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Ed. Record, 2014 - 319 páginas: |
Com um discurso perturbador, que não poupa nada nem ninguém, o personagem principal narra suas aventuras ao psicanalista Bernardo Genuss, responsável por ouvi-las e publicar um livro com as transcrições das consultas. Basta uma troca de andares para o narrador-personagem acidentalmente se envolver em um homicídio, numa paixão nipônica e em uma viagem até Brasília para desvendar um polêmico escândalo. Percorrendo diferentes universos, o personagem se entranha cada vez mais na roda-vida que é esse enredo tornando o leitor também refém dessa história de tirar o fôlego.
Onde comprar:
A vida passada a limpo (com pano sujo)
Iniciei o desejo da leitura deste livro, movido apenas pelas indicações e parcas resenhas que li a respeito. Já em minhas mãos namorei um tiquinho me deliciando com as orelhas, uma delas escrita por Jô Soares e com a contracapa feita por Pedro Bial. E vocês acham muita propaganda? Isso é porque não viram o conteúdo ainda, algo que não há parâmetros com os quais eu possa comparar.
Antes que eu morra (Record, 319 páginas) é um livro diferente de tudo o que li, isso por si só já me faria cair com tudo pra cima, com apetite. O livro começa com um oferecimento sagaz, inteligente e com citações que eu adoro, mas quando vem carregado delas começo a torcer o nariz, porque é como se o livro fosse a simples reescrita de algo que já passou, sem ideias novas – “ledo engano este meu”:
“Ninguém lê um livro. Lê-se através dos livros.”
Luis Erlanger, hoje diretor de Análise e Controle de Qualidade da Programação da Vênus Platinada, sim ela, a TV Globo, brinda-nos com um livro surpreendente. O psicanalista Bernardo Genuss aceita como paciente alguém que quer pagar para ser ouvido, que tem ânsia de colocar para fora sua história. O problema é que sua história é bizarra, absurda, mas plausível:
“... numa sessão de cinema, na busca discreta por comprimidos ansiolíticos no bolso, acabei por engolir duas diminutas baterias de íon-lítio, supostamente compradas para meu igualmente microtecnoaparelho auditivo em teste...”
Olha só que loucura! E toma-lhes referências! Avalanche de informações, oceano, carro desgovernado nos alucinando todo momento. Corre-corre para o pai Google pra conferir. Às vezes cansativo, mas imensamente saboroso. Caldo grosso! Mistura de arte, filosofia, psicologia, ciência, política, cultura inútil.
Para mim cultura inútil não existe, tudo se aproveita, tudo se transforma. Sigo a máxima de Chico César: “o carneiro sacrificado morre, o amor morre, só a arte não!”. Protagonista corre agoniado ao elevador e pensa sobre o medo, sobre a morte:
“... quando o veterano de guerra Dwight Truman, condecorado por heroísmo em campo de batalha porque se esgueirou em terreno minado para salvar um companheiro, foi decepado na altura do peito, ao tentar sair de um Otis parado entre dois andares de um edifício... Quando estava ultrapassando o vão, o elevador movimentou-se. Já viu? Aconselhável não ver.
O cidadão escapa de dezenas de Schrapnellmine alemãs... para morrer esmagado entre as seções de vestuário masculino e artigos esportivos de uma Sears da vida. Foda.”
E é aí que tudo se inicia, uma sequência de aventuras e desventuras que culmina em assassinato:
“.. segui adiante fazendo merda em cima de merda. Que imagem fina.
Teria que dar muita explicação para uma sucessão de ocorrências tão fantasiosas. E eu estava visivelmente drogado, por iniciativa própria.”
E lá vem mais reflexões, todas irônicas. Ironia é sinal de inteligência, entendê-la também deve sê-lo, penso eu:
“Você é colhido no meio do percurso por uma enorme rede invisível e inexorável.
Pluft!
A gente se prepara a vida inteira, sem saber, é para morrer.
Pode nos incomodar individualmente, porque a gente entra numa de que o mundo roda por você, mas o mundo está andando para isso...”
O cara é campeão em generalidades, não aprofunda nada, mas é hilário. Ele é uma enciclopédia de curiosidades como os antigos almanaques. Pode estar falando de colchonilha e de uma hora para outra passar para a conquista espanhola por Cortez, e pior, ligar os dois de forma fantástica. Ou ainda ligar a queda de uma jaca ao horror perpetrado na boate Kiss.
O maior problema é que o protagonista entra numas de estar sempre no lugar errado, na hora errada:
“Na natureza, não existe bom ou mau. Certo ou errado. Existe apenas equilíbrio e desequilíbrio. Nós vivemos desequilibrando. E contra o nosso lado.”
Ele se envolve em tantos problemas e bem sabemos que tudo acabará desembocando na Meca de todos os problemas – Brasília:
“À noite, cheio de executivos de saco cheio de puxar o saco de funcionário público naquela lenga-lenga até chegarem ao valor da propina. E de executivas que ganham a vida executando executivos. A maioria vinda de Goiás e não vai aí nenhum demérito. As goianas são belíssimas. Carolina Ferraz é de lá, sabia? Mas as mais cheinhas e morenas, criadas com muito pequi, são mais o meu padrão.”
Isso tudo para se chegar à grande conclusão de que como bem disse Hobbes – “o homem é o lobo do homem” – e da natureza também:
“Nossa sobrevivência não é porque chegamos a racionais. É porque viramos onívoros.
Comemos tudo que rasteja, anda, nada ou voa, mais o que está dando sopa nos arredores. Animal, vegetal e mineral.”
Minha resenha parece um pouco confusa? Bem, na verdade meu livro está todo marcado, impossível resumi-lo em tão poucas palavras. O livro é no mínimo inusitado e no máximo genial. Quem sabe um meio termo entre os dois. Altamente recomendado, mas para maiores de 16 anos. E parafraseando Jô Soares – estou feliz por ter lido Antes que eu morra, antes que eu morra.
  Cortesia da Editora Record |
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