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25.10.19

[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XLVII - Um Maldito CND


Engenharia Reversa

Parte XLVII - Um Maldito CND

Dentro do quarto fortemente vigiado, Víridia aproxima-se da cama. Ela observa Amanda com atenção, detendo-se nos implantes. Após estudá-los, ela se volta para a cabine de vidro no fundo da sala.

- Já identificaram a origem da ciborgue?

Dentro da cabine, a doutora Martha acessa uma tela em sua estação de trabalho. Ela examina uma série de desenhos detalhados, que mostram os projetos dos principais componentes do corpo de Amanda.

- É tecnologia corporativa. Os microprocessadores foram fabricados na Europa, assinatura da GFA, mas os implantes foram atualizados a pouco tempo, são da Vieira & Nakashima Robotics - responde a doutora.

Ao lado Víridia, Anteros conecta-se mentalmente à rede central de computadores e em segundos acesse milhares de bases de dados. Ele rapidamente encontra o que procura.

- Puxei o aquivo dela. Classificada como nível dez, altamente letal. Amanda Makarim, agente corporativa, líder de esquadrão tático - diz Anteros.

Ao ouvirem as palavras, os soldados retrocedem alguns passos e tocam em suas armas, já os médicos e cientistas, olham-se assustados.

- Não a motivos para se preocupar. A sonda de controle foi instalada, correto? - Víridia pergunta olhando para a cabine de vidro.

- Sim, conselheira - responde o jovem cientista Paulo, dentro da cabine.

- Então, podem continuar.

Martha e Paulo cruzam olhares. Ele engole seco, mas ela esboça um pequeno sorriso. Com um comando mental, Martha acessa uma interface de comandos e inputa uma sequência de caracteres. Nos terminais espalhados pela sala, barras de contagem se acendem e aumentam de tamanho, exibindo os sinais vitais de Amanda, que pouco a pouco começa a acordar. Ela apresenta algumas contrações, e então abre os olhos.

- Olá, Rainha de Fogo - diz Víridia.

Amanda olha por pouco tempo para a mulher alta e sem cabelos, então nota os militares no fundo da sala, que, em resposta, apontam suas estranhas armas para ela.

- Não se preocupe, você está sob minha proteção - diz Anteros, que em seguida mira os soldados: - Abaixem suas armas.

- Acho que ela não precisa de... proteção - responde Víridia.

Os olhos de Amanda viram-se novamente para a conselheira, encontrando os dela.

- Você tem toda a minha atenção, seja lá quem for. Mas, antes, quero saber o que fizeram com o Davi.

- Não se preocupe. Ele está sendo bem tratado - responde Anteros.

- É bom que esteja mesmo.

- Chamo-me Víridia, Amanda. Sou conselheira anciã da Comuna de Delta.

- Comuna? Bem, não importa, eu já entendi: é você que manda por aqui.

- Na verdade, não. Quem manda em Delta é o povo.

- Sei. É claro que sim. Imagino então que foi o povo que a mandou aqui me interrogar- Amanda olha para os soldados - , e aqueles caras ali também.

Víridia sorri, e retrocede alguns passos.

- Creio que seja difícil para alguém como você, desculpe; alguém que cresceu e viveu em uma sociedade verticalizada, entender estruturas sociais como a nossa.

- Eu não ligo para a sua sociedade, mas agradeço por vocês terem salvo a minha vida. Imagino que não foi de graça.

- Nós a salvamos porque seus bancos de memória continham informações sobre o que aconteceu com Nova Esperança - diz Anteros.

- Mas agora já sabemos o que aconteceu - complementa Víridia.

- Então, por que eu e Davi ainda estamos vivos?

- Porque aqui não somos assassinos - responde Víridia.

Amanda permanece calada, então move a cabeça e olha ao redor, reparando nos monitores e nas máquinas espalhadas pela sala.

