velho na verdade pretende vender as moças como escravas.

"Não, seu monstro, você não vai fazer isso".

Basta um segundo e uma leve sobrecarga dentro do CND faz com que uma veia estoure na cabeça do velho. Ele perde o equilíbrio e a rigidez dos membros, caindo como se fosse subitamente desligado. As mulheres correm para acudir, assustadas.

- Ricardo! Ricardo!

- Por favor, ajudem!

Um grupo de trabalhadores deixa seus afazeres e se dirige para o local do ocorrido. Logo estão carregando o corpo para fora do galpão. Sem entender nada, as duas moças se desesperam, um dos trabalhadores tenta acalmá-las:

- Tem um doutor aqui perto, ele vai ajudar!

- Mas vamos perder o embarque!

- As passagens estão no CDN dele, Márcia, sem ele a gente não vai a lugar nenhum!

Enquanto as pessoas se afastam, Bel tenta novamente voltar a se concentrar, mas uma voz a interrompe novamente

- Vamos, Yagami. O pessoal tá te esperando, eles querem uma explicação.

Ela se volta para Maestro.

- Não vi você se aproximar. Você é bom mesmo.

- Andou aprontando?

- Tem muita gente ruim nesse mundo.

Maestro a olha pensativo.

- Sim, tem.

O ruído no pátio parece aumentar, Bel fica em silêncio por mais de um minuto, finalmente se volta para ele.

- Matei um monte de gente naquele templo; matei a Fúria, e agora quase matei um velho. Sabe, eu realmente me senti muito mal por tirar as vidas daqueles policiais e dos seguidores de Alfa Um, e não gostei do que fiz com Dianna, eu não queria matá-la, só que perdi o controle.

- Entendo. Mas de que velho você está falando?

- Estava aqui ainda pouco, com duas mulheres. Ele iria vendê-las como escravas em uma cidade perdida no meio do nada. Eu tinha que fazer algo, então provoquei um derrame nele.

"Ela está começando a tomar ciência do que pode fazer, está aprendendo a se controlar; temos que chegar logo ao Brasil" , pensa ele apreensivo.

- Tenho medo, Maestro, medo de me transformar em um desses velhos, em um desses caçadores de recompensa, me tornar tão fria a ponto de matar sem remorsos, mas parece que isso é a regra entre vocês, humanos.

- Você não teve escolha, Yagami. Zaldor iria te matar, a Fúria iria te matar, e quando você a neutralizou, ajudou a todos nós, e ajudou as duas pobres mulheres também. Agora venha, o quanto antes sairmos daqui, melhor.

- Mas me fala, Maestro, humanos são todos assim? Frios, calculistas, não se preocupam uns com os outros?

- Muitos são assim, Bel, e é terrível. Mas ainda existe esperança no mundo, ainda existem pessoas por quem vale a pena lutar... E você vai precisar lutar, talvez lutar muito, mas eu te garanto, um dia a paz vai vir e você poderá decidir o que vai fazer pelo resto de sua vida.

- É, eu acho que não tenho escolhas, né? Enquanto a VNR estiver atrás de mim terei que me defender, terei que lutar...

Maestro sorri.

- A ideia é essa, menina. Eles não vão descansar até neutralizarem você.

Ele estende a mão para Bel, que a pega e se apoia em uma perna, se levantando.

- Mas então, Maestro, você estava falando que o pessoal quer uma explicação?

- Sim, eu posso falar com eles se você quiser....

- Não, pode deixar comigo. Vamos lá, e espero que o striker já esteja pronto, porque eu não quero passar mais um minuto nesse lugar.



A sala do escritório de Samuel é pequena e abafada. Móveis de madeira do começo do século roubam o pouco espaço, forçando os visitantes a se amontoarem como podem nos poucos lugares livres. Marcela está sentada ao lado de Thiago em um sofá mofado, enquanto Davi está de pé ao lado de um bebedor. Samuel, em sua cadeira presidente, olha atento pela janela.

- Estão terminando os reparos. - diz o piloto - agora só falta o Maestro finalizar o pagamento.

- Como é? Finalizar o pagamento? Ele já não tinha acertado tudo com você? - Indaga Thiago.

Samuel se vira para o hacker, fuzilando-o com um olhar penetrante.

