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Ed. Aleph, 2015 - 405 páginas: |
Após dez anos de exílio, Sir Sparhawk, cavaleiro da Ordem Pandion, retorna a Elenia e encontra sua terra natal imersa em sombras. O inescrupuloso Annias, primado da Igreja e membro do Conselho Real, manipula o débil príncipe regente para governar de fato, visando seus próprios interesses. A legítima soberana, Ehlana, acometida por uma estranha doença, jaz adormecida em seu trono, protegida por uma barreira de cristal. Graças a um poderoso feitiço, seu coração ainda pulsa, mas ela não resistirá a menos que uma cura seja encontrada antes que transcorra um ano. Sparhawk parte, então, em uma busca obstinada para salvar sua rainha e seu reino, travando uma luta incessante contra o tempo, as autoridades vigentes e toda sorte de perigos - reais e sobrenaturais.
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Quando a espada era lei e a magia comum como um copo d’água
Eu poderia fazer uma resenha bem curtinha. Mas isso seria um pecado. Não faria jus à complexidade da construção das personagens de O trono de diamante (Aleph, 405 páginas) e não seria de bom tom deixar passar os sentimentos que me percorreram durante a leitura.
O autor David Eddings começou a me fascinar no instante em que resolveu narrar sua saga de fantasia épica durante a Idade Média. Confesso que gostaria de ter vivido nessa época. Consolidação das estruturas sociais, as Cruzadas, a poesia de Dante, as viagens de Marco Polo, a peste negra, o domínio da Igreja, o obscurantismo. Tudo isso confere ao período um ar de dominação pelo medo.
Ao iniciar a leitura me deparei com um mapa. De certa forma isso é bom, elucidativo. Mas comecei a torcer o nariz, porque se parecia com “O senhor dos anéis”. O prólogo, fantasioso demais até para uma obra de fantasia, com deuses se imiscuindo em assuntos humanos foi um balde de água fria. Onde é que estavam os valentes cavaleiros com suas armaduras imponentes?
Não desanimei, havia lido poucas páginas. Minha insistência me presenteou com uma das obras mais espetaculares que já li, sem sombra de dúvidas.
Sir Sparhawk, cavaleiro da Ordem Pandion, retorna ao reino de Elenia, após anos de exílio, e se depara com a rainha acometida por uma estranha doença, protegida por uma barreira de cristal, feitiço que a mantém viva, porém não por muito tempo, é preciso encontrar a cura.
Sparhawk é o Campeão da Rainha, a quem jurou honrar e proteger. Então ele parte rumo ao desconhecido, com o coração estraçalhado, enfrentando inimigos reais e sobrenaturais, além de toda gama de sortilégios. Vai tomando consciência, paulatinamente, de sua importância neste jogo de xadrez mitológico.
Nesta aventura ele contará com a ajuda de amigos, todos eles com características marcantes, tremendamente bem construídos.
Seu fiel escudeiro Kurik:
— Tenho uma má notícia para você, Sparhawk — Kurik murmurou, enquanto os dois passavam pelo acampamento chacoalhando os pandions para acordá-los. — Martel não está liderando a coluna.
— Quem está? — Sparhawk perguntou, enquanto uma onda quente de decepção percorria seu corpo.
— Adus. Ele tem uma mancha de sangue cobrindo todo o queixo. Acho que andou comendo carne crua novamente.
Sparhawk soltou um palavrão.
— Pense por este lado: pelo menos o mundo será um lugar mais limpo sem Adus, e acho que Deus vai querer ter uma longa conversa com ele, de um jeito ou de outro.
— Temos de fazer tudo o que pudermos para providenciar isso.
Seus irmãos de armas, entre eles o grande amigo Kalten, com tiradas sempre hilárias, provocativas e espirituosas:
— Eu conheço um lugar. Não é muito longe. Você consegue andar?
— Consigo ir aonde você for. Sou mais novo, você se lembra?
— Apenas por seis meses.
— Mais novo é mais novo, Sparhawk. Não vamos discutir sobre números.
A feiticeira Sephrenia, uma espécie de tutora da Ordem Pandion, que venera sua Deusa. Outro ponto para David Eddings, afinal de contas, quem conhece um pouco de história, sabe que o povo Celta foi praticamente dizimado por ir contra o machismo católico. A tentativa de apagar a cultura e os costumes deste povo, que tinha como ponto central a mulher, e por consequência uma deidade feminina, por gerar a vida, foi inócua e sobreviveu a todo banho de sangue.
... — Olhando para ela com curiosidade, ele questionou: — Diga-me, Sephrenia, qual deus pagão você venera?
— Não tenho permissão para dizer — ela respondeu, com seriedade. — O que posso contar, em contrapartida, é que não é um Deus. Sirvo uma Deusa.
— Uma deidade feminina? Mas que ideia absurda.
— Apenas para um homem, Dolmant. As mulheres consideram isso bem natural.