- Então vocês se apoderaram do abrigo de Nova Esperança e conseguiram desenvolver equipamentos capazes de quebrar firewalls da GFA; possuem um campo de invisibilidade, e toda uma cidade altamente avançada, quem são vocês, afinal ?

Víridia sorri, cruza os braços e aproxima-se de Amanda:

- Abrigo de Nova Esperança? Bem, não era um abrigo, na verdade é uma... é uma espécie de mina. E ao contrário do que pensa, você nos conhece muito bem, e não só você: seu ex-empregador, a GFA, as grandes corporações, e todas as pessoas poderosas do seu mundo.

A ciborgue permanece focada na conselheira, como se estivesse hipnotizada.

- Vocês nos conhecem como a Siracusa. Atuamos no seu sub-mundo digital, vendendo informações - explana Anteros.

Dezenas de lembranças voltam à mente de Amanda. Ela se recorda das inúmeras missões fracassadas que realizou para localizar a base da misteriosa organização criminosa, e que sempre parecia estar passos à frente da UNI-Tron e dos agentes mais especializados. Com o tempo, a Siracusa passou a vender informações para as próprias corporações, e sua natureza aparentemente neutra contribuiu para que ela deixasse de ser uma ameaça, sendo tolerada pela Autoridade Corporativa.

Após um longo silêncio, Amanda volta a falar:

- Por essa, eu admito que não esperava - seus olhos brilham. - Vocês possuem informações que podem mudar o mundo, eu não consigo entender por que se escondem no meio desse deserto; a GFA não teria a menor chance contra vocês.

- O mundo lá fora não nos interessa. Entenda, Makarim, nossos ancestrais foram escravos, eles eram majoritariamente refugiados e soldados que desertaram da chamada FLN, as forças que derrotaram o governo brasileiro. Eles só queriam recomeçar suas vidas, mas Nova Esperança nunca permitiu, porque aqui, sob Delta, está localizado o único depósito de Tarlina, um composto artificial extremamente letal, porém poderoso.

- Como você já deve ter presumido, toda a nossa tecnologia é baseada nesse composto - complementa Anteros.

- Amanda, nosso povo baniu a violência, nós apenas usamos armas para a auto-defesa. Escolhemos o isolamento como um caminho para criar uma sociedade verdadeiramente justa, democrática, e evoluída - continua Víridia.

- Mas então por que criaram a Siracusa ?

- Porque sabemos do que vocês são capazes, e apesar de pacifistas, não somos ingênuos - responde Anteros, firmemente.

- Entendi. Tudo isso é muito interessante, admito, mas afinal, qual é o preço da minha vida?e

Víridia e Anteros trocam olhares e, após alguns segundos, a conselheira responde:

- Delta corre um grande perigo. Um inimigo que nosso sistema de monitoramento de riscos ignorou tornou-se muito poderoso, e agora suas forças estão a caminho para nos destruir.

- Mas apesar de termos soldados e armas, nossos homens e mulheres não são ciberneticamente melhorados - diz Anteros.

- Porque em Delta não permitimos esses procedimentos - complementa Víridia. - E portanto estamos em grande desvantagem. Então, nós temos uma proposta para você.

Amanda permanece em silêncio. Víridia prossegue:

- Lute por Delta. Em troca, podemos oferecer a você e a seu amigo uma nova vida, em nossa cidade.

- E se eu disser não?

- Nesse caso, vocês estarão nas mãos dos outros conselheiros, mas também morrerão quando as forças do Marechal nos atacarem.

- Marechal ? - diz a ciborgue.

- Sim, o governante do Brasil, suas forças já estão em movimento.

Subitamente, Amanda levanta-se da cama, provocando novo pânico nos soldados.

- Suponho que ele possui uma biocomputador de nome Bel Yagami.

- Sim! Essa foi outra falha, nós ignoramos o poder da biocomputador - responde Anteros.

- Preciso que vocês reconfigurem meu sistema, que limpem os bancos de memória secundários e que troquem meus servo-motores e reator de fissão.