- Isso foi antes de vocês provocarem a morte do meu assistente. E de eu saber que estão transportando uma aberração.

- Você tá falando da Bel, né? - Marcela, até então alheia, se coloca de pé enfurecida - Pois fique sabendo que sem a ajuda dela estaríamos todos nas mãos da polícia!

- E sem ela, todos estariam vivos, loirinha! - Replica o piloto, altivo.

- Samuel, ninguém aqui tem culpa pelo que aconteceu com Zynor. Estamos todos tristes, foi horrível. - diz Thiago.

Subitamente, a porta se abre e Maestro com Bel ao seu lado entram na sala. Samuel se assusta ao ver a dupla, e um silêncio incômodo toma o lugar. Bel olha para cada um, e então encara Samuel.

- Eu sinto muito por Zynor; infelizmente não pude salvá-lo.

Samuel fica impassível, então uma lágrima desce pelo rosto calejado do homem. Ele se levanta.

- Garota, obrigado. Mas eu preciso saber: O que você é? Nunca vi transumano, hacker, ou soldado capaz de parar uma armadura biomecânica.

Todos olham para a ela, ávidos por uma resposta. Davi sorri.

- Ela é...

- Eu sou uma biocomputador. - diz Bel, cortando Davi.

O silêncio retorna à sala, Marcela empalidece, Samuel arregala os olhos.

- O quê? Como assim?! - Questiona Thiago, desnorteado.

- Uma EBC, um biocomputador emotivo. Fui criada por Alfa Um, anos depois do Expurgo Sintético, na África.

- Impossível! - Diz Marcela embasbacada

- Alfa Um? - Questiona Davi.

- Sim. Alfa Um foi o primeiro EBC dotado de um corpo humanoide, tecido sintético, órgãos sintéticos, porém tudo era vivo, feito a partir de DNA combinado, além de um avanço sem precedentes em termos de processamento. Foi um projeto secreto da Seintech Zaibatsu.

- Ele foi, digamos, o seu pai? - Pergunta Marcela.

- Meu pai e minha mãe, ele possuía os dois sexos; mas eu não consigo acessar as memórias daquele tempo, as memórias da minha infância, então, isso é tudo que sei.

Os olhos de Samuel brilham, e ele leva uma das mãos à gaveta de sua mesa, porém,, prevenido, Maestro saca sua pistola e a aponta para o piloto.

- Quietinho aí, se tentar algo estouro seus miolos!

- Ei! Calma aí, Maestro, eu só ia pegar meu datapad! E se você me matar, quem é que vai pilotar o Lobo do Deserto e salvar seu rabo?

Samuel abre a gaveta com calma, retirando da mesma um antigo computador. Então aciona a tela do dispositivo com um toque, materializando uma tela holográfica.

- Quero mais duas mil e quinhentas bitcoins. Vai cobrir a perda de Zynor, o aluguel de um droide copiloto e o meu sigilo absoluto sobre essa preciosa aí - ele aponta para Bel.

- Duas mil e quinhentas? Você enlouqueceu?! - Grita Davi.

- Mas, Bel, como você neutralizou a Fúria daquele jeito? - Pergunta Thiago, cortando Davi e olhando admirado para a executiva.

- Isso é incrível! É incrível! E antes que eu me esqueça, muito obrigada por salvar minha vida, Bel. Eu vou ser eternamente grata por isso! - Diz Marcela, o rosto radiante.

- Eu só fiz o que me pareceu certo, não queria ver mais ninguém morrer... Mas não queria matar a Dianna, foi... foi uma fatalidade. - Responde Bel, olhando de volta para Marcela;

- Ei! Eu não acredito que vocês vão ficar aí babando o ovo dela enquanto esse cara tá querendo nos roubar! - Intervém furiosamente Davi.

- Porra, Davi, você tem noção do que a Bel é? Do que ela representa?

- Sim, eu sei, Thiago, eu já sabia bem antes de vocês...

- Tive que contar para ele. - diz Maestro - Agora todos vocês sabem, e por isso espero que entendam a urgência de sair daqui. A VNR vai vir atrás de nós com tudo que tem.

Nesse momento, Samuel bate com força na mesa.

- Chega de jogar conversa fora! E então, Maestro, vai pagar ou vai procurar outro piloto "confiável" para te tirar daqui?