Um jovem ladrão de nome Talen, que viveu nas ruas e conhece todos os seus perigos, além de ministrar como ninguém a arte da mendicância e ter os dedos mais ágeis de Cimmurra:
— Você tem que chamar a atenção deles. “Caridade” costuma funcionar bem. Não se tem tempo para longos discursos e, de qualquer jeito, as pessoas não gostam de conversar com mendigos. Se alguém resolver te dar alguma coisa, quererá se livrar disso o mais rápido possível. Faça com que sua voz soe totalmente sem esperança. Choramingar não é muito bom, mas se conseguir que ela fique embargada... como se você fosse chorar.
— Mendigar é uma arte, não é?
— É vender uma ideia, só isso — Talen deu de ombros. — Mas você tem que vender só com uma ou duas palavras, então coloque seu coração nelas...
E também uma menina misteriosa que parece querer acompanhar o grupo a qualquer preço, impondo sua vontade com magia.
A jornada dos heróis será difícil, muitos pagarão com a própria vida. Mas é aí que reside o grande fascínio de uma saga de magia, capa e espada. Numa época em que o nome, a honra e a palavra empenhada são sinônimos de caráter, é sempre embriagador notar a nobreza dos atos dos cavaleiros.
Porém, não se enganem. Nenhum deles é perfeito. Todos têm seus desvios de conduta e seus fantasmas que arrastam correntes e nunca os deixam em paz.
O ladrãozinho Talen, vai aprender na marra, mesmo tendo a língua ferina:
— Algum dia, essa sua boca vai te meter em sérios problemas, garoto.
— Nada de que meus pés não possam me levar para longe.
O amigo Kalten, talvez não aprenda nunca:
... — Sabe de uma coisa? Eu poderia me acostumar a esse tipo de vida.
— É melhor não — Sparhawk aconselhou.
— Você tem que admitir que é bem mais confortável do que ter o traseiro massacrado em uma sela dura.
— Desconforto é bom para a alma.
— Minha alma vai muito bem, Sparhawk. É o meu posterior que está começando a ficar gasto.
E o fiel escudeiro Kurik irá se deparar com a estupidez do fanatismo religioso, que explora a ignorância e a estupidez do povo:
— Quem inventou essas regras estúpidas? Kurik perguntou com indignação.
— Eshand — Sparhawk respondeu. — Ele era louco, e pessoas loucas sentem-se mais seguras ao seguir rituais.
— Mais alguma coisa?
— Só mais uma. Se você deparar com um carneiro, deve dar passagem a ele.
— Como é que é? — o tom de voz de Kurik estava carregad de incredulidade.
— Isso é muito importante, Kurik.
— Você não está falando sério!
— Seríssimo. Eshand era pastor quando criança e ficava completamente revoltado quando alguém cavalgava por entre seu rebanho. Quando subiu ao poder, anunciou que Deus lhe havia reelado que carneiros eram sagrados e que todos deveriam abrir caminho para esses animais.
— Isso é loucura, Sparhawk — Kurik protestou.
— Claro que é. Mas aqui é lei.
E não poderia faltar o velho e bom duelo, desses que a gente fica louco pra acontecer:
— O senhor tem algum título, capitão? Quero dizer, além de seu posto militar?
— Sou marquês, Sir Bevier.
— Excelente. Se nossa devoção o ofende, ficarei mais do que feliz em lhe dar satisfação. Pode enviar seus padrinhos de duelo para me chamar a qualquer momento. Estarei a seu completo dispor.
O capitão empalideceu visivelmente e se retraiu.
Não vou tecer mais comentários sobre três personagens: Sparhawk, Sephrenia e a menina misteriosa, porque tiraria um pouco o clima de quem irá se encantar com a leitura como eu.
O autor tem a grande vantagem de não se perder em descrições detalhadas, muitas vezes desnecessárias e enfadonhas. Privilegia os diálogos, sempre inteligentes, perspicazes e irônicos. Desenvolvimento impecável e saboroso. Prazer dobrado.
Quando se aventura em descrições, o faz de maneira belíssima. Por exemplo, quando nos presenteia com o assombroso gótico da Idade das Trevas:
A cripta sombria se estendia em uma treva monótona bem além da nave da catedral. Sob o teto abobadado e os contrafortes enfeitados por teias de aranha jaziam os antigos governantes de Elenia, silenciosos, fileira após fileira, cada qual encerrado em uma tumba de mármore desgastado com uma empoeirada efígie de chumbo repousando em seu topo. Dois mil anos de história eleniana jaziam ali, acumulando lentamente bolor e poeira no porão úmido. Os pecadores repousavam ao lado dos virtuosos. Os estúpidos ao lado dos sábios. O nivelador universal trouxera todos ao mesmo local.
Muitos acham que na fantasia vale tudo. Mas não é bem assim. Tem que haver coerência, tem que haver uma explicação plausível, mesmo em um diálogo entre o Campeão da Rainha e um rei morto.
— Tu és gentil, Sparhawk — a voz vazia suspirou —, e tua gentileza despedaça meu coração insubstancial mais do que qualquer reprimenda.
Desculpem-me pela extensão da resenha. É que esta obra merecia isso e muito mais. Já espero ansioso pelo segundo volume da trilogia. Indico a todos aqueles de coração livre e espírito jovem, que torcem pelo bem e vivem para a felicidade. Deliciem-se!
  Cortesia da Editora Aleph |
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Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!
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