- Então, isso é um sim, Amanda? - diz Víridia.

- E quero que implantem um novo CND em Davi, e que ele recebe boas acomodações.

- E quanto a você ?

- Quando eu derrotar o Marechal, apenas desejo seguir meu caminho.

- Não acredito nisso. Todavia, se é o que deseja, então estamos de acordo. Doutora Martha, doutor Paulo, podem remover a sonda de controle.

- Imediatamente, conselheira - responde Martha.

- Makarim, eu a agradeço em nome de todo o nosso povo. Porém, agora devo voltar para minhas obrigações. Anteros vai cuidar de tudo que precisar. E a propósito, gosto muito do seu codinome, mas talvez você vá precisar de um novo. Até breve.

Amanda retribui com um aceno, e Víridia deixa a sala escoltada por um punhado de soldados.

Os médicos e os cientistas começam a se mover pela sala, assumindo posições junto aos terminais de computador.

- Faremos tudo que pediu, mas além disso, você vai precisar de alguns upgrades, tudo bem ?

- Sim, pode não parecer, mas confio em você, Anteros.

- Mas por que? Você não me conhece.

- Porque até agora, você cumpriu com sua palavra.

***

"Quais são os critérios pelos quais devemos avaliar o sucesso de uma sociedade? Riqueza, poder, força militar, nível tecnológico? Não. O sucesso de uma sociedade deve ser, em última instância, medido pela capacidade de empatia da mesma. "

Davi fecha o livro intitulado "As Bases da Sociedade Deltiana" e o coloca na pequena estante ao lado da cama. Boceja, então se levanta. Anda até a pequena mesa e puxa a única cadeira, sentando-se. Apanha uma maça, olha para ela por algum tempo, imaginando de onde a fruta veio, finalmente a morde, mastigando o pedaço sem nenhuma pressa. Repentinamente, um som de engrenagens chama sua atenção. Ele olha por entre as grades, para o final de um largo corredor. A porta de ferro se abre, e o biohacker surpreendido arregala os olhos. Ele larga a maçã sobre a mesa, e se levanta de supetão.

- Amanda ?!

Um guarda surge pela porta. Com um molho de chaves na mão, o homem passa por Amanda e segue até a porta gradeada da cela, abrindo-a em seguida.

- Você está livre. Um voador o aguarda na saída da prisão, ele vai levá-lo até seu apartamento, onde você deve aguardar para sua cirurgia - diz o guarda, que em seguida dá de ombros e deixa volta por onde veio. Davi o observa por alguns instantes, surpreso. Mas logo cruza olhares com Amada.

- É bom ver você! Achei que já estava morta.

- Igualmente.

- Como assim? Igualmente porque é bom me ver, ou porque achou que eu já estava morto?

Amanda chega mais perto, e Davi consegue vê-la melhor.

- Mas o que aconteceu? Você está ótima! Seu cabelo... ele cresceu de novo?

- Davi, eu gostaria de ter tempo para lhe explicar, mas agora faça o que o guarda disse.

- Guarda? Ah, sim, aquele guarda. Bem, eu não entendi nada. Até a pouco eu era um prisioneiro, e veja você, até que essa prisão não é tão ruim, na verdade é o melhor lugar que já fiquei desde que coloquei os pés nessa Terra Maldita. Daí esse cara vem, me solta, e diz que vou fazer uma cirurgia? Isso sem falar nessa sua volta triunfal.

- Você vai receber um novo CND. E se quiser, poderá ficar em Delta para sempre.

- O... O quê ?

Davi senta-se na cama. Leva uma mão à cabeça e afasta a mecha de cabelos que lhe caía sobre o olho.

- Não tenho mais tempo, preciso ir. Faça o que o guarda falou - diz Amanda.