- Manda esse cara pra merda, Maestro!

- Calma, Davi. Tudo bem, Samuel, eu posso pagar quinhentos agora, o restante você vai receber quando chegarmos ao Brasil, combinado?

- E que garantias você me dá?

- A minha palavra.

O piloto solta uma volumosa gargalhada.

- Sua palavra? Você? Eu sei das suas maracutaias, Maestro, sei que você já traiu alguns contratantes por aí, e nem tem tanto tempo assim...

- Cara, preste bem a atenção. Você sabe que estão atrás da gente, você sabe sobre a Bel e sabe para onde estamos indo. A única coisa que me impede de colocar uma bala na sua cabeça é que preciso de você, entendeu?

- O quê !? Você tá me chantageando?

- Entenda como quiser. Vou facilitar: você pode nos levar e receber a bolada, ou, estouro seus miolos, fico com seu striker e o vendo, contratando outro piloto. Então, vamos indo?

Samuel engole seco.

- É parece que não tenho opções, ok, Maestro, acordo fechado.

- Roseta não se enganou ao seu respeito, Samuel. Ele me disse que você é bem razoável.

O piloto faz uma careta.

- Estamos perdendo tempo, vamos logo tirar a "mulher sintética" daqui, não quero passar o resto dos meus dias numa cela corporativa.

- Ela não é sintética, cara, ela tá viva! É um biocom! - Responde Thiago, maravilhado.

- Que seja! Para mim são duas mil e quinhentas bitcoins.

https://www.facebook.com/engenhariareversalivro

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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.

20 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XXVIII - Segredo Revelado"

  1. Oi tudo bem..
    Muito bom o livro ,parece ser bem interessante e adorei a capa,leria na boa..
    um abraço e muito sucesso

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  2. Olá! Fiquei meio confusa no começo mas depois entendi que é uma parte de livro, estou voltando para o começo para ler e poder entender tudo o que acontece. Gostei bastante e vou acompanhar a partir de agora! Seguindo!

    Beijão da Lari!
    Brilliant Diamond | Fan Page

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    1. Seja muito bem vinda, Larissa! Tem bastante coisa para ler, mas espero que seja uma leitura agradável e que você volte para comentar mais! Abraços!

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  3. Oi.
    Parabéns pelo livro e desejo muito sucesso. Adoraria ler, fiquei bem curiosa para conhecer mais do enredo. Gostei muito da capa. Abraços!

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    1. Muito obrigado, Márcia. Leia sim! E depois diga o que achou, é sempre muito importante saber o que vocês, leitoras, pensam! ABraços!

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  4. Olá,André.
    Mais uma parte da bookserie =] que bom,como sempre,desejo cada vez mais inspiração pra ti.
    Bel mais forte e com mais atitude.

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    1. Oi, Helen, já tava na hora da Bel acordar né? Obrigado! Abraços!

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  5. Olá André!
    Estava ansiosa pra saber mais sobre o livro, me interessei mto por ele, desde o começo acompanho, e fui convencida á ler pela escrita e pelos detalhes que vc passou...
    Parabéns! Qro ler em breve!!
    Bjs!!

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    1. Oi, Aline, só para esclarecer, o livro está sendo publicado aqui mesmo no blog, via book serie. Cada post é um capítulo.

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  6. Oiii
    Não tinha entendido que era o capitulo de um livro kkkk
    Parece ser bom,vou procurar os primeiros capítulos para ler.
    Bjs

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  7. Oi.
    Eu amei o capítulo de hoje, parabéns ficou ótimo.
    Ansiosa pelos próximos.
    Boa Noite.

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  8. Oi André,
    Como sou nova aqui no blog não conhecia o bookserie, mas já sei qual vai ser a minha leitura de hoje rs. Fiquei curiosa e vou procurar as outras partes aqui.

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    1. Bacana, Maria. Depois que ler, se gostou, comente nos capítulos que você leu e dê sua opinião! Abraços!

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  9. Oi, André!
    Parabéns por mais um capítulo. Você tem bastante talento para a escrita. Te desejo muito sucesso. :)

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  10. Bem legal, amei a escrita bem fluído e me deixou curiosa!!!!
    Posta mais??
    bjs

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