Ela dá de ombros, e com passos rápidos, começa a mover-se para a saída. Atônito, Davi a acompanha com os olhos até o momento que ela sai da sala. Então ele se deita, olhando para o teto. Seus lábios formam um sorriso, e ele diz, em voz alta:

- Um. Maldito. CND.

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24 comentários em "[Bookserie] Engenharia Reversa: Parte XLVII - Um Maldito CND"

  1. Parece que temos uma reviravolta daquelas neste capítulo! E como venho acompanhando a série desde o começo, fica fácil entender que muitas mudanças precisaram ser feitas e muitos personagens que antes não tinham tanta importância, agora estão no enredo pois precisam estar!!!!
    Uma sociedade de poder, de quem manda mais!!!!
    Adorei!
    Beijo

    Rubro Rosa/O Vazio na Flor

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    1. Exatamente, Rubro Rosa! Muito obrigado por acompanhar desde o início, muita coisa aconteceu aqui, uma verdadeira jornada! Valeu, beijo!

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  2. Olá! Eita que o capítulo só me deixou ainda mais curiosa para descobrir o que vai acontecer com os habitantes de Delta.

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    1. Que massa, Elizete! Eu até queria, mas não vou dar spoilers! Abraço!

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  3. Ah, um capítulo sempre supera o outro e me deixa ainda mais instigada.
    Gostei do trecho sobre a sociedade em que fala sobre a importância da empatia.

    Beijos

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    1. Que maravilha, Ludyanne! Sinal que a trama anda funciona, rs! Obrigado, beijos!

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  4. Eita atrás de eita!
    A Cada capítulo a história me surpreende

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    1. Muito obrigado, Chele! E você já acompanha tem um bom tempo né? Que bom que está gostando!

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  5. Nossa! André!
    Fiquei chocada com as novidades e com a aceitação de Amanda tão rapidamente.
    Ainda assim, achei bem empolgante e agora estou curiosa para ler o próximo capítulo.
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Obrigado, Rudy. E valeu pela sua opinião!Talvez Amanda devesse tentar negociar. Abraço!

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  6. Olá,
    Foi tanta surpresa, que nem sei o que esperar do próximo capítulo

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    1. Rs, pode ter certeza que vão vir mais surpresas! Valeu!

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  7. Olá, André! ♡ Ainda estou no começo da história, mas posso adiantar que estou adorando! Parabéns pela criatividade e pela escrita maravilhosa ♡
    Infelizmente não estou conseguindo ler muito, pois não estou dispondo de muito tempo livre, mas quando tiver um tempinho vou retomar a leitura.
    Espero em breve conseguir acompanhar as postagens do livro direitinho ♡
    Beijos! ♡

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    1. Obrigado, Rayssa! Sei bem como é essa parada de tempo. Tenho certeza que vai curtir quando ler! Beijos

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  8. Oiii ❤ Parabéns por mais um capítulo postado! Estou bem no começo da história, já que não faz muito tempo que acompanho o blog.
    O livro está na minha biblioteca do Wattpad, já que gosto bastante de ler pela plataforma. Ainda não deu tempo para eu ler todos os capítulos que estou atrasada, mas não vejo a hora de colocá-los em dia.
    Beijos ❤

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    1. Valeu, Rayane! Muito agradecido! Quando ler, posta aqui no blog sua opinião, quero muito saber! Beijos!

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  9. Sempre fico desconfiada com as atitudes dos personagens, sempre há mais do que eles deixam transparecer, aguardando o próximo capítulo!

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  10. Oi, André!
    Adorei esse capítulo!
    Mas esclarecedor e me deixou supercuriosa para os próximos!
    Sua escrita é muito gostosa de ler.
    Parabéns!
    bjs

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  11. Olá, André
    Que capítulo hein!
    Nossa Amanda aceitou sem negociar, estou ansiosa para ler o capítulo seguinte que está prometendo muito com essa batalha.
    Beijos

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  12. Oi, André!
    Que capítulo emocionante! Já estou esperando ansiosa para os próximos acontecimentos!
    Bjos